Jantar com Clarisse

Importante: Este texto aqui é de autoria da minha Querida Amiga Kênia, dele participei como revisor, mas ocorre dentro do universo de C7, então tomei a liberade de publicá-lo com o consentimento dela, é claro. No meu Google Docs ele data de 01-08-2008, mas creio que é bem anterior a isso.

RPG:C7

Jantar com Clarisse

Autora: Kênia Barbosa Evangelista
Revisão e Adaptação: Wagner Ribeiro

Dário sabia que tinha que impressionar Clarisse. Ele era um rapaz até que bem sortudo com mulheres, pensava, mas era sua primeira vez com uma deusa, e isto o estava matando de nervoso. Ele estava sentado no meio da sala de estar do apartamento de Clarisse. Estavam ambos de folga da Agência secreta, chamada C7, a qual prestavam serviços “obrigatórios”. Mas mesmo assim, quando chegavam na casa dela, onde Dário pretendia deixar a namorada naquele delicioso fim de tarde parisiense de meados do século XXII, Clarisse foi chamada às pressas para a base mais próxima da Agência, parece que haviam feridos de uma missão precisando da médica chefe do C7. A moça saiu desabalada (tinha uma hora e meia para estar lá, segundo o computador Orwel, que os vigiava através de braceletes 24 horas por dia. E era pouco tempo) e com um pequeno beijo, despediu-se de Dário, dizendo:

_ Olha, fique a vontade. A cozinha fica ali, o banheiro lá, e o computador, Goethe, vai atender você. Espere-me aqui, se puder, volto logo que for possível. Se eu demorar demais, vá para casa, eu ligo assim que voltar!

Ela saiu tão rápida, que ele chegou mesmo a esboçar resposta, mas não era dado a falar sozinho. Pediu água ao computador com nome de poeta da garota, e depois resolver tomar uma cerveja. O que fazer para impressionar uma garota como aquela?

_ Pense, idiota! _ e logo a seguir se repreendeu, achando que já estava começando a falar sozinho. Mas não pode evitar a resposta _ o que posso fazer, ela me tira completamente dos eixos. Como impressionar ela, cara?
_ Está falando comigo, senhor? _ perguntou o computador da casa de Clarisse, suave.
_ Não, Goethe. Estou pensando alto, apenas...
_ Posso ajudar com seu raciocínio?
_ Não... Bem, estou tentando imaginar uma maneira dela gostar de mim...
_ Creio que ela, se suponho corretamente que “ela” seja a doutora, já nutre afeto pelo senhor.
_ Mais, quero fazer ela gostar mais.
_ Defina “mais”.
_ Hummmm... Quero que ela se apaixone por mim.
_ Apaixonar-se por ela pode ser um bom começo. O senhor está?
_ Ora, Goethe... Quero dizer... Que pergunta tola...
_ Não, segundo meus algoritmos neurais, é uma pergunta coerente diante da flexibilidade caótica do sentimento humano. Além do mais gosto da doutora Clarisse, e não seria bom vê-la magoada.
_ Ok, eu estou amando essa garota. Está satisfeito de me matar de vergonha?
_ Porquê?
_ O quê?
_ Porquê? _ Repetiu Goethe, a voz da serenidade.
_ Porquê o quê?
_ Porquê sentir vergonha de um sentimento tão declamado e aparentemente importante para os seres humanos.
_ Hã... Uma máquina está me deixando sem graça mas... Ok, ok, você está coberto de razão! É idiotice sentir vergonha de amar... Amar uma garota linda e preciosa como a Clarisse é menos vergonha e mais orgulho... Mas e se ela não me amar também?
_ Pergunte.
_ Pirou? Tu ta de sacanagem?
_ Se enlouqueci? Não, minhas rotinas de regulagem não permitiriam que eu funcionasse um segundo se estivesse com problemas cognitivos.
_ Goethe. Eu quero dizer que não vou simplesmente sentar em frente de Clarisse e perguntar: você me ama?
_ Porquê?
_ Porquê o quê? Porquê não perguntar simplesmente?... Ah, bem, humanos não são assim tão objetivos, Goethe. Precisamos de rituais, de descobertas que envolvam uma certa... Droga, eu não sou bom com palavras, cara... Uma certa magia. Tem que rolar clima.
_ Defina “rolar clima”.
_ Caramba, quer mesmo saber disso?
_ Adoraria, senhor. Meu apreço por lingüística vem de meu prazer de discutir poetas e suas obras com a doutora Clarisse. Explique-me, por favor, este neologismo.
_ É necessário ter uma cena, uma atmosfera, um lugar, uma hora romântica, em que a gente se descubra amando uma pessoa, entende?
_ Como em um jantar romântico?

Fosse Dário um desenho animado, uma lâmpada das antigas, como uma bolha de vidro com um filamento incandescente dentro, se haveria acendido sobre sua cabeça.

_ Goethe, meu camaradinha, você é genial!
_ Obrigado, senhor, mas porquê?
_ Você acaba de me sugerir preparar um jantar romântico para Clarisse.
_ Não, na verdade eu...
_ Me mostre algumas músicas que ela gosta, por favor.
_ Sim senhor, mas eu...
_ E me diga o que ela gosta de comer, por favor. Eu não cozinho grandes coisas, mas... Ah, diacho! Eu mando entregar tudo que ela gostar aqui, o que importa é o clima. Eu preciso surpreender a garota. Surpreender. Você disse que ela gosta de poesia, alguma coisa feito Yamabushi, eu vi o cara na TV um dia desses e até eu gostei.
_ Oh, não, senhor, a doutora Clarisse gosta de clássicos...
_ Arrá, clássicos, heim? Aquele clima cavalheiresco e britânico?
_ Creio que sim...
_ Ótimo! Me conecte com uma loja de aluguel de trajes. E Goethe, meu filho, cadê o raio das músicas?
_ Oh, sim senhor, vou as selecionar agora, mas me permite uma sugestão?
_ Manda ver, véio!

E, para causar o “derretimento apaixonado” do coração de Dário, a belíssima voz de Norah Jones preencheu o ar da sala, suave, terna e sexy cantando "Don't know why". Era a primeira vez que ele ouvia aquela canção, e, reclinando-se no sofá, com a mão sobre o coração, ele só pode dizer:

_ Uau! É a cara dela, Goethe.
...
Um alarme falso tinha feito com que ela saísse de sua casa, em pleno horário de folga, e perdesse muitas horas de translado. Devia estar furiosa, e de fato estava aborrecida, mas Clarisse conseguia, na maioria das vezes, manter sua serenidade, sua “fórmula mágica” para não perder a sanidade dentro do C7 era esta, tentar manter um mínimo de serenidade sempre. Às vezes ela perdia este rígido controle, e “surtava”, mas isso não tinha acontecido agora. Talvez porque as horas de ida e vinda tenham sido importantes para ela pensar um pouco em sua relação com seu colega de Agência, Dário Difalco.

“Ele é um tanto louco, por vezes inconseqüente...” _ pensava ela, absorta, enquanto seu carro a levava automaticamente para casa, pelas ruas da cidade luz _ “de vez em quando me surpreende, e age como um verdadeiro gentleman. No início, devo admitir que pensei que ele só queria divertir-se comigo, que fosse só um adolescente em escala maior. Afinal de contas, estava pensando em me beijar num momento completamente inviável...”

Clarisse nem percebeu os olhares encantados dos moços nos carros próximos. Uma ou outra moça também olhava, mas a heterossexualidade de Clarisse era tão arraigada, que essas mesmo é que ela não iria notar. Chovia levemente, e seus pensamentos prosseguiam, na velocidade controlada do veículo:

“... Estávamos no meio de uma missão complicada, e logo depois em quarentena. Imaginei que umas duas ou três respostas negativas o fariam perceber finalmente que eu não estava disposta a participar da brincadeira dele. Mas sua persistência realmente me surpreendeu... Não, talvez o que mais tenha me surpreendido nele foi justamente o fato de que quando imaginei que o conhecesse, que saberia a forma de como agiria no momento seguinte, que fosse tão exatamente previsível, ele se mostrou de tal maneira que nunca havia me passado pela cabeça. Dário de fato anda tão... Diferente. Custo tanto a acreditar no toque dele, nos beijos dele...”

Sem perceber, ela suspira, emoldurada pelo Arco do Triunfo. Entretanto seu rosto muda, e ela fica séria e de cenho franzido ao lembrar das opiniões grosseiras e não solicitadas de certo agente do qual ela não gostava:

Um saco _ me disse o ‘extremamente cuidadoso com as palavras, agente Guilherme Borges_ Quando abre a boca, só sabe falar deste ‘nhemnhemnhem’ de vocês. Ele parece que acabou de assinar o atestado de idiota bobo-alegre do ano. Uma verdadeira ameba-manca... Parabéns, doutora, você agora tem um verdadeiro paciente contigo... E riu aquela risada mais ácida, sarcástica e por sinal asquerosa que ele tem. Na verdade, não sei se realmente devo levar em conta uma afirmação deste insensível agente... Cretino!”

Ela respirou fundo, mesmo quando seu carro estacionava na garagem de seu apartamento. No elevador, ela voltou a pensar em Dário, que ela julgava ter ido para seu próprio apartamento em outra parte da cidade, pois haviam se passado quase quatro horas...

“Estamos a uma semana juntos, e faz já algum tempo que este é meu recorde, já que tenho medo de encontrar um namorado em uma de minhas mesas de cirurgia na agência, eviscerado por algum monstro alienígena... Ah, que droga, esqueça essa porcaria de Agência e seus horrores, Clarisse!”

Pois de fato Clarisse, bela e inteligente, charmosa e encantadora, naquela noite agradável sob os céus estrelados da França, esqueceu seus tormentos, e suas dúvidas, mas deixemos que ela mesma, recordando-se em retrospecto, nos conte o bem que lhe ocorreu:

“Oh, bem, foi assim, eu chegara no meu apartamento e havia reparado que estava completamente escuro, salvo algumas velas acesas... Mas... Velas? Nunca acendo velas, elas não me trazem boas recordações. Quando me aproximei, disposta a apagá-las, vi um recado escrito com letras douradas quase faiscantes em uma delas: ‘Siga a luz para encontrar o próximo bilhete’ Sorri no escuro, com um leve friozinho na barriga em decorrência da expectativa da surpresa... ‘O que ele aprontou?’, pensei. Olhei para o corredor, iluminado por outra tênue vela, a brilhar frágil. E havia um outro bilhete: ‘Não está cansada de andar no escuro?’ E de repente senti as mãos dele me enlaçarem, dizendo: ‘Você não pode ver ainda... É uma surpresa. Eu vou te levar até lá’. E me tampou os olhos com aquelas suas mãos enormes e calosas. Chegamos na sala de jantar, e eu lembro que já ria muito. Senti o local bem iluminado, mas ele pediu para permanecesse de olhos fechados. Até que disse: ‘Agora...hã....pode abrir’. Quando o vi, não pude acreditar. Ele estava todo paramentado com uma roupa de corte antigo, uma bengala na mão direita e uma rosa vermelha na esquerda. Na cabeça, um chapéu um tanto engraçado... Foi então que ele começou a cantarolar a música que mais gosto: ‘Don't know why’, da Norah Jones. Mexendo a bengala e um tanto desafinado, cantou até o refrão, e no final me pedindo para ir jantar com ele. Nem preciso dizer que adorei. Nunca havia desfrutado tanto da companhia de Dário como naquele dia. Parecia tão... Diferente, criativo a cada palavra, realmente interessante a cada momento. E não me pareceu frustrado quando percebeu que noite acabaria só naquele jantar, que aliás, ele mesmo parecia ter feito. Me senti uma adolescente ficando rubra a todo momento quando ele me lançava um elogio, ou quando me olhava de um jeito diferente. Quando ele se foi, me dei conta de que ele... Amava-me, e que suas palavras e sentimentos eram verdadeiros. E que este sentimento era recíproco...”.

(Um começo...)

Comentários

  1. liiiinnnndddddddddooooooooooooooooooooooo

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    1. Ah, que emotivo e belo comentário! Obrigado! Pena que não podemos saber quem foi o autor/autora de tão gentil comentário. Mas por favor, conheça mais textos meus em www.wagnerrms.com. Abraço.

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