Quatro Dias e Uma Noite

RPG: Remanescentes

 

Quatro Dias e Uma Noite

Autor: Wagner Ribeiro

Escrito na década de 90, a data exata se perdeu...


[Este texto envolve o Universo de role-playing game Remanescentes, e diversos personagens que são criação intelectual de Claudio Augusto dos Anjos, Mestre de Jogo e Grande Amigo, alguns em parceria com seus exímios jogadores, dos quais também tenho a honra de ser amigo e companheiro de jornadas! AVISO DE DIREITOS: Este texto pode ser considerado um fanfiction, pois na verdade mescla os universos de Remanescentes, cuja propriedade intelectual é de Claudio Augusto dos Anjos em co-autoria em alguns personagens com seus respectivos jogadores.]


Primeiro Dia:

Os saltos das botas de Diana Dupret produzem estalos característicos contra o piso metálico. Sozinha, ela caminha sinuosa e casualmente sensual ao longo do corredor que faz a volta no reator de fusão H-3 da Base Remanescente.

Esta base, no subsolo da cidade americana de Iron Village, próxima a Detroit, é o centro operacional de uma Organização Não Governamental que congrega um grupo de pessoas extraordinárias, com fantásticas capacidades metahumanas, que tomaram para si a missão complexa de defender a sociedade de ataques terroristas de outros metahumanos com atividades criminosas. A ONG tem como entidade mantenedora uma estação de TV a cabo, com foco de programação nas atividades metahumanas. Um jogada de “marketing” que tem dado certo para o grupo. Fortemente apoiados por governos importantes, como o dos EUA, União Européia, Israel, Japão e Brasil, os Remanescentes, como se denominam, são um dos mais poderosos grupos de heróis da Terra. Com atividades legais em quase todas as partes do globo, e fora do planeta, inclusive. E Diana é uma Remanescente.

_ Wal, estou no reator H-3. _ Fala a bela jovem ao comunicador, chamando seu namorado Walter _ Vou reativar o estabilizador manualmente e vou aí te dar um beijo já-já, falou?

_ Vou cobrar, Diana.

_ Então cobre com juros, ok? Tchau, deixa eu trabalhar, pô! _ E sorri, enquanto guarda o pequeno rádio e saca do bolso da justa calça de couro uma chave de fenda universal, e coloca a pequena lanterna, já ligada, entre os lábios. O minúsculo compartimento de circuitos em que vai mexer é demasiado escuro.

Mulher bonita e atraente em seus vinte e cinco anos, é uma pessoa brilhante com formação superior em física nuclear, mas de temperamento agressivo e irrequieto. Sua pele clara e seus cabelos negros, lisos e curtos, cortados em Chanel, parecem perfeitas molduras para seu rosto delicado e olhar escuro, faiscante, intenso e repleto de emoções explosivas. E são essas emoções em turbilhão que lhe conferem a fama de “pavio curto” e “destemperada”. Existem inclusive aqueles que, acostumados a julgar diante das primeiras impressões, a tomam por mulher bruta e pouco graciosa. Nada mais tolo e injusto, visto ser seu coração tão grande e intenso quanto o são suas emoções.

Ainda assim, há que se concordar que uma pessoa que possui poder para disparar de suas próprias mãos nuas rajadas capazes de desintegrar o mais resistente dos metais, e causar a volta de si mesma uma explosão com potência atômica comparável a que destruiu Hiroshima, de fato poderia ser uma pessoa mais calma e controlada.

Em tom de gracejo e implicância, os amigos mais íntimos dizem que a válvula de segurança que mantém Diana nos eixos seria seu namorado e colega de trabalho, Walter Alessandro Veiga, físico quântico e cientista chefe da base, também metahumano com dons que possibilitam a ele ter um alto grau de controle sobre as forças gravitacionais. A precisão do controle de Walter é tanta que ele poderia ser quase confundido com um telecinético capaz de mover objetos com a mente, com a diferença de que o namorado de Diana pode erguer toneladas com a força de sua vontade.

Diana reage aos gracejos com desdém bem-humorado, e quando não, costuma mandar o piadista para algum lugar indecoroso. Ela sabe que sua união com Walter é um interessante processo de simbiose, onde a força e paixão dela movem o outro, enquanto ele a compreende e acalma suave e amorosamente, com seu jeito tímido e comportado. Eles se amam com prazer e respeito, muito embora não sejam nada raros os desentendimentos oriundos dessa diferença de têmpera. Pelo contrário. Existe inclusive uma tensão velada entre eles com relação à necessidade cada vez maior de Walter firmar um compromisso “mais sério” com Diana, e esta repudiar qualquer comprometimento, e nem sequer pensar em casar-se, jamais, mesmo que ela não consiga se imaginar com outro homem até o fim de sua vida que não seja Walter.

_ Muito bem, plaquinha filha de uma... Sai daí _ Resmunga Dupret entre dentes, enquanto força uma placa de circuito cuidadosamente para fora de seu encaixe. Mas todo o cuidado não é suficiente, e com um estalo seco, a placa racha e parte ao meio _ Puta que pariu! Merda!

Ela se deixa cair para trás e senta no chão, os cabelos sobre os olhos, e estes fixos no resto da placa em sua mão direita. A placa não dura muito nesta posição, já que Diana, com um grito áspero, arremessa o objeto contra a parede, despedaçando-o. Em um rápido movimento ela saca o pequeno comunicador, e com o polegar ativa o envio de mensagens. Com a outra mão, afasta os cabelos da frente do rosto, puxando uma mecha para trás da orelha esquerda.

_ Wal, o circuito do estabilizador virou pó! Tem alguma placa adicional aqui mesmo?

_ Sim, Diana. A cerca de dois metros adiante, você vai encontrar uma pequena sala de testes e manutenção, onde existem umas prateleiras com peças de reposição...

_ Ok, estou indo... Fica na linha, tá?

_ Basta chamar. Quer que eu desça aí agora?

_ Oh, não, meu anjo. Se descer eu perco a concentração e já era o conserto, gato!

_ Ok, estou descendo!

_ Nãoooo, deixa eu trabalhar, querido!

_ Brincadeira. Prossiga, senhorita Dupret.

Ela sorri, e se diverte com alguns pensamentos excitantes enquanto se aproxima da porta da pequena sala.

Cabe aqui uma explicação, de modo que se possa ter idéia do porquê dos eventos que se seguem: os inimigos dos Remanescentes são muitos. E seus poderes se não rivalizam, são até superiores aos dos heróis. De fato, somente a força conjunta desses heróis pode lidar com o imenso arsenal de capacidades extraordinárias de seus inimigos. E dentre os inimigos, como dentre os próprios Remanescentes, surgem lendas, e uma das mais temidas lendas inimigas é o metahumano com poderes eletromagnéticos e dimensionais conhecido como Pluguer. Homem de poderoso semblante, de hábitos espartanos e alma megalomaníaca, conjura com toda a facilidade o poder de imensas descargas elétricas, e comanda o magnetismo do próprio planeta Terra, se assim o desejar, e ainda é capaz de transitar entre fendas dimensionais, de um Universo Potencial para outro, como quem cruza as ruas de uma cidade. Egocêntrico e frio, Pluguer é temido por sua contundência e sua destreza na arte de matar. Nenhum remanescente sabe ao certo os objetivos finais de Pluguer, muito embora ele seja pai de um dos integrantes da equipe, de nome Marty, codinome Reator, pelo qual Diana nutre grande afeição fraterna.

Sabendo que Pluguer inspira medo até no espírito corajoso de Diana, voltemos a ação. Pois a moça acabara de colocar o comunicador à cintura, quando este, em um pipocar surdo, com uma chuva de faíscas, estoura, dando-lhe um forte susto. Ela arranca o aparelho queimado da presilha e o atira longe. Enquanto ela pensa no que teria acontecido, de seu inconsciente a resposta já vinha ligeira, mesmo antes que uma série de arcos-voltaicos azuis saísse de dentro da sala de manutenção, precedendo seu poderoso criador, o vilão Pluguer.

Diana arregala os belos olhos escuros e observa à sua volta. Nem pensar em usar seu poder em força total ali, poderia causar rachaduras no reator nuclear, e inundar a câmara do corredor com plasma tão quente quanto a superfície do sol. Muito embora, assim como o corpo de Walter, o corpo de Dupret tenha um núcleo de pura energia, sua camada externa, inclusive a pele, é biológica. Estaria morta assim que entrasse em contato com o plasma ígneo.

Pluguer flutua a centímetros do chão, quando lança um olhar vago em direção a Diana. Parecia saber que a tinha pego acuada. Ela fez menção de correr quando uma grade de energia elétrica surge atrás dela, impedindo que voltasse por onde veio. Restava a ela apenas tentar enfrentá-lo, e, com um sorriso movido mais pelo orgulho do que pela certeza de vitória, Dupret vira-se para Pluguer e aciona seu poder, que imediatamente faz o ar em torno de suas pequenas mãos incandescer e estalar com energia destrutiva.

_ Valeu, Pluguer. Quer me matar? Tente...

Ele sorri. Seus olhos, de um azul cinzento, de fato parecem divertidos.

_ Ainda não vim matá-la, Dupret. Muito embora devesse. Ao menos, com certeza, ficaria mais perto de onde gostaria de estar com relação à Profanadora. Ela adoraria vê-la morta, como bem sabe.

Irada com a menção ao pseudônimo de sua odiada inimiga, a bruxa pedante, mesquinha e bela, chamada Margareth Henzller, que tantas vezes buscou humilhar Diana, esta última fala em tom arrogante:

_ Gostaria de estar debaixo dos pés daquela puta, cara? Com todo o teu poder, e só deseja ser capacho daquela miserável? Você é uma piada de neon, Pluguer, só isso!

Com um rápido e coordenado movimento de sua mão esquerda, Pluguer atinge em cheio o rosto de Diana com uma espécie de chicote de eletricidade estática. Funciona como um coice, e a jovem é violentamente arremessada contra a parede. Mas, osso duro, Dupret não perde os sentidos e dispara uma rajada desintegradora contra o vilão, que sente a pressão da força destrutiva contra seu escudo energético. Ele cria um vórtice que desvia a violenta rajada contra sua própria criadora, que, sem esforço, a absorve.

_ Quero apenas lhe falar, menina insolente. Quem acha que é para julgar meus atos? Acha que sua explosão pode salvá-la de mim? Por duas vezes acreditei que, em uma luta honrada, você de fato havia desenvolvido estratégias que me colocaram em condição de perdedor, lembra-se? Em duas das vezes que nos encontramos, nós combatemos e aceitei vitórias técnicas suas. Vitórias técnicas. A bem da verdade, se eu assim desejasse, você estaria morta minutos depois.

Diana se levanta, tonta, limpando o sangue que escorre de seu nariz. A camada externa de seu corpo é irrigada por capilares sangüíneos assim como um corpo humano normal, e como uma mulher normal e orgulhosa, sentia aquele golpe doer mais em seu espírito do que em seu corpo, muito embora tivesse lhe arrancado sangue. De seus olhos faíscas de raiva destilada, enriquecidas com franco desprezo, saltavam em direção ao vilão.

_ Você vai me pagar, seu filho de uma...

_ Aceite. Dessa vez foi você quem sofreu uma derrota técnica.

Ela, ainda com os olhos repletos de fúria e ódio, sorri, um sorriso cínico e falso, mas ainda assim um sorriso. Pluguer, entretanto, lhe devolve um sorriso de aparência bem mais verdadeira, por estranho que isto possa parecer.

_ Você estava magoada comigo. Curioso, já senti muito ódio pela minha pessoa, mas fora o Reator, nunca soube de mais ninguém que tivesse uma mágoa tão... Pessoal... Contra mim.

_ Sabe da história da minha mãe ter fotos com você? Fotos que ela disse ter tirado com você a mais de 20 anos atrás, Pluguer?

_ Já tirei muitas fotos, menina! E já conheci muitas mulheres.

_ Carla Dupret Amorin... _ pronuncia Diana, tentando esconder a emoção e a insegurança.

_ Seu rosto sempre teve algo de familiar para mim, Diana, e seu nome sempre me fez pensar em algo que me fugia... _ Disse Pluguer, assumindo o ar ligeiramente distante de quem recorre as lembranças antigas, muito embora nem por um segundo desviasse o olhar da moça _ Ela teve uma filha? Que interessante. Ainda vive, a bela Carla?

_ Não... _ Diz Diana, esforçando-se para parecer o mais convincente possível, já que a última coisa que deseja na vida é ver sua mãe sendo procurada por esse tipo de crápula metahumano.

_ Que pena.

_ Pois é. Eu descobri essas fotos. E algumas anotações que sugeriam... Parentesco entre nós dois...

Foi quando Pluguer riu abertamente, inclinando-se enquanto gargalhava, foi a primeira vez que Dupret viu aquele homem rir assim. Diante do olhar de atônita fúria da jovem, ele diz:

_ Você é uma mulher bonita e forte, Dupret. As coisas que ocorrem nunca cansam de me espantar. E você então acha que está travando combates com seu próprio pai? Foi por isso que teve medo de atirar em mim de novo naquele rio próximo ao covil da Profanadora? Que estupidez infantil!

_ E se eu estivesse pensando? E se fosse verdade? Você ainda assim tentaria me matar toda a vez que nos encontrássemos? _ Pergunta ela entre dentes.

_ Se eu desejasse, você já estaria morta, sua pedante idiota. Se eu tivesse uma filha, eu a trataria como a um guerreiro. Eu a faria crescer em força e astúcia, mesmo que para isso eu tivesse que combater pesadamente contra ela! Isso se eu tivesse uma filha. Meu filho, Reator, já me causa preocupações suficientes. Contente-se com seu pai humano, se ainda o tem. E não me dê as costas, Diana, jamais, porque eu sei que você é perigosa demais com esse seu poder bruto, e essa sua mania de não aceitar derrotas. Se um dia você ficar entre mim e o que eu desejo fazer, posso matá-la sim, sem o menor remorso.

Diana, ainda apoiada contra a parede, apruma o corpo, enquanto uma torrente de raiva e uma dolorida sensação de impotência percorrem seu coração. Se por um lado sente-se profundamente aliviada pelo fato de Pluguer estar se eximindo de qualquer responsabilidade paterna com relação a ela, por outro se ofende profundamente com o descaso com que o vilão trata um tema que a tem atormentado a mais de um mês. Ela avança contra ele e diz:

_ Um único filho odiando mortalmente você já é o suficiente? Sabe, cara, só é preciso conversar um pouco com você para perceber o por quê de Marty ter tanta vergonha, tanto ódio, tanta mágoa de ser seu filh...

Antes que ela completasse a frase, é novamente arremessada contra a parede, mas desta vez permanece lá, colada ao metal. O ferro de seu sangue imantado pelo poder do vilão. A pancada contra a parede é tão forte que, não fosse o fato de o núcleo energético de seu corpo sintetizar tudo que sua parte biológica precisa, inclusive o oxigênio, ela teria desmaiado devido à impossibilidade de respirar. Ainda assim o choque contra o anteparo a faz engasgar, e ela tosse fortemente, tentando recobrar o controle, fazendo força para soltar-se da parede. Rápido demais para ser acompanhado pelo olhar da moça, Pluguer aproxima-se, praticamente colando seu corpo ao dela.

_ Se disparar, mulher, faço seu corpo reabsorver seu próprio poder. E não terá coragem de destruir sua preciosa base explodindo aqui, não é? Até porque estou perto demais de você para ser atingido pela explosão.

_ M... Minhas costas... Parecem que vão explodir... _ Diz ela, com dificuldade e evidente sofrimento na voz, enquanto um filete de sangue escorre de sua boca. O magnetismo está começando a deformar a camada externa de seu corpo, o que está causando a dor. Com um olhar, o vilão libera todo o corpo de Diana da pressão eletromagnética, exceto os dois pulsos, que permanecem colados à parede.

_ Novamente derrotada por uma questão técnica, não é Diana? Está perdendo a capacidade de luta, Diana. Está amolecendo. Como pretende cumprir seu destino e matar seus inimigos ficando mole desse jeito? Como pretende fazer jus ao teu destino, mulher?! No fundo, você é uma fraca!

Ela o encara, e mesmo ele parece sentir a pressão de todo o ódio que aquele jovem coração é capaz de sentir. Mas, com esforço, Pluguer se aproxima ainda mais dela. Ela vira o rosto tentando afastar-se dele. Os lábios de Pluguer estão tremendamente próximos do rosto dela agora, e ele diz:

_ Eu não devo ser seu pai, Diana. Senão a atacaria sem piedade agora, para torná-la mais forte. E um homem que fosse pai... _ enquanto fala em um sussurro, agarra o rosto de Dupret e o inclina para frente, aproxima-se dela, com um olhar que apavora a moça _ ... Não seria capaz de... Fazer algo assim com sua própria filha, seria?...

Pluguer podia sentir o hálito dela em sua própria boca, hálito suave, mesmo tingido de sangue. Mas havia algo em seu olhar furioso e desesperado, no jeito como ela pareceu retesar todo o corpo, nos palavrões desconexos que lhe escaparam da boca, na maneira como ela crispou as mãos, que incandesciam com rajadas destrutivas que ela sabia serem inúteis ali, e as reabsorvia... Algo indefinido, ou sustentado por segredos tão íntimos do vilão que não caberia aqui revelá-los, faz com que ele retraia seus desejos e sua intenção de humilhá-la. Ele larga o rosto dela, mas ela continua presa à parede. Ele dá um passo atrás, e diz, com fúria contida:

_ Sua mulherzinha estúpida. Vim para mostrar a vocês que meus planos e meu poder estão anos-luz a frente de tudo que puderem construir e fazer. Estou aqui, dentro da Base Remanescente, como uma afronta, primeiro para saber o que é este lugar, e segundo para deixar bem claro que o futuro pertence a mim. Eu o moldarei conforme meu desejo e de acordo com meus planos, e nem você, nem seu namoradinho, nem o próprio Marty, nem sequer aqueles que, tolos, imaginam possuir o controle sobre o Livro do Destino, vão ficar no meu caminho! Hoje nosso encontro termina, mais uma vez, com você viva, mas nunca, nunca esqueça disso, mulher: foi puramente porque eu assim o desejei, que você continuará viva.

E um poderoso choque elétrico percorre o corpo da moça, que convulsiona e se contorce, acompanhando os chicotes de energia elétrica que percorrem seu tronco e membros. Parte daquilo, sua própria natureza energética absorve, mas parte provoca dor a agonia em Dupret, que solta um grito agudo de medo e ódio, calando-se em seguida, quando o choque cessa. Lágrimas doloridas escorrem pelo rosto da moça, enquanto sua cabeça pende sobre o peito.

Com um sorriso frio, Pluguer vira-se de maneira marcial, e, deixando para trás uma Diana que ele tem fé que está profundamente humilhada e com orgulho e moral desgastados, ele se prepara para sair daquele lugar insignificante através de um portal dimensional, quando ouve atrás de si a voz fraca e exausta de Diana:

_ P... Pluguer... Seu filho da mãe... Por favor...

Altivo e pedante Pluguer se vira, pronto para contemplar a pobre mulher, mas encontra apenas os dois saltos das botas de Diana, arremetendo violentamente contra seu rosto, em um movimento tão brusco quanto inesperado. Ele desvia-se do primeiro, mas o segundo golpe o atinge no pescoço, atirando-o contra o chão violentamente, enquanto agora é ele quem engasga e tosse. Diana se vê livre e, tonta, busca a posição de combate, pronta para matar ou morrer.

O Vilão se ergue em uma coluna de poderosos raios elétricos azulados, que queimam o oxigênio da sala, deixando um fortíssimo cheiro de ozônio. Os olhos de Pluguer são fúria, suas mãos, garras elétricas, e sua voz, trovão:

_ Maldita! Eu não poderei permitir que saia viva daqui, sua maldita louca! Porque prefere assim, mulher?

Diana, exausta, sente todos os pêlos de seu corpo eriçarem-se com a estática no ar. Ela já até imagina o que Pluguer pretende: despedaçá-la, liberando seu núcleo energético, destruindo-a em definitivo. Ela se ergue do chão com sua capacidade de vôo, e prepara-se para disparar contra o reator de fusão. Já que deve morrer, vai fazer o que puder para levar o vilão consigo. Pluguer ergue as mãos e uma esfera de energia a envolve! Tarde demais para disparar!

Em um movimento tão brusco que mais parecia o disparo de um filme deliberadamente acelerado, Pluguer dá um salto para trás, olhos arregalados, obviamente pego de surpresa, e explode a parede dos fundos, penetrando na rocha como um bólido, produzindo uma explosão e um túnel irregular enquanto uma força invisível o arrasta para as entranhas da rocha. Teria sido Rayearth, melhor amiga de Diana e metahumana que controla o elemento terra? Enquanto pensa nesta pergunta, Dupret cai de joelhos, a tempo de ver um par de botas passar por ela em direção ao buraco na parede por onde o vilão saiu. É Walter, seus músculos retesados no esforço de concentrar-se em atacar o poderoso Pluguer. A força da gravidade tremendamente amplificada havia feito aquilo com o vilão. E Walter retorna, rápido, e se atira de joelhos ao lado de Diana, tomando-a nos braços, passional, enquanto fala:

_ Deus do céu, Diana, você está bem? O que este desgraçado tanto quer com você? Como ele entrou aqui? O que estavam discutindo? Eu fiquei sem comunicação contigo e vim assim que percebi esse fato! E encontro aquele pulha tentando atacar você!

_ Eu... Estou bem... Cansada, mas bem... E não vou conseguir responder metade das perguntas que me fez, gato... Não dê as costas desse jeito ao túnel por onde aquele merda do Pluguer saiu! Ele vai voltar!!

_ Não se preocupe tanto. Se ele quiser voltar, terá mais trabalho dessa vez. Acabo de acionar os sistemas de defesa contra intrusos metahumanos da base. Toda a estrutura da base está isolada por uma grade de Faraday amplificada, que impede a passagem de corpos energizados. Para entrar, ele terá que descarregar totalmente sua eletricidade lá fora.

_ Porra, Wal, e porque isso não estava ligado antes, cacete?!?

_ Puxa muita energia. Era por isso que precisávamos do H-3 funcionando. Mas desviei o reator do Laboratório para suprir este sistema enquanto conserto o H-3. Mas agora vou levá-la à enfermaria, querida.

_ Depois que colocar aquela maldita placa de circuito prá funcionar!

_ Mas, Diana...

_ Depois da porra da placa, Wal! Depois! Quero esse reator H-3 funcionando agora!!

E foi o que fizeram. Outros imprevistos aconteceram, mas em menos de meia hora o reator de fusão estava operacional, enviando a energia que gera para as unidades de segurança da base. A dupla de cientistas tinha fama de trabalhar muito bem em conjunto. E trabalharam rápido no H-3, mesmo com a estranha sensação de estarem sendo observados pelo inimigo, o que era um sentimento plenamente justificado, já que por mais de quinze minutos Pluguer permaneceu próximo, bem no limiar do campo energético que protege a base, observando Diana trabalhar, através dos elétrons desprendidos pelo corpo da moça. O vilão, quando deu por realizado o que veio fazer ali, sorriu sem alterar a expressão de seus olhos glaciais, e seguiu seu caminho.

...

Duas horas depois Walter acompanhava carinhosamente uma dengosa Diana para fora da ala da enfermaria. Com várias escoriações, seu corpo metahumano ainda levaria algum tempo para cicatrizar as contusões, mesmo sendo sua cicatrização brutalmente mais rápida que a de um ser humano normal. Pensando nisso, o sorriso de Walter se desfez na sombra taciturna de um semblante preocupado. Ele amava tanto aquela garota, e sabia que, sendo ela quase que uma força da natureza, de tão aguerrida, teria que conviver com aquele tipo de seqüela dos combates em que ela se envolvia. Walter é o tipo de homem que valoriza sobremaneira a inteligência acima de ações instintivas, mas naquele momento tinha que fazer uma força brutal para não odiar com toda a força de seu coração aquele Pluguer, que tinha tido a capacidade de ferir sua Diana daquele jeito tão covarde. Não que Walter fosse inocente o suficiente para acreditar que Dupret fosse inofensiva, mas ainda assim repudiava o canalha que havia ferido sua amada.

Embora jovem, aos vinte e nove anos, Walter, ou melhor, o metahumano Neutron, é um homem concentrado e profissional, e ainda que esconda dentro de si um rapaz brincalhão e irônico, anda cada dia mais tenso com o tipo de mundo onde ele próprio e sua namorada foram atirados. De um tranqüilo par de estudiosos em um laboratório de física de altas energias na França, onde punham em prática os conhecimentos adquiridos no Brasil, o país de origem de ambos, eles foram inseridos no violento e insensato mundo do combates entre meta-humanos. Parece que ontem ele só se preocupava com sua carreira acadêmica e em como conquistar a garota mais fantástica que conheceu em toda a sua vida, Diana, e hoje tem que se preocupar com o destino de toda a humanidade, e, ainda por cima, imaginar como impedir que seus novos amigos, conhecidos dentre as fileira dos Remanescentes, morram durante as lutas encarniçadas com os inimigos, sendo os piores dentre estes conhecidos como Arautos.

Walter, certa vez, em um exercício de imaginação, comparou o que hoje em dia se chama de herói e seu habitat socio-cultural-econômico com o que na fantasia de livros, jogos e quadrinhos que leu em sua adolescência se costumava chamar de “super-herói”. A conclusão a que chegou foi a de que algum evento ou força está interferindo nos processos de entropia e probabilísticos, de modo a permitir que surjam situações aberrantes, do ponto de vista da física, que geram seres superpoderosos, mas estes seres em quase nada se parecem com os heróis clássicos. Na realidade, são as provas vivas do terrível potencial de corrupção que o poder absoluto tem sobre a alma humana. Seu raciocínio lógico o leva a conclusão de que é apenas uma questão de tempo para que se inicie uma guerra de grandes proporções entre os governos da Terra e os poderosos meta-humanos. E no meio dessa guerra, a mulher que ele mais ama neste mundo, com um alvo virtual bem sobre o peito...

_ O que foi, Wal? Ficou triste...

_ Me preocupo com você, Diana.

_ Eu sei me virar, cara. Sério... Não se preocupe demais comigo, eu sou encrenqueira demais. _ Ela toma o braço forte do namorado, e pressiona seu corpo contra o dele, exibindo para Walter um sorriso luminoso e franco. Ele engole em seco. Ela está linda, incrivelmente linda, em seu jeito de moleca, menina-mulher-sensual.

_ Pois é exatamente por esta razão, Di... Tenho medo de perdê-la. _ E ele baixa o olhar por um momento, enquanto ela pousa a mão pequena e delicada sobre a face de Neutron, e acaricia seu rosto de um moreno claro. Como ele não parecesse se animar com a carícia no rosto, Diana percorre o cabelo negro de Walter com seus dedos. Após segundos de carícias delicadas, ela diz:

_ Não constrói um fantasma prá você, Wal. Se passar o resto da vida assim, triste a fechadão, vamos acabar nos separando. Sinto tanta falta de seu riso gostoso, de seu bom-humor. O que houve com você, que parece estar secando, esfriando... ?

_ Preocupação, Diana... É muito diferente lidar com “quarks” ou com vidas humanas. Eu poderia lidar mais facilmente com o fato de uma vez ou outra você se arriscar em alguma experiência com material nuclear, mas lidar com o fato de ter a pessoa que mais amo envolvida em escaramuças violentas com loucos como Pluguer... Poxa, isso é barra!

_ Confie em mim. Eu sei me virar.

_ Todos os dias, quando sinto que já amanheceu, abro os olhos e penso que pode ser o último dia para este planeta. Sei que você tem idéia de todo o potencial destrutivo armazenado nas células de cada meta-humano que vive neste mundo. Tenho feito estudos de impacto social, simulando a crescente influência de meta-humanos na sociedade humana em DigBy, o computador da base, e tenho obtido previsões assustadoras sobre o tema. Se não houver uma assimilação rápida dos humanos pelos meta-humanos, o que significa uma forma no mínimo branda de escravidão, a tendência do surgimento de um conflito mundial é altíssima. Eu tento, mas é difícil fechar os olhos para isso. Em algum momento de nosso futuro próximo, as tensões sociais em torno dos meta-humanos se tornarão tão evidentes, que a deflagração de um conflito final poderá ocorrer... Eu não quero participar de nenhuma carnificina estúpida... Nem quero perdê-la desse jeito, Diana. Entende porque tenho cada vez menos ânimo?

_ Você confia demais em números, carinha. Realmente entendo que este mundo parece que não estava preparado para essa “guerrilha meta-humana”, mas a sociedade parece que está suportando. E nós estamos fazendo a parada certa, defendendo a estrutura social e as pessoas inocentes, humanas ou meta-humanas. Eu nem de longe posso ser chamada de heroína, mas não pretendo deixar que sacaneiem quem não pode se defender, sacou?

_ Mas até quando nossas intenções são as melhores, acabamos ferindo inocentes...

_ Pô, nós não estamos pedindo prá lutar, Wal. E isso aqui é o mundo real. Pessoas se machucam em guerras. Eu disse isso prá Rayearth dia desses: não pedimos esta guerra, mas quando entramos nela, aceitamos que é uma guerra, e que estamos fazendo o melhor que podemos pela vida e liberdade das pessoas. Se não estivéssemos aqui, mesmo cometendo erros, muitas outras pessoas estariam sofrendo. Nós evitamos muito mais sofrimento do que causamos. E ajudamos a preservar a liberdade das pessoas. E isso é muito legal!

_ Eu também acho bom, se não achasse, não estaria dando o melhor de mim para organizar esta base, os acordos financeiros com instituições investidoras, parceria com governos, enfim, dando uma chance de que todos nós possamos realmente fazer o melhor por este mundo. Mas tenho consciência de que em um mundo onde existe, além de um desequilíbrio social tão imenso entre pobres e ricos, um desequilíbrio ainda maior entre humanos e meta-humanos... Como diria você, Di, isso só pode acabar em merda! E se tudo que nós fizermos não der em nada, o que vai adiantar tanta dedicação a isso? Porque não largamos tudo e voltamos a alguma universidade e às nossas carreiras? Eu adoraria, juro, largar tudo isso e viver uma vida tranqüila e normal com você, minha linda.

E Walter diz a última palavra como um suspiro apaixonado, e sorri. O sorriso do qual Diana sentia falta, muito embora tivesse ainda uma pitada de desânimo, era o simples, bonito e inocente sorriso do homem que ela ama. Ela toma a mãos grandes de Walter entre as suas, pequeninas, e as acaricia, observando-as. Ela sabe que, muito embora digam que Neutron é um herói pouco aguerrido, mais intelectual que guerreiro, é em suas mãos que ela se sente mais livre, mais segura, mais querida, desejada, mais feliz. Nessas mãos ela é humana, frágil, menina, mulher, princesa e rainha. Ela ergue a própria mão direita e acaricia o largo peito de Walter, enquanto diz:

_ Eu queria poder fazer esse coração ficar feliz assim, em um passe de mágica. Mas não posso. Sei que você tá certo, meu querido, que esse mundo talvez não tenha amanhã. E eu também adoraria ter uma vida mais simples, e curti-la todinha com você. Trabalhar em nossos projetos, ganhar um monte de dinheiro com isso, e gastar esse dinheiro todo em maravilhosas farras, viagens, delícias, eu e você, Wal. Mas a questão é que agora não tem volta. Desistir de tudo agora seria permitir que um monte de gente inocente que conhecemos fosse pro brejo! Seria permitir que canalhas como o Pluguer machuquem um monte de gente que amamos! Seria covardia, pô.

Walter olha fixamente para a moça. Por um segundo ele parece insultado, mas logo depois sua expressão abranda e ele meneia a cabeça positivamente. Ele sabe que esse mundo de super-poderes virou uma roda-viva sem fim, e que agora já não pode recuar, pois o outro lado é cego e egocêntrico demais para recuar e pensar no que é melhor para todos, inclusive eles próprios. No fim, mesmo no caos, para este homem pelo menos, a razão deve prevalecer.

_ Você tem razão, Di.... Mas...

_ Mas? _ Faz ela, enquanto beija o canto da boca do rapaz, ignorando o próprio lábio que ainda lateja de dor.

_ Estou tão cansado, Diana. Tão imensamente cansado disso tudo.

Ela para de beijar e olha para ele, que tem uma expressão de fato exaurida. Dupret decide mandar a dor no lábio para o inferno, e entrega sua boca à do rapaz, em um beijo quente, suave mas cheio de ardor. E por um longo momento eles se beijam, e abraçam-se, e trocam delicadas carícias. Ao fim, sem descolarem as bocas sedentas de amor uma da outra, sorriem, e a moça diz:

_ Tive uma idéia: porque não aproveitamos que terminamos de inspecionar esta espelunca de Base Remanescente, e tiramos umas férias, uma semana ou menos, eu e você, pé na estrada, podemos ir para alguma cidadezinha acampar, ou nos divertirmos, sei lá _ E ela dá uma de suas risadas brilhantes e francas, que encantam o rapaz. Ela recomeça a beijá-lo, e entre um beijo e outro diz _ Imagina, Wal... Eu... E você... Em uma clareira, em um bosque... Uma manhã quente... A relva macia... Seus olhos nos meus...

Ele segura a nuca e o dorso da bela jovem, e a inclina cuidadosamente sobre a mesa de reuniões, na sala de monitoramento e administração da base, sem prestar atenção a nada mais, enquanto rouba dos lábios dela um beijo caloroso e apaixonado. Diana sabe. Isso quer dizer “sim”, e, sob o homem que ama, ela sorri, mais moleca do que nunca.

...

Segundo Dia:

_ DigBy, onde está a senhorita Diana?

> A senhorita Diana encontra-se no ginásio, exercitando-se, senhor Neutron.

_ Sabe dizer se o veículo que solicitei ficou pronto?

> Sim, desde as 5:15 desta manhã. Está aguardando no hangar, do outro lado do rio Iron, senhor.

_ Obrigado, DigBy.

> Não há necessidade de agradecer, eu sou um computador, senhor.

_ Mas é uma criatura inteligente, DigBy. Todas as criaturas merecem respeito, e as inteligentes merecem respeito e consideração. _ Disse o rapaz enquanto examinava uns documentos que tinha de assinar antes de sair para viajar com Diana, após o almoço.

O computador permanece em silêncio, enfrentando algum pequeno conflito interior, talvez. Walter ergue os olhos dos papéis e sorri. Está sozinho na sala de controle. Ele e Diana muitas vezes pareciam os únicos habitantes daquela base, fora o próprio DigBy, pois até mesmo o grupo de beldades masculinas que a arteira Diana havia contratado foi drasticamente reduzido por Neutron, em benefício de “uma melhor concentração da parte feminina da equipe, e do senhor Evans”, segundo palavras do próprio Walter, fazendo referência ao diretor da TV a cabo que mantinha a maior parte das despesas da base, um homem de hábitos delicados, alma sensível e assumida.

Neutron ainda lembra da surpresa ao descobrir que toda a equipe de auxiliares da base era formada por modelos. Surpresa até para a própria Diana. Explico: a pouco tempo os Remanescentes enfrentaram a maior de todas as ameaças contra a qual lutaram até hoje, um metahumano capaz de alterar a realidade, com potência capaz de atingir todo o planeta. Pois, após uma apavorante batalha, o grupo Remanescente derrotou esse metahumano maligno chamado Seven, e restaurou a realidade, mas não sem que houvessem seqüelas, e a pior delas o fato de que nesta “nova realidade” algumas coisas estão alteradas, como se os Remanescentes tivessem tomado o lugar e, as vezes até, os corpos de outros Remanescentes que aqui existiam. Alguns, como Rayearth, sofreram mudanças físicas perceptíveis. Bastante perceptíveis, na opinião de Neutron, já que a moça, com todo o respeito devido a amizade entre eles, estava muito mais bonita e atraente.

Bem, o caso é que diversas atitudes, diversas decisões foram tomadas por eles das quais nada se lembram. Uma delas é quanto a equipe de apoio da base. Ao que parece Neutron teria deixado a incumbência de contratar a tal equipe para Diana, Rayearth e, inacreditável que ele pudesse ser tão descuidado, à Virna, que é uma mistura de mulher fatal e sensualidade inocente do grupo. Virna é capaz de controlar a luz, mas sofre de uma condição psicológica que, na ausência da luz, a torna uma explosiva e sensualíssima deusa da sedução com seu metro e oitenta, corpo torneado e cabeleira loira. Bem, o caso é que este trio de garotas parece ter escolhido a dedo os auxiliares da base... Em uma agência de modelos. Walter acreditava que aquele tipo de traquinagem estaria caindo como uma luva para a sapeca da Diana, e para a quentíssima amiga Virna, mas Rayearth... Ele ficou assombrado. Ao que parece a Rayearth que ali existia era ligeiramente mais parecida com sua segunda personalidade (sim, ela sofre de dupla personalidade), Gaia, ou seja, mais sensual, e menos recatada como o é a Rayearth que ele conhece. Só sobrou para Neutron a decisão de reduzir drasticamente o número de rapazes bonitos na base. E de moças também, pois, a bem da verdade, haviam tantas beldades femininas na base quanto modelos masculinos. Diana, como ele esperava que fizesse, não deu a mínima para a redução de pessoal. Virna ficou encenando uma preocupação exagerada com os “desempregados”. E, por fim, Rayearth não expressou opinião, mas Neutron pode ver em seus olhos uma sombra de desânimo quando soube da notícia.

Com um suspiro divertido, Walter retorna as suas atividades. Mas pouco depois seu rosto torna a assumir um ar preocupado. Lembrou-se da principal alteração sofrida pelo grupo Remanescente ao voltar da batalha contra Seven, e pensou no quão inocente era essa alteração, e se deviam ou não comunicar-lhe o fato de que nenhum deles sabe sequer quem ela é, pois ela não existia antes...

...

A jovem Mirelle, uma francesinha de cerca de treze anos de idade, roendo desapercebida a unha do indicador da mão direita, olha pela porta do ginásio da base. Tentou dar àquela olhadela um ar casual, sem o menor sucesso. Estava querendo encontrar Impacto e foi encontrada por ela, quando enfiou a cabeça através da porta, pela segunda vez, e olhou, ansiosa, de um lado para o outro, acabou por dar de cara com Diana, que olhava para ela com um misto de curiosidade, divertimento e desdém, enquanto exercitava suas já fortes pernas em uma máquina de musculação. Dupret percebe imediatamente que a menina procura exatamente por ela, isso fica claro quando Impacto da um pequeno sorriso e ergue a delineada e angulosa sobrancelha, numa expressão que acaba aumentando sua aparência arrogante naquele momento.

Mirelle recua, ruborizada. Sua pele muito alva e seus olhos muito azuis só acentuavam quando sua bochechas avermelhavam-se de vergonha, o que, de acordo com sua personalidade tímida, ocorria com muito mais freqüência do que ela gostaria. Mas, sem saída, a menina tomou coragem de um só fôlego, e entrou na sala de musculação, tomando o máximo de cuidado para se mover como um ser humano normal, pois seu dom metahumano é a velocidade. Capaz de correr muito mais rápido que o mais rápido dos carros, quase tão rápido quanto um avião a jato, a garota ainda estava muito longe de dominar sua capacidade de velocista, e, se não tomasse cuidado, passava vexames a toda hora, desatando a correr e derrubando tudo pela frente. Sua invulnerabilidade parcial, que a protegia de ferimentos enquanto corria, era letal para paredes, móveis, objetos, e pessoas incautas que teimavam em ficar em seu caminho. Desta vez, porém, conseguiu apenas caminhar.

_ Como vai, senhorrita Dian’a? _ pergunta, com seu sotaque muito carregado, sorrindo meio sem graça _ Esperro que possamos converrsar agorr’?

Diana ergue agora as duas sobrancelhas, enquanto fita Mirelle sorrindo amplamente. A menina admira Diana por estar tão bem disposta e exercitando-se mesmo ferida. O rosto de Impacto ainda exibe a lembranças de seu último encontro com Pluguer: uma leve mancha roxa no olho e o lábio superior, no canto esquerdo, levemente inchado, roxo e ferido. A francesa ficava impressionada como, mesmo assim machucada, Dupret ainda era uma mulher muito bonita. Elas eram praticamente da mesma altura, Mirelle muito em breve parecia que ia ultrapassar facilmente a outra em estatura, mas a menina tinha a impressão que Diana estava sempre mais alta, não sabia bem o porquê, talvez pela emanação de força que vinha dela. Achava Impacto bela, imponente e forte, a delicada francesinha.

_ Podemos falar quando quiser, menina! Só não vou parar de me exercitar para falar com você, se quiser, falamos aqui. _ Diz Impacto, aumentando mais um pouco a velocidade do exercício.

_ É que a senhorrita me disse, a un mês, que estava... Ocupada... Essa foi a palavrra que usou, clarro...

_ Hum, cê sabe que a gente está com uns probleminhas de memória depois da luta com o Seven, não é?

_ Sin, monsieur Neutrrôn me falou sobrre isso... Ele disse que falarriamos mais sobrre isso em brreve.

_ Pois é. Não consigo me lembrar de ter sido tão chata com você, gata. Mas, vá lá, desculpe. Falemos agora, que tal? Está a fim de ir para o ringue comigo?

A menina arregala os olhos e parece assustar-se, enquanto diz:

_ Ringue?! Não! Eu não querro Brigarr! Você me matarria, senhorrita!!

_ Nãoo, só queria que segurasse o saco de areia prá mim, eu... Ah, deixa prá lá. Você realmente não tem carinha de quem ficaria bem em cima de um ringue de boxe. _ Diana levanta da máquina, e ajeita sua bermuda de lycra que havia subido até quase se transformar em um short. Mirelle ficou imaginando como impressionaria os rapazes se, ao invés de suas esquias pernas, possuísse um par de coxas grossas, fortes, sensuais e torneadas como as de Diana. Principalmente um certo rapaz que queria muito, de todo o coração, impressionar. Alheia a idolatria juvenil da outra, Dupret continua _ Bem, que tal então a aula de aeróbica? Sabe, eu gosto disso aqui porque parece um “shopping”, tem de tudo!

Diana dá uma piscadela para menina, e indica com a cabeça a sala espelhada onde ocorreria, em minutos, a aula de aeróbica. Um pequeno grupo de mulheres e homens, principalmente o pessoal auxiliar da base que pegaria no turno da tarde, aproveitavam para exercitarem-se pela manhã.

_ Você respira, Mirelle? _ pergunta Diana a queima roupa, enquanto caminham juntas para a ginástica.

_ Clarro! _ Responde a menina de supetão, aparentemente levando a pergunta muito a sério.

_ Ok, aeróbica é bem legal prá quem respira.

_ Mas... A senhorrita não...?

_ Oi Tony? _ Diana acena para Evans, que em um traje todo em material colante, em tom azul com frisos rajados em rosa, ostenta um enorme símbolo da Nike no peito.

_ Oh, olá Impacto! Prá quê que uma mulher com sua forminha tão gostosa precisa vir aqui fazer ginástica, linda?

_ Grande Tony! Aposto que tem um monte de mulher louquinha por você por aí!

_ Tem, mas deixa elas lá só admirando de longe! _ E ele sorri, matreiro e dá uma piscadela. É quando percebe a menina logo atrás de Diana, e continua no mesmo fôlego _ Olá, olá, menina Pulsar! Você também, magérrima desse jeito, precisa de ginástica não, bem. Corpinho de modelo de passarela.

Mirelle, cujo nome de metahumana é, de fato, Pulsar, leva a mão ao rosto, e sorri delicadamente para Tony Evans, enquanto agradece muito gentilmente. Ela acha o diretor da TV a cabo uma gracinha de pessoa. Simpatiza pela pessoa dele graciosamente. E é mesmo uma simpatia gratuita, pois, mesmo possuidor de um dom metahumano capaz de influenciar a psique e as emoções das pessoas de forma favorável a ele mesmo, não utilizou seus poderes em Mirelle, ela simpatiza naturalmente com o radiante e colorido Evans.

_ Aí, Tony, homenagem prá você _ Grita o professor, que já se posiciona no tablado e, via controle remoto inicia a música, “I am the body beutiful” com Salt-N-Pepa. _ Hoje é prá aprender a mexer as cadeiras e deixar o parceiro louco na cama, falou galera?!?

Todos gritam aprovações animadas, inclusive Evans, que de fato adora a música de paixão. Diana dá uma gargalhada e inicia os movimentos sinuosos de cintura, imitando o professor. Ao perceber que Mirelle está congelada, pega de surpresa pelo tema da ginástica, dá um tapinha no traseiro da menina e diz:

_ Solta essa franga, amiga! Como você pretende impressionar os rapazes se não aprender a mexer essa bunda, pô! _ e voltou a acompanhar os animados e sensuais movimentos do professor lá na frente.

Pulsar dá de ombros e tenta imitá-la, e acaba descobrindo que suas juntas ultra-flexíveis ajudam. Realmente ela é capaz de rebolar quase tão bem quanto os outros, e fica muito animada com isso. Impacto percebe isso, e sorri.

_ É isso aí, garota! Agora aproveita que está se divertindo _ fala Diana enquanto, ainda acompanhando o professor, corre ao lado de Mirelle, que por um segundo parece voltar a ficar insegura, mas retoma o controle. Elas batem fortes palmas no ritmo da música. Diana continua, sem parar _ E me fala o que queria. Aposto que animada desse jeito só vai me falar paradas legais!

Elas giram, e batem as palmas contra os quadris, socando o ar a frente, vezes seguidas, e ensaiam uma espécie de macarena apimentada, onde, após levar as mãos a parte de trás dos quadris, começam a descer o mais perto do chão possível, movimentando-se em sensual vai-e-vem, e voltando a subir.

_ Eu adorraria saber u’a coisa _ Diz a menina, sorrindo francamente, enquanto, sempre acompanhando os movimentos do professor, tal e qual Diana, desliza as mãos pelo rosto, colo, seios, barriga, até quase atingir a parte mais baixa e erógena do próprio corpo, então atira as mãos para frente, e puxa, em uma conhecido movimento de vai-e-vem _ é verrdade que a senhorrita...?

_ Me chama de Diana, falou? _ grita Diana, sobre as palmas de todos seguindo o ritmo da música.

_ Dian’a, ok, ok... A senh... Você é, mesm’ irmã do Reactor? _ Elas estão frente a frente agora, e colocam as mãos em garras felinas sobre o rosto, e por detrás das mãos de Diana, Pulsar vê quando ela estreita os olhos, como os de uma caçadora divertindo-se por ter pego sua presa onde queria. Pulsar fica ligeiramente desconcertada com aquele olhar penetrante.

Acompanhando a aula, elas se distanciam, e Mirelle engole em seco, sem parar de dançar, repetem a descida até o chão, a ondulação fortemente sexual do quadril, e voltam a se erguer.

Diana passa por ela, quando dois grupos de ginastas se cruzam, e num segundo, diz:

_ Você está afim do Marty, não está?

Isto é o suficiente para desconcertá-la totalmente. Ela perde o compasso, e se perde da turma, quando todos se contorcem para trás, preparando um giro sobre o próprio eixo. O professor grita um “roda, Mirelle!!” bem alto, tão forte que a menina apenas obedece, e gira, gira, gira, gira, cada vez mais rápido. Percebe que está girando feito um tufão quando as pessoas a sua volta, inclusive Diana, sorriem de olhos frisados diante da pequena ventania. Dupret grita algo que ela não entende, mas há tanta amizade franca na voz da outra, que Pulsar respira fundo, fecha os olhos e dobra o joelho, caindo sobre ele e batendo as mãos sobre a cabeça. Num segundo está parada no meio do salão, sendo aplaudida por todos, inclusive Diana, que coloca os dedos nos lábios, dá um assobio alto e estridente, e faz uma divertida careta de dor por causa do lábio machucado. Mirelle olha a sua volta, mas, para todos os efeitos de amizade e segurança, Diana parece brilhar no meio de todos, pelo menos para ela, apesar de a outra ter descoberto seu segredo tão facilmente.

O próprio professor ajuda a menina a se levantar, e todos se aplaudem mutuamente. É o fim, meio que espetacular, da aula daquele turno de aeróbica. O professor, um homem negro de sorriso simpático e cabelo compridos rastafari, presos na nuca, chamado Cassin, aperta as mãos de todos, com muita simpatia, e agradece a Diana por ter participado da aula hoje, dizendo que ela vai “deixar o Neutron maluquinho daquele jeito”, ela responde com uma risada divertida. Já para Pulsar ele guarda um forte sinal de positivo, com ambos os polegares para cima, enquanto sorri para a menina. Tony, que havia dado um show a parte, recebe suas congratulações, e quando Cassin lhe dá as costas, Evans olha para Diana e Pulsar, e move os lábios sem falar, articulando a frase “ele é demais!!!”. Ambas riem da expressão de Tony. A menina leva a mão ao ombro de Diana, e fala:

_ Como a senh... Como sabia, Dian’a?

_ Sobre você estar apaixonada pelo Reator? Ah, qualé, Pulsar!

_ Carramba, porr favorr... Eu sou apaixonada porr ele desde que tinha uns onze anos...

_ A muito tempo atrás, com certeza _ Diz Impacto, em um tom de gracejo.

_ Ah, parra, Dian’a!! É sérrio!

_ Ok _ e Diana agora caminha com ela até o carrinho de toalhas limpas, tira uma delas para secar o rosto _ Pode falar, na boa, sem gozação. Sei que é sério estar a fim de algum carinha. Falaí, tô te ouvindo.

Elas caminham até o banheiro feminino, despem-se, e entram em boxes de chuveiros quentes, um ao lado do outro, para continuarem a conversa. Enquanto isso Pulsar descreve para Diana como ficou conhecendo o herói “Reactor” através de uma revista sobre meta-humanos (na época ela nem sabia que era meta-humana também) e como o achou imediatamente lindo. Depois seguiu a “carreira” dele como pode, juntando recortes de jornais e revistas, e fundando alguns pequenos fã-clubes na Internet sobre ele. Uma verdadeira fanática pelo tema. Quando sabia que os Remanescentes estavam na Europa, ficava louca para ir até eles, e vê-lo de perto, seu herói “Reactor”, mas seus pais proibiam terminantemente. Uma história previsível de fã apaixonada, pensa Diana, não fosse ela prima de um dos heróis mais respeitados da França, o extraordinário piloto de quase tudo, Michael Vailiant, integrante dos Remanescente como representante Francês. Aí, um belo dia, ela descobre que é meta-humana quando destrói quase toda a plantação do vilarejo onde morava ao disparar correndo feito louca no meio das videiras, esmigalhando preciosas uvas, e sendo enviada por seu tio, prefeito da cidade, para que Vailiant a ajudasse a desenvolver e controlar seus dons. Diana ouve atentamente, e aposta consigo mesma que Mirelle desmaiou quando soube que viria para a Base Remanescente.

_ ... Aí, Dian’a, eu perrdi o fôlego e quas’e desmaiei, quando o prrimo Vailiant me disse que eu seria estagiárria aqui entre vocês. Magnifique!! Magnifique!!... Mas você não me respondeu, é mesm’ irmã do Marty? Porrque se for, eu querria saberr o que você acha de min, se... Bem, Dian’a, se você acha que eu posso serr uma garrot’a legal para seu irmão? Quer dizerr, quer dizerr, se você apoiarria se eu... Se ele... Se nós dois...

_ Mirelle!

A menina olha para cima e dá de cara com Diana, flutuando com seu poder de vôo, com os braços cruzados em frente aos seios nus, sobre a divisória entre os boxes, os cabelos molhados caindo em mechas sobre o rosto, e a expressão tremendamente séria. Impacto prosseguiu:

_ Não sei se você tá sabendo, mas tá rolando um super-clima entre o Marty e a Rayearth. E eu estou dando a maior força para os dois. Desculpe. Não tem nada haver contigo, gata, você é uma menina linda, com certeza um carinha como o Reator adoraria namorar uma moça doce e gracinha feito você, mas cê deu azar e chegou tarde, falou? Desculpe, mas verdade é verdade, e ele tá em outra.

Contundente como sempre, Diana nem quis saber da reação da moça, que, para seu desespero, foi a pior possível. Mirelle ficou rígida por um segundo, e logo depois começou a chorar, sentida, de forma sofrida e intensa. Colocou a duas mão sobre o rosto, e começou a soluçar sob o chuveiro.

_ Ah, qualé, Mirelle, eu só estou tentando poupar você de uma decepção, menina! _ Fez Diana, já ficando exasperada com o estado de Pulsar. Dupret saiu rápida do boxe, e vestiu o roupão que lhe cabia. Ajudou a menina a sair do boxe e vestir também um roupão, e, esfregando as costas da outra com uma das mãos, Diana prosseguiu _ Sei que é dureza, gata, mas eu pelo menos prefiro a verdade. A coisa tá séria entre o Marty e a Rayearth, acho que você não tem a mínima chance...

Mirelle para de chorar, frisa os olhos e fica observando Diana, como se estivesse olhando alguém muito longe, e, com um soluço, recomeça a chorar, de forma ainda mais sentida, e dispara pela porta do banheiro feminino, como um jato. Impacto assusta-se, pois mal pode ver o vulto da menina saindo pela porta, e, com a expressão recoberta de fúria, zangada consigo mesma e com sua falta de tato com a menina, e também irritada com a excessiva sensibilidade de Pulsar, Diana solta um palavrão, e dispara a correr por dentro do ginásio, em seu pequeno roupão, atrás da menina, pensando que um dia Pulsar teria que parar, e nesse dia, Mirelle teria que escutá-la.

O professor Cassin acompanha, extremamente atraído pela cena, a metahumana Impacto correndo, em trajes mínimos, pelo meio do salão, saltando sobre pranchas de abdominal, aparelhos de musculação, e pessoas assustadas. A moça passa por ele, ainda correndo, mas percebe, de canto de olho, a fingida cara de desaprovação de Cassin, e de um pulo, volta atrás, girando no próprio eixo, dizendo com um sorriso peralta:

_ Ok, desculpe professor, mas magoei uma pessoa, e tenho que correr para me redimir. Tchau, beijo, fui!

E desatou a correr de novo atrás da menina Pulsar. Cassin acompanha a moça em sua desabalada correria, e justifica-se consigo mesmo, pensando que seu olhar fixo nos quadris de Diana são apenas uma “análise profissional do desempenho muscular da moça”. Mas seu sorriso dizia outra coisa, e foi sorrindo assim que ele virou o rosto e deu de cara com Tony Evans, que repuxou reprovadoramente o canto da boca e soltou um “tisc, tisc, tisc”, ao que Cassin responde:

_ Ai, ai, Evans, de vez em quando a gente dá vontade de provar! Afinal de contas dizem que elas são tão maravilhosas, essas mulheres, né? Ah, Larga do meu pé, bobo!

...

Bastou um segundo para que Pulsar saísse do ginásio. Em um instante, Diana dava a ela uma notícia pavorosa: seu amado Reator já tinha “compromisso”, com outra metahumana daquela base! E no instante seguinte tudo a volta da menina tornou-se um borrão, e lá estava ela, ofegante no corredor próximo, não de cansaço, mas devido ao fato de seu dolorido coração adolescente estar partido. Como Impacto havia sido cruel, como ela pôde falar aquilo assim sem o menor cuidado?

Ela encostou-se na parede e levou a mão trêmula à testa. Pensava no que iria fazer, seria correto tentar se aproximar do rapaz sabendo que ele estava interessado em outra? Ela achava que não, mas por outro lado, perder seu grande amor, sem lutar por ele, parecia tão... Tão... Tão covarde, tão fraco! Mas que chance tinha, se a garota que ele gosta é uma das mais bonitas remanescentes, a Rayearth. E pensou nos dois juntos, e desatou a soluçar novamente, em um chorinho sofrido. Foi quando Diana atravessou a soleira da porta do ginásio correndo, e quase trombou com a parede oposta, parando, e olhando Mirelle com uma expressão de angustiada confusão, na verdade Dupret não sabia como acalmar a menina, mas sentia que devia tentar.

_ Mirelle, por favor... Desculpa, pô! Só tentei te poupar de descobrir isso enquanto levava um fora do Marty.

Pulsar é uma jovem de bom coração, e raramente guarda mágoa de quem quer que seja, ainda mais de Diana, que a poucos momentos a tinha feito se sentir forte e no controle de seus poderes. Ela esfrega o nariz, que já está bem avermelhado, e, diminuindo o choro, acena para a outra, e diz:

_ Tudo bien, Dian’a. Eu acabarria descobrrindo iss’ de um jeito ou de outrro... Mas é que é durro demais, você nem imagina!!

_ Eu já tive sua idade... _ Começa Dupret, calmamente.

_ Isso non é queston de idade!! Eu o amo, jurro por Deus!!

Diana suspira, quando o choro da menina parece tomar um novo fôlego e Mirelle se encolhe, em pranto silencioso. Dupret, meio sem saber como agir, passa o braço sobre os ombros da menina, e a abraça, enquanto ela força sua cabeça contra o ombro de Impacto e continua seu choro. E é justamente quando Diana começa um “Calma, amiga, calma, por favor...” que Neutron entra, pisca confuso, toca o ombro de Diana e diz, com todo o cuidado:

_ Pois então, a menina já sabe que antes de nossa luta com Seven ela não existia no Universo em que vivíamos? Sei que é difícil, mas obrigado por ter contato à ela...

Pulsar levanta bruscamente a cabeça do colo de Diana, e fita Neutron com uma expressão de incredulidade. Ela se desvencilha, meio atrapalhada, do abraço de Impacto, e dispara pelo corredor como uma bala. Diana ainda faz menção de seguí-la, mas desiste, leva as mãos à cintura, e se volta devagar para Neutron, balançando negativamente a cabeça. Quando está de frente para ele, olha para cima e encara Walter. Ele olha para ela, com uma impassível curiosidade no olhar, e ouve ela dizer:

_ Idiota!

_ Mas, ela parecia tão magoada, que pensei que tinha contado à ela que...

_ Isso, anuncie para a base toda que uma garota de coração partido não é ninguém!!

_ Diana! Isso é uma inverdade! Você, com seus conhecimentos de física, sabe que no Universo potencial dela, ela sempre existiu, e...

_ Cala a boca, Neutron!

Ela se vira e sai, andando calmamente, em direção ao alojamento da menina, enquanto é observada por um arrependido Walter, que só então percebe que ela só está vestida com um curto roupão.

_ Ei, Diana! Não deveria trocar de roupa primeiro? _ Ele pergunta em um grito contido.

_ Não! E se não parar de encher o saco, tiro tudo!

Ele faz que vai falar de novo. Para. Pesa as possibilidades de Diana realmente passear nua pela base. Balança a cabeça, e diz:

_ Está tudo pronto para a viagem! Por favor, Di...

_ Te encontro lá no hangar onde está o carro, em uma hora, seu linguarudo!

Ela olha para trás, e em seus olhos um brilho divertido brinca por instantes, então Diana lhe mostra, rapidamente, a língua, em uma careta debochada, e vira a esquina do corredor.

...

Super-Jovem estreita os olhos, quando, usando sua visão infravermelha, detecta Rayearth movendo-se junto a um penhasco escuro. Ele percebe que ela está confusa, pois não pode encontrá-lo. Todo o ambiente gerado na sala de treino da Base Remanescente é rochoso, e o próprio solo da sala foi removido para que Sandy, o nome civil de Rayearth, tivesse acesso à terra e pudesse usá-la em seu combate-treino contra Craig Job, o Super-Jovem.

Dotado de tremendas capacidades, dentre elas o vôo a velocidades altíssimas, a força sobre-humana, a quase invulnerabilidade de seu corpo, e a agilidade tremenda, Super-Jovem é um campeão em sua terra, o país chamado Brasil. O inusitado é que, por ter vivido até a bem pouco tempo tendo seu corpo fundido ao de um vilão extraterrestre, Craig viveu uma longa vida sem envelhecer, e possui hoje a idade cronológica de quarenta e cinco anos. Mas a separação de seu prisioneiro alienígena parece ter tido um efeito inesperado nele, pois ao que parece seu espírito revigorou-se, e ele ainda mantém, pelo menos por enquanto, a aparência e a personalidade que sempre teve, de um jovem e bonito rapaz louro, de pouco mais de dezoito anos.

Craig tenta advinhar o que vai pela mente da sua oponente: onde estará ele, eu não posso senti-lo. Porquê? Eu deveria poder senti-lo de longe em algum lugar deste local rochoso, mas não posso. Se ele estivesse voando, eu o veria, tem que estar no solo, e se está no solo, eu deveria poder senti-lo... E de fato era algo bastante similar que ia pela cabeça da jovem e bela metahumana. Mas Job havia sido engenhoso. Girando super-rapidamente, usou seu próprio corpo como uma broca, enquanto Rayearth se distraíra com um ataque de despiste, e encravou-se no tronco de uma árvore frondosa, observando a jovem “inimiga” por um conjunto de pequenas frestas na árvore.

Sandy, extremamente curiosa de como Craig havia conseguido se esconder daquele jeito, já começava a cogitar que ele tivesse saído da sala de treino. Ela resolve abandonar sua cobertura de sombras e rocha, e ergue uma coluna de pedra sob os próprios pés, de modo a atrair o oponente para um ataque frontal.

Craig sorri. Ela está se expondo. Será de propósito? É neste instante que a revigorante beleza da moça, pela qual sente sincera camaradagem, o distrai. Muitas coisas estranhas ocorreram na volta do combate com o infeliz do Seven, mas uma conseqüência bem legal havia sido a série de pequenas transformações que Sandy havia sofrido. Admirar uma mulher bonita, pensa Craig, mesmo quando não se tem maiores intenções com esta mulher, é muito prazeroso. E deu-se um momento para, sem faltar com o respeito para com a colega de equipe, admirá-la.

Rayearth usa seu uniforme padrão, com ombreiras rochosas, luvas e braçadeiras também em material rochoso e maleável, que recobre inclusive o busto da moça, o que lhe dá um aspecto recatadamente insinuante. A relativamente pequena saia pregueada da moça, que recobre uma curta bermuda de material colante, deixa à mostra suas pernas torneadas, de pele clara e suave, de modo que se possa vê-las de pouco acima do meio das coxas para baixo, até suas botas de couro em tom que combina com a rocha dos ombros, colo e busto. Ela, neste instante, dobra ligeiramente os joelhos, e inclina-se um átimo para a frente, de modo que seu corpo, mais anguloso agora, mais sinuoso e amadurecido do ponto de vista da sensualidade, criou um encantador contraste com seu rosto doce, seu olhar inocente e assustadiço, e seus cabelos de um castanho quase ruivo, descendo em cascatas de cachos brilhantes até pouco abaixo do ombro. Ela olha bruscamente para a direita, atraída por algum barulho ou movimento que passou despercebido por Super-Jovem naquele instante. Seus olhos arregalam-se um pouco, e ela morde, de uma maneira absolutamente feminina, o lábio inferior, visivelmente nervosa. Ela dá as costas para Craig, e este tenta recobrar a objetividade, pensando que esta é a hora ideal para pegá-la, imobilizá-la, e dar fim àquele combate. E teria sido, se ele tivesse se movido um segundo antes da árvore em que estava ser tragada por um sumidouro de terra deslizante, e ele descer, pego de surpresa, aos trambolhões, preso ainda à árvore, caindo no buraco de terra. Tudo a sua volta, na verdade, sacudiu e tremeu, com o som de um trovão abafado, enquanto, ali perto, ele ouvia Sandy gritando:

_ Filho da mãeee!!! Cadê você, seu miserável desgraçado?!?! Aparece, seu covarde de uma figa!!! Aparece, porra!! Tá com medo de me enfrentar, Super-Moleque!??!?? Vem, sai do seu buraco, seu rato, vem, vem, vemmmm!!!

“Gaia”, pensa Craig, enquanto usa sua super-força para empurrar uma grande lage de granito para cima, de modo que pudesse sair. Gaia é a outra personalidade, muito agressiva, de Rayearth, que havia assumido o controle do corpo e dos poderes da moça agora. Mesmo a pele praticamente invulnerável de Craig ardia diante das chicotadas de areia que levava, enquanto o sumidouro de terra e pedras se alargava. De um só pulo, usando sua capacidade de vôo, ele sai do buraco, e ao sair, leva um duríssimo golpe de um enorme punho de pedra, que o atira contra o penhasco onde havia localizado Rayearth a poucos instantes. Ele choca-se de costas, contra a rocha, e parte o penhasco ao meio, e este despenca em uma chuva de rochas sobre o rapaz. Em um segundo, uma pequena montanha repousa sobre Super-Jovem, como um grande túmulo de pedra.

Rayearth arfa profundamente, olhos ostentando fúria, dentes à mostra em sua boca atraentemente desenhada. Ela ergue ambas as mãos, e as leva, lentamente, até a cabeça, enquanto diz:

_ Peguei você, não foi? Você achou que era esperto, e se escondeu de mim em um lugar, aí eu fui mais esperta e destruí o lugar todo! Peguei... Peguei o super... Pe... Super? Craig??... Oh, Deus! Job!! _ Ela corre até onde Craig jaz caído, e começa a erguer as pedras, com rapidez mas cuidado, enquanto prossegue _ Caramba! Caramba! Cara, você está aí? Está muito ferido? Está bem? Fala comigo...

_ Estou bem _ Responde o jovem Remanescente, erguendo uma grande pedra com o ombro, como se ela fosse uma imitação de isopor, enquanto ele se levanta. A pedra cai de lado, e ele bate com as palmas da mão contra seu próprio uniforme, limpando a terra, e joga os cabelos louros para trás, enquanto seus olhos de um azul-esverdeado tomam um expressão brincalhona e ele emenda _ Não fique apavorada, Ray, estou bem. Quer dizer, a não ser meu orgulho que está arranhado, mas isso eu tiro de letra. Quer dizer, é a Rayearth que está aí agora, não é?

_ Sim... _ Faz ela, recolhendo-se um pouco dentro dos limites de sua timidez, enquanto a personalidade dominante é a de Sandy/Rayearth.

_ Quer continuar?

_ Não. Estou cansada, e quando Gaia te derrubou, aquilo... Me assustou bastante. Chega, ok?

_ Claro. _ Ele se vira, e olha para determinada direção, e ao fazê-lo, um sensor especial detecta a direção de seu olhar, e permite que ele veja, por trás da desvanecente projeção holográfica, a cabine de controle da sala de treino da Base Remanescente. Nos controles, um impassível Donovan, o humano com perícias de combate que o capacitam para enfrentar quase todos os tipos de meta-humanos, agente do governo dos EUA, designado como representante americano na Base Remanescente, frio e tremendamente concentrado, ele acena positivamente. Esteve monitorando tudo, inclusive a última conversa entre os contendores e acredita que será muito bom se o combate parar por ali. A jovem Rayearth está com seus sinais vitais extremamente elevados, e Super-Jovem muito desconcentrado na luta.

Donovan observa os dois metahumanos saírem juntos da sala de treino, e digita rapidamente no teclado de controle comandos de desativação. Era uma disparidade de situações curiosa, pensa absorto, embora seus instintos impecáveis rastreiem constantemente tudo a sua volta. Era curioso o fato de um homem que detestava os meta-humanos, até a bem pouco tempo, estar hoje servindo em uma base cheia deles, e estar até começando a respeitar uns e outros. Ele quase chega a sorrir diante da ironia que o destino preparou para ele, caso ele acreditasse em destino. Um homem que já tinha feito o impossível mais de uma vez, negava-se a acreditar que um caminho não pudesse ser mudado, mesmo que pela força, quando necessária.

Donovan inicia as rotinas que operam os braços robôs, e estes iniciam o processo rápido de retirada de escombros e reestruturação do piso da área de treino. Ele gosta daquele lugar. Donovan é o tipo raro de soldado que no fundo, de verdade, gosta de estar na zona de combate mas não é um paranóico assassino. Muito embora, este supersoldado tenha seus traumas, como o fato de ser um clone, feito a partir de um certo Donovan original. Mesmo com toda a sua capacidade de concentração, e seu profissionalismo exacerbado foi um golpe duro se descobrir a cópia de outro, saber que todo o seu passado não passou de ilusão implantada em sua cabeça, e que todas as glórias e bons combates, na verdade, pertenciam a outro homem. Aquele pensamento, por pouco, não foi capaz de destruir um homem que é capaz de lutar com os mais poderosos metahumanos deste mundo. Mas o tempo, bálsamo perfeito para a feridas do espírito de um guerreiro, tratou de mostrar a Donovan do que ele, e nenhum outro, é capaz. Ele mesmo construiu suas vitórias, e suas glórias. Lutou, sofreu perdas e venceu os maiores e piores, e está vivo hoje. Plenamente consciente que conquistou, com as próprias mãos, respeito e temor por parte de alguns dos mais poderosos seres deste mundo. Sentia orgulho disso.

“Mas o orgulho nubla os sentidos de um soldado”, pensou, concentrando-se e espantando os outros pensamentos, quando um leve arrepio e um som quase inaudível lhe avisaram que alguém estava a ponto de abrir a porta. Passos leves, muito leves, mas agitados, param em frente a porta e hesitam. Ele não se vira, continua a digitar comandos no teclado principal, quando percebe que a porta se abre suavemente. Ele escurece a sala de treino, e imediatamente vê, pelo reflexo nas janelas panorâmicas a sua frente, a imagem de uma menina, a jovem Mirelle, erguendo a cabeça e, aparentemente, assustando-se com a presença de Donovan.

_ Precisa de algo? _ Ele pergunta, monocórdio.

_ Eu... Pardon, pensei que as sessões de trreino tinhan acabado... Eu... Querria apenas... Ficarr só... _ E o homem confirma suas suspeitas, ao ouvir, a poucos instantes, a respiração difícil da jovem, antes mesmo de tê-la reconhecido. Ela está chorando. E ele pensa que o destino talvez esteja querendo se vingar dele, por Donovan não acreditar em predestinação, pois trouxe a pequena e sentida garota justamente para as mãos de um militar rígido. Ele suspira inaldivelmente, e termina de girar sua cadeira. A garota então prossegue, despedindo-se _ Eu... Pardon, monsieur, eu... Estou indo, não querro atrrapalhar seu serviç’...

Por um momento Donovan pensa em apenas deixá-la ir, e livrar-se da responsabilidade por ela. Ela que se virasse. E chegou a permitir que a menina se virasse, mas como ela ficasse parada na porta, sem seguir seu caminho, ele levantou-se, mas permaneceu a cerca de meio metro da menina. Ela abaixa a cabeça, e respira tão profundamente, que o soldado pensa que ela irá passar mal, e aproxima-se, hesitando com a mão estendida na direção da jovem, mas por fim pousa a mão grande e forte sobre o ombro dela, e diz, com a voz mais baixa, embora ainda sem emoção:

_ Eu... Posso ajudá-la?

Ela se vira e o abraça, chorando contra seu peito amplo e musculoso. Ele, pego de surpresa pela total fragilidade de sua "oponente", permanece por um longo instante com os braços abertos, enquanto torce a boca contrafeito, sentindo-se um peixe a milhares de quilômetros de um pingo sequer d’água. Mas, por fim, envolve a garota em um abraço mecânico, mas sincero. E a deixa chorar, chorar, tanto que pensou em conseguir-lhe um calmante, chegou a fazer menção de falar sobre isso com ela, mas, como ela soluçasse inconsolável contra seu peito, desistiu. Ele imagina, então, um leão consolando um cãozinho perdido e, sem sequer sorrir, achou a cena que imaginou pertinente e bastante engraçada.

Neste momento, claro, como era de se esperar, entram na sala Rayearth e Super-Jovem, conversando calmamente sobre a recente contenda entre ambos. E são os dois juntos que, espantados, param, procurando entender o que está acontecendo. Sandy parece se sair melhor no que tange a "entender antes de julgar", pois Craig vai logo dizendo:

_ Ahê, legal! Eu não sabia que vocês estavam namorando. Legal...

_ Cala a boca, Super... Ela é uma menina... _ Faz Rayearth num sussurro _ ... Quer dizer, pode não ser nada disso. Você não viu que a Pulsar está chorando?... É... Tudo bem, Mirelle?

Enquanto este rápido diálogo aconteceu, Donovan, sem deixar transparecer seu constrangimento ao ser pego daquele jeito com a jovem, com seu semblante pétreo, impassível como sempre, ficou apenas observando os outros dois, esperando eles firmarem suas posições para que ele pudesse colocá-los a par da situação. E, logo após o momento em que Sandy se dirigiu à Mirelle, e esta, após uma rápida olhada para a outra, afundou ainda mais o rosto contra o peito de Donovan, este finalmente diz:

_ Esta jovem entrou nesta sala visivelmente abalada. Estou tentando fazer ela me explicar o porquê de seu estado atual. Compreenderam?

Ambos acenaram positivamente ante ao tom grave como Donovan fez a pergunta ao final de seu relato. Sandy adiantou-se, honestamente preocupada com a jovem. Era uma experiência nova para ela, que assumira, faz tempo, que os outros Remanescentes a viam mais ou menos como a caçula do grupo, ter agora alguém ainda mais jovem com quem se preocupar. Rayearth está tremendamente insegura com seu novo "visual", pois ela percebe que os outros, especialmente os rapazes, olhavam para ela de um jeito... Diferente. Gaia, ao contrário, dizia em sua mente que estava achando o máximo ter ficado "gostosa e atraente da noite para o dia". Concentrar-se no problema de outra pessoa fazia Sandy esquecer um pouco sua própria insegurança.

_ Fale comigo, então, Mirelle... Por favor, eu gostaria muito de ajudar você com seu problema. _ Diz Sandy, tocando os cabelos da menina em um delicado e fraterno afago, ao qual Pulsar responde com um soluço miúdo, e afastando-se meio que bruscamente da mão da outra.

_ Eita, nós, que samba do crioulo doido, heim, galera?! _ Faz Diana, entrando pela porta, sacudindo a cabeça como se tivesse acabado de ver a cena mais irônica e hilária do mundo. E sorrindo, agitando as mãos como quem varre alguma coisa com elas, em tom de gracejo, completa _ Ai, Donovan, tira esse monte de músculos de cima da menina, senão ela sufoca, pô.

_ Ela quem me abraçou _ Diz Donovan, piscando os olhos por um instante, enquanto assimila o fato de Diana estar bem “pouco vestida”.

_ Imagino que foi. Estou brincando, Donovan... Uma piada, amigo... Ah, deixa prá lá. Mirelle, querida, podemos conversar, por favor?

A menina olha em direção de Dupret, mas não responde. Fica apenas olhando dela para Sandy, e de Sandy para Craig, e de volta para Diana. Enfim, parece perceber que está a beira de deixar o frio Donovan constrangido, e desagarra-se dele, deslizando as mãos sobre o próprio rosto encharcado de lágrimas, e depois esfregando as mãos úmidas contra a barriga. Após um momento de silêncio, ela diz:

_ Eu... Pardon... Desculpe... Estou apenas nerrvos’... Com todas estas mudanças porr aqui... Sim, Dian’, podemos converrsar se quiserr.. Sós...

Ao que Diana prontamente coloca os outros para sair, dizendo, em um sussurro, para Rayearth, que depois explica, e, aplicando um beijo no rosto de Craig, agradece a este por sair sem fazer perguntas, mesmo enquanto ele protesta e dispara um monte de perguntas sobre o que está acontecendo. O beijo o deixa ligeiramente mais macio, e era o que Diana esperava que acontecesse, pois, enquanto ele sorria brincalhão, ela o empurrou pela porta, por onde Sandy já havia saído elegantemente a pouco, e acionou o mecanismo de fechamento da mesma, dando um amistoso “tchauzinho” para Super-Jovem. Impacto se vira, e percebe que Donovan ainda está ali, qual estátua hercúlea, e percebe que precisa convencê-lo a sair. Ela cobre a boca com a mão, enquanto apóia o cotovelo desta mão ao outro braço cruzado próximo a própria cintura, e pensa que aquilo não vai ser fácil. “Fé, garota”, repete para si mesma, brincalhona, “fé removerá esta montanha...”

_ Ele pode ficarr... _ Diz Pulsar, muito timidamente e para alívio da outra _ Eu invadi isto aqui, enquanto monsieur Donovan trabalhava, non é justo... E ele é legal.

Diana sorri um sorriso largo ante a idéia de uma menina de treze anos achar Donovan legal. Ela própria o achava bem legal, um grande cara, um tremendo guerreiro, mas daí à jovem Mirelle achar ele “legal”, isso sim é que é evoluir no conceito de alguém. “Divertido”, pensa Diana, “divertido imaginar o lado sensível desta máquina de guerra que é Donovan”.

_ Pois é, o Donovan é bem legal. Mas, Mirelle, cá entre nós duas, desculpa, tá? Eu fui meio... “Na lata” contigo. Quer dizer, eu podia ter ido mais devagar, mas é que não sou especialista nisso. Desculpa, falou? Eu até admiro muito como você é capaz de lutar pelo que deseja, mas...

_ Eu entendi, Dian’, entendi... Eu que peço-lhe um monte de desculpas... Eu realmente fiquei muito trriste. Eu realmente _ e neste trecho ela dá uma olhada na direção de Donovan, e verifica que ele está atento aos painéis da sala de controle _ Eu realmente amo seu irmão. Tanto que chega a doerr meu peito. Eu me apaixonei porr ele desde o moment’ que o vi... Eu realmente achei que pudesse...

E ela, de forma muito sentida, abaixa a cabeça, de tal forma desconsolada e frágil, que Diana obrigou-se a pensar que não gosta de ver ninguém com o moral tão baixo assim. Em seus pensamentos, Dupret pediu todas as desculpas possíveis para sua muito querida amiga Sandy, pois não podia ver a menina Mirelle derrotada daquele jeito. Respirou fundo e disse:

_ Mirelle... Mirelle, Mirelle, Mirelle... O que que eu posso lhe dizer que não seja merda?... Olha, se você realmente o ama, não seria legal apenas desistir... Cacete! O Marty vai me matar, mas lá vai: lute pelo que você quer. Não seja uma derrotada assim, sem luta. Mas eu já te aviso, embora você seja uma menina muito bonita, e, pelo que vi, muito sensível e doce, e eu realmente acho que, se fossem outras as... Circunstâncias... Eu realmente acho que você e o Marty formariam um casal maneiro, já tô dando a maior força prá união dele com a Sandy faz uma data, sacou? Não vou mudar de opinião da noite pro dia, espero que você procure me entender.

_ Acha que eu deverria falar com ele sobrre o que sinto?

_ Claro! Vai fundo! Mas não se assuste assim tanto se ele... Te der um fora. Desculpe, mas é verdade.

_ Tudo bem. A-acho que querro tentarr falarr com Reactor... Mas non tenho coragem...

Neste instante, Donovan pigarreia, e, quando as duas olham para ele, diz:

_ Acredito que a melhor maneira de se tomar coragem para fazer algo, é treinar para isso. _ E aponta para o centro do salão de treino. Lá, acenando, está Marty, em seu uniforme de Reator, recoberto por uma miríade de feixes de circuitos impressos em tons de cinza e com microscópicos detalhes em prata que lhe dão uma aparência futurista.

_ Mon Dieu! _ Espanta-se Mirelle _ Ele esteve lá o tempo todo?!?

_ Não, menina. Eu o simulei com o sistema holográfico-sensorial da sala de treinamento. O computador está extrapolando a personalidade e as reações de Reator baseando-se nas fichas de análise pisicobiométricas da base.

Diana se aproxima da janela de observação, acenando para a perfeita simulação de seu fraterno amigo Marty, e esta lhe devolve o aceno, da exata forma jovial e malandra que faria o verdadeiro Marty. Ela olha para Donovan, enquanto se apoia no ombro dele, sorri e diz:

_ Don, você arrebentou, cara! Dez a simulação, rapaz, maneiríssima. Valeu! _ E estala um beijo no rosto anguloso de Donovan. Virando-se para Pulsar, Impacto completa _ Vai lá, garota! Uma vez li uma parada que dizia que a gente deveria ter duas vidas, uma prá ensaiar e outra prá viver de verdade. Você ganhou essa chance, aproveita!

A menina sorri, tímida. Acena afirmativamente. Toma fôlego e vai até a sala de treino, através de uma passagem que desce direto da sala de controle. Donovan permanece sentado, e Diana, brejeira, senta-se, meio moleca, meio jeitosa, para não dar vexame com o curto roupão, sobre uma parte lisa do painel de controle, ao lado de Donovan. Apóia um braço atrás de si mesma, em um monitor fixo do sistema, e o outro repousa sobre o as pernas cruzadas, inclinado-se de modo a observar Mirelle, que agora já chegava, correndo, até onde estava “Marty”. Dupret e Donovan assistiam, sem ouvir, por razões de ética, o “encontro virtual”.

_ Você é um cara legal mesmo, Don! _ Dispara Diana, sem olhar para o outro.

Donovan também não olha para ela quando responde, muito embora tenha sido uma surpresa para ele saber assim, de supetão, que ele era um “cara legal” para a Diana. Na verdade, se ele próprio usasse esse tipo de linguagem com mais freqüência, também afirmaria isso a respeito dela, pois, eis um dos segredos do soldado, ele nutria uma admiração razoável por aquela mulher de personalidade intensa, e com poderes incríveis e que, como ele, não hesitava em “puxar o gatilho” quando era preciso. Dizer que ele era imune a beleza de Impacto seria uma imbecilidade, ao contrário, ela era uma mulher muito atraente em sua opinião, mas o que mais admirava nela era a personalidade férrea, a capacidade de combate, e a guerreira nata que habitava aquele coração em chamas. Às vezes, ele se pegava pensando que soldado magnífico daria aquela mulher, se bem treinada. Mas naquele instante, ele sentiu um curioso prazer ao saber que Diana também gostava dele.

_ Obrigado. _ Foi a resposta fria que deu.

Lá em frente, a cerca de uns seis metros, “Marty” levava a mão esquerda ao ombro de Mirelle, que, de cabeça baixa, parecia falar algo. O “rapaz” a abraça, e ela repousa o rosto contra o ombro dele. Eles parecem conversar. Na sala de controle, Donovan vira o rosto cuidadosamente, e observa uma Diana extasiada com a fantástica simulação de seu amigo Marty feita por DigBy. Na verdade, ela sussurra algo como “maneeeeeirooo”, enquanto se inclinava e aguçava a visão, de modo a poder observar melhor, já que Donovan havia criado um ambiente com iluminação leve e difusa, algo como um bosque ao amanhecer.

E Donovan tinha uma expressão divertida nos olhos, e só neles, enquanto observava o entusiasmo de Dupret com a simulação de Marty, e como este “Reator” parecia estar, de seu jeito meio enrolado, tratando a menina Pulsar com consideração e carinho, muito embora parecesse que tinha deixado claro para ela que ainda não ia acontecer nada entre eles. É neste instante que o espírito pétreo do guerreiro vacila diante do coração fortemente masculino de Donovan, e ele desce os olhos por um instante, e observa, apenas por um segundo o generoso, embora não indecente decote do roupão de Diana. Pois, neste exato segundo, a moça olha direto para ele, girando rápida e inesperadamente a cabeça, enquanto diz que a simulação era “na faixa!”. Ela nota a direção do olhar de Donovan, que desvia os olhos tarde demais. Diana olha para baixo, põe a mão sobre o colo, e sorri, sem jeito. Desce do painel e ajeita o roupão, voltando a observar o jovem casal na sala de treino.

Mirelle abraça mais uma vez o “Marty virtual”, solta-o, e vem vindo. Passa pela sala de controle, beija Diana e Donovan, dá um pequeno sorriso, agradece, e diz que precisa pensar sozinha em seu próprio alojamento. Sai rápida como um lampejo de luz, e deixa os dois adultos para trás. Diana observa a porta com os olhos brilhantes, pensando na menina e em como tinha conseguido, com a ajuda de Donovan, deixá-la menos magoada e mais calma, e finalmente diz:

_ Bem legal o que você fez, Don. Acho que vai ajudá-la.

_ Eu... Prefiro que me chame de Donovan, Diana.

_ Ok, Donovan. Se você prefere assim, ta certo. Eu acho formal demais.

_ Eu prefiro assim.

Ela sorri, dá umas tapinhas no ombro do outro, que permanece sólido, mas constrangido, e vai caminhando para fora da sala. Ela dá uma olhada para trás, sobrancelha erguida. Sorri novamente, com o canto da boca, e se vai. Mas, pouco antes da bela jovem sair, a audição privilegiada e bem treinada de Donovan pôde captá-la dizendo, em um sussurro baixinho e em tom de constatação:

_ Frio é o cacete!

...

Walter, quando usou o aderente uniforme de Neutron pela primeira vez, não conseguiu fugir de um certo sentimento de ridículo, pois, afinal de contas, apesar de ser um jovem de muito boa aparência e, após adquirir seus dons metahumanos ter, sob todos os aspectos, melhorado sua condição física sensivelmente, sempre fora um rapaz tímido. Usar roupas colantes e exibir musculatura saliente era algo... Que lhe soava ridículo, mas as pessoas se habituam a tudo, e, como ele não era o único metahumano a usar roupas “esquisitas”, e, de fato, o uniforme aderente criava facilidades em vários aspectos (dificilmente se rasgava todo, não inibia movimentos, facilitava o vôo aerodinâmico, entre outras), Walter acabou por se acostumar ao sou “novo” estilo, tanto que agora, de camiseta pólo e bermuda, óculos escuros e tênis, pronto como estava para viajar com Diana, sentia-se de fato... Engraçado.

_ Tem certeza que tudo vai ficar bem, amigo? _ pergunta Walter ao primo de Pulsar, o francês Vailiant, na sala de controle da Base Remanescente. Ao que Michel Vailiant responde:

_ Mon ami, saia com sua bela e temperamental namorada e divirtam-se. Eu juro que sou perfeitamente capaz de cuidar da rotina da Base Remanescente... Pelo menos tenho a firme convicção de que sou, e isso já é alguma coisa, não? _ enquanto dizia isso, transitando entre o francês e o inglês com facilidade, Michel Vailiant esboça um sorriso charmoso, e dá a sua voz o tom exato para que o outro leve meio segundo para perceber que está brincando.

Walter fica olhando para Michel, durante este meio segundo, fazendo cara de franca confusão, mas logo transforma sua fisionomia em um largo sorriso. O tipo de sorriso que dá a Walter uma expressão de bom homem, que faz as pessoas confiarem nele, um sorriso honesto, de um companheiro com o qual se pode contar sempre.

_ Desculpe, meu amigo Michel. Eu apenas acho que esqueci o que é ter uma vida normal _ e estende a mão ao outro, que a pega em um aperto firme. Neutron continua, ainda sorrindo _ Sei que você é até mais competente que eu na administração disto aqui, cara. E pode contar sempre com a ajuda de Donovan. Só estou nervoso...

_ Se eu estivesse para fazer uma viagem dessas com uma mulher como Diana, também estaria nervoso...

_ O que é isso, Michel?! Diana só é meio encrenqueira, mas é uma mulher...

_ Muito atraente, se me permite. Foi neste sentido que falei, caro Walter. Se eu estivesse para fazer uma viagem a dois com uma mulher bela assim, também estaria nervoso. Eu também ia querer que tudo, absolutamente tudo fosse perfeito, e especialmente encantador para a dama.

Diante da sinceridade nas palavras do outro, Walter só pôde sorrir novamente e balançar a cabeça afirmativamente, concordando com o amigo. Ele aprendeu rapidamente a gostar do herói francês, que, embora fosse eficiente no combate, um exímio piloto, era ainda um divertido “bon vivant”, além de uma pessoa confiável e inteligente.

_ Você tem razão, Vailiant, tem a mais absoluta razão. Estou nervoso porque, depois que deixamos a França, é a primeira vez que vou... Sair com a minha garota, entende?

_ Completamente. Mulheres são criaturas maravilhosas, mágicas, elas são dotadas da capacidade eterna de nos surpreender. Não é possível ou honesto para um sujeito dizer que, ao sair como uma garota, mesmo depois de anos de experiência, ele não fique nem um pouco apreensivo. Mas vai dar tudo certo, Walter. Diana o ama intensamente, disso tenho certeza, tanto quanto você a ela, e você é um homem que tem qualidades que devem agradar muito as mulheres, suponho. Solte-se, cara, e apenas cuide dela o melhor que puder, certo? Deixe que da Base, e da excepcional comunidade feminina daqui cuido eu.

_ Certo. Ainda bem que estou levando a minha namorada comigo... Bem, de todo o modo, tanto eu quanto Diana vamos ficar com os comunicadores via satélite ligados. Se precisar de nós, entre em contato imediatamente, por favor, Vailiant.

_ Se eu precisar de ajuda, ligo imediatamente.

Os dois amigos se despedem, e Walter ergue sua bagagem, uma bolsa de viagem cuja tira de transporte ele trespassa na diagonal sobre o peito, colocando a bolsa as suas costas. Ele dá mais uma olhada na sala de controle, e sai, com um aceno para Michel.

Animado, ele cantarola “I Feel Good” enquanto caminha até o monotrilho que vai levá-lo ao hangar, onde um veículo o aguarda, e onde, tem certeza, vai esperar por Diana, que certamente chegará atrasada, por um bom tempo. Mas tudo bem, ele pode aproveitar o tempo de espera para checar o hangar, e verificar as condições do veículo, e ir ficando furioso com o atraso da namorada. Ele não resiste, e sorri, divertido, achando graça de sua própria atitude diante das traquinagens que Dupret aprontava. É um segredo seu, mas no fundo ele adora o espírito moleque dela, e acha que Diana não possuiria o mesmo... “Charme” se fosse mais doce e menos abusada. Mas, ele sabe como é a namorada, dá-se a mão e lá vai o braço. Nem pensar em dizer a ela que curtia tanto assim o jeitinho abusado dela.

_ Olá, senhor Neutron _ diz uma mulher que passa carregando uma prancheta. Ela sorri e parece curiosamente interessada no visual menos “profissional” de Walter. Na verdade é uma bela mulher, loira, olhos castanhos claros, um sorriso encantador. Walter a conhece sim, é técnica eletrônica que trabalha na equipe de Tecnoboy II, o meta-humano que, junto com Walter, administra a manutenção e os laboratórios da Base. Uma pessoa gentil, profissional e séria, esta jovem técnica.

_ Oi, senhorita Andersen.

Ela ia passando, mas parou, voltou-se e, ao ver a expressão curiosa de Walter, tentando adivinhar o que ela vai dizer, a garota lança ao homem um olhar malicioso e diz:

_ É bom vê-lo assim, mais a vontade, senhor Neutron. Deveria usar bermuda mais vezes. O senhor tem umas coxas! Fortes! Muito interessantes... Mas considerando a namorada agressiva que tem, eu não sei se estaria interessado em... Ah, deixa prá lá... _ Ela se vira com um sorriso amplo, e segue pelo corredor.

Walter permanece com cara de bobo, sobrancelhas erguidas, óculos escuros ligeiramente baixos, o queixo caindo lentamente, enquanto observa a mulher indo embora. Alguns segundos depois Neutron parece recobrar o controle sobre si, com um suspiro, e olha em volta. Ao andar, meio desajeitado, parece tentar ver o que a senhorita Andersen viu em suas pernas. De súbito reassume a compostura, e volta a caminhar normalmente. Vez em quando dando uma olhada para trás.

O incidente já se tornou uma lembrança curiosa quando ele chega ao monotrilho, e ele fica apenas pensando distraidamente naquilo. Em uma base cheia de beldades masculinas, com caras que parecem artistas de cinema por todos os lados, o que uma mulher bonita e séria daquele jeito viu nele, a ponto de elogiá-lo daquela maneira, pensa Walter, honestamente modesto. Quando se senta no monotrilho, percebe a sua frente uma jovem enfermeira, acompanhada de um homem que parece ser um cirurgião bonitão de algum seriado de TV. Ela sorri para ele, e o observa com curiosidade. A jovem, uma oriental impressionantemente bela, parece analisar Walter desde os cabelos, passando pelo rosto, peito, quadris... Ele joga sua bolsa de viagem sobre o colo, e, com um sorriso beirando o rubor, assim permanece até chegar ao hangar, se despedir do casal com um aceno, sair depressa e constrangido, e, enquanto caminha ansiosamente até o carro, pensar que precisa, urgentemente, se socializar mais com o pessoal da base, de modo que, ao vê-lo sem o uniforme, as pessoas não ficassem tão... Constrangedoramente surpresas, principalmente as mulheres. Não que fosse desagradável ser admirado por mulheres bonitas, muito pelo contrário, mas, tímido do jeito que é, Neutron sente-se tolo ao ruborizar-se daquela maneira com esse... Assédio.

_ Ei _ ele chama um técnico de manutenção do hangar com um aceno amplo _ por gentileza, dê uma verificada no ar-condicionado, isso aqui está com a temperatura bem acima do confortável! Obrigado!

O rapaz, que reconhece Walter, acena e faz um sinal de afirmativo, muito embora ache que a temperatura por ali está agradável.

...

Diana saúda a liberdade com um grande e belo sorriso, enquanto estende a mão e acaricia a nuca de Walter, que lhe devolve um rápido mas carinhoso sorriso, e retorna sua atenção ao volante. O veículo “fora-de-estrada” emprestado ao casal pela Base Remanescente havia cruzado o pequeno trecho de deserto que separava o hangar das estradas interestaduais, e entrava agora em Iron Village. Pois foi neste instante que o céu, ligeiramente nublado até a pouco, brindou os dois viajantes com incandescentes raios de sol caindo em cascata por entre as nuvens claras que se abriam sobre os altos prédios do centro da cidade de ferro. E foi para esses raios, cabeça erguida, cabelos esvoaçando para trás, ao sabor do vento que entrava no carro sem capota, que Impacto ofereceu um de seus vibrantes sorrisos.

_ Engraçado _ ela diz, virando o rosto para Walter _ vivemos no mundo deles, não raro derrubamos alguma coisa, destruímos alguns bens, a mal sabemos quem eles são, que cidade é essa, a história desse lugar.

_ Iron é uma cidade “recente” _ diz ele, colocando com a entonação de sua voz as aspas _ surgiu com a redescoberta de uma jazida de minério de ferro e cobre, principalmente o primeiro, aqui embaixo. Para Detroit e sua indústria automobilística foi um presente. Iron produz 20% de todo o ferro consumido lá.

_ “Redescoberta”?

_ Sim, porque a jazida era considerada muito menor, e vinha sendo explorada desde os anos vinte muito timidamente. Até que houve o desenvolvimento da indústria automobilística e a conseqüente demanda de minérios ferrosos, o que acabou por levar uma equipe de geólogos a descobrir uma jazida ainda maior sob a primeira encontrada aqui em Iron, que nesta época era o Condado de Iron, na realidade um vilarejo insignificante.

_ Legal. Eu me amarro nisso em você, Wal. Sempre se esforça para responder minhas perguntas. Quando cê sabe, sabe mesmo e adoro ouvir você falar sobre as coisas. Quando não sabe, não sossega enquanto não buscar uma resposta viável para minha dúvida. Você é inteligente prá caramba, rapaz!

Neutron sorri, enquanto freia lentamente o carro no sinal do cruzamento central de Iron. As pessoas caminham apressadas, como em qualquer cidade de tamanho razoável do planeta, concentradas em seus pequenos micro-universos pessoais, mas haviam peculiaridades nos habitantes desta cidade. Quase todos têm um certo estilo, um certo ar anárquico e curiosamente irreverente.

_ Di, você é uma das pessoas mais inteligentes que já conheci em minha vida. E conversar com pessoas inteligentes sempre nos instiga a aprender mais, e a buscar o melhor do nosso espírito. E você, sendo a pessoa fantástica que é, desperta isso em mim mais que qualquer companhia de papo que eu possa ter neste mundo, garota.

_ Gracinha _ ela diz, sem sequer tentar esconder o prazer intenso que sente ao ser elogiada, principalmente por esse homem.

_ Isso sem contar que, para minha sorte, resolveu cair no meu papo furado, namorar comigo e (que maravilhosa coincidência!) é a mulher mais bonita desse mundo.

_ Ahhh, tá querendo alguma coisa, rapá! _ Diz em tom casualmente divertido.

_ Um beijo?

_ O sinal abriu... _ ela diz sorrindo maliciosamente, quando os lábios dele já estavam a quase uns dois centímetros apenas dos seus.

Com o canto do olho Walter confirma, e meio segundo depois, a estridente buzina de um volks atrás deles reafirma: o sinal abriu. Ele suspira, pois já havia se inclinado sobre Diana, que pisca, com ambas as mãos atrás da cabeça, graciosamente recostada contra o seu banco, que está ligeiramente reclinado.

_ Para com essa maldita buzina, porra! _ grita um senhor de terno e gravata, com ares de gerente de algum empresa, dirigindo-se ao motorista do pequeno Volks _ Aposto que você é gay! Não está vendo que ele estava quase beijando a moreninha baixinha e gostosa que faz punhos de pedra?!

Diana arregala os olhos, no mesmo instante em que Walter, por precaução, arranca com o carro.

_ Puuuta que pariu! _ diz ela, assombrada _ viu aquilo?! Isso já tá ficando ridículo! Eu tô ficando falada neste raio desta cidade, é mole? E o que é pior, estou ficando famosa e...

Ela se levanta, com sua blusa branca justa e sua mini-saia atraindo rapidamente a atenção de muitos outros pedestres e motoristas. Ela sacode o punho cerrado para o senhor bem vestido e falastrão, enquanto completa sua frase a plenos pulmões:

_ ... Eu não faço punho de pedra nenhum, seu viaaaaadooooo!!!!!

_ Diana!! _ diz Walter, constrangido, evidentemente _ pelo amor de Deus, querida, sente-se. Você esta dando um show com essa saia curta. E é perigoso ficar em pé assim em um carro em movimento.

_ Viado e intrometido!!! _ e ela se deixa cair no banco, cruzando os braços sobre o peito e emburrando a cara _ Que desaforo! Parece que aquele desgraçado que me confundiu com a Ray uma vez vive correndo por esta cidade e falando de mim, cacete!! Ainda mato ele!

_ Quem?! _ faz Walter, sem entender.

_ Um cara! Brasileiro feito a gente. Uma vez ele cismou que eu era a Rayearth e desde então, tooooda a vez que encontro o infeliz aí por Iron Village, ele começa a gritar que eu sou... _ ela cerra os dentes, e completa _ ... A morena... _ ela respira profundamente, furiosa _ ... Baixinha... _ e expira exalando sua raiva _ ... que faz punhos de pedra!! Ai, que ódio!

_ Mas, Di, ser comparada com a Ray...

_ Ela é minha amigona, e ser comparada com ela, que é uma gata, é elogio prá mim, o caso é que eu odeio que grite com e por mim! Odeio que me chamem de baixinha!! E odeio que não saibam que EU sou EU, porra!!!

_ Ok, está bom... Calma... Coloque o cinto de segurança, por favor.

_ Não vou colocar esta droga não!

_ Diana!

_ O que é?! Vai gritar comigo também?!?

_ Não!!... Quer dizer... Não, Diana, eu só gostaria que você, por favor, colocasse o cinto, antes que um policial nos pare...

Ela toma a ponta do cinto da mão de Walter e o encaixa bruscamente no local certo para prendê-la em segurança ao assento. Cruza os braços sobre o peito, e, sisuda, olha para o outro lado, quando entram no túnel. Walter, mantendo o veículo pouco abaixo do limite máximo de velocidade, suspira desanimado.

...

Diana, cabeça recostada no assento do veículo, observa o campo desértico que passa ao lado da auto-estrada. O assunto escasseou um pouco, e ela também tinha que mostrar para Walter que estava aborrecida com o fato de ele ter gritado com ela. Dupret estava ofendida, estava furiosa, estava... Bem, estava, já não está mais. Mas de perceber isso até ser ela a primeira a puxar papo vai um oceano de orgulho. Sem que o outro perceba, ela dá um sorrisinho matreiro diante de seus próprios pensamentos.

Ela dá uma olhada cheia de um falso desdém para Walter, que retribui com sua ainda desanimada expressão e volta a olhar a estrada. Uns dois segundos depois ele percebe que a garota ainda está olhando para ele, mas agora Diana está sorrindo, divertida, ao perceber que o outro realmente achou que ela ainda estava ofendida. Ela apóia o queixo nos nós dos dedos da mão esquerda, e, enquanto pensa que realmente é uma bobeira continuar uma viagem daquelas brigando por causa de um maluco qualquer, sorri e balança devagarzinho a cabeça enquanto fita Walter nos olhos, e inclina o corpo para o lado dele, cruzando cuidadosamente as pernas de modo a faze-lo dar uma olhadela rápida para baixo e suspirar espontaneamente. Foi um suspiro tão cheio de naturalidade e... “Energia”, que acabou por arrancar uma agradável e sonora risada de Diana.

Walter reduziu rapidamente, freando quase que bruscamente, encostando o carro em um restaurante de beira de estrada, e, para alegria de sua namorada, cobrindo-a de carinhos e beijos. Sorrindo ao ser beijada, Diana pensou: “bem melhor assim, meu amor, bem melhor assim”.

...

Deedee McTarget havia tido um dia difícil. Não que os dias naquele restaurante, como atendente (ela preferia “atendente” a “garçonete”, por nenhum motivo especial, além do fato de achar o último cafona) fossem geralmente fáceis. Vinda de uma família pobre do Mississipi, ela sempre trabalhou duro para viver. Na verdade, seu caráter, geralmente animado e alegre, contrastava com a vida dura que levava, pois, para manter-se naquela cidadezinha chamada Cielo, satélite de Iron Village, ela acumulava o emprego no Restaurante de Bill Snakeyes com empregos domésticos como diarista.

Deedee era querida naquela cidade, visto ser de uma simpatia cativante e, pelo menos para os outros, exibir um sorriso e um ânimo quase eterno. Nem o fato de ser surda-muda de nascença parecia afetar a alegria de viver da moça. Mas, como é de se esperar nestes casos, McTarget apenas havia desenvolvido, muito cedo, uma capacidade de lidar com suas angústias pessoais preenchendo sua vida com a missão subliminar de dar atenção e transmitir simpatia aos outros.

Uma mestiça de belos olhos escuros, pele negra e cabelos cacheados caindo-lhe pelas costas em graciosos anéis, corpo torneado e sorriso encantador, não raro era alvo de ardentes declarações por parte dos homens da pequena Cielo. Ela chegou a namorar dois deles. Um se foi, para Iron Village, outro foi o amor por ele quem partiu, deixando uma preciosa amizade para trás. Às vezes ela passa a noite acordada, relendo suas revistas sobre cinema, ou conectada à Internet coletando informações sobre os astros e estrelas que povoam sua mente desde a sua adolescência, e sonha deixar Cielo e tornar-se uma celebridade, a primeira atriz surda-muda mundialmente conhecida. E quando ela sonhava assim, geralmente chorava sozinha em sua casa, desiludida por seus próprios pensamentos e inseguranças.

Pois a noite anterior havia sido uma daquelas noites, e o dia tinha sido exaustivo, com Bill deixando o Restaurante sob a responsabilidade dela durante todo o dia, enquanto ele, o único super-herói de Cielo, combatia novamente os irmãos Grimm, que haviam roubado novamente a agência do Citybank que ficava no centro da cidade, perto da praça. Um comboio de caminhões, e seus famintos motoristas haviam parado ali, de passagem para Detroit, e ela havia passado por mil dificuldades para atender a todos os pedidos (para completar, Betsy havia ficado doente e faltou), e ela enfrentou tudo isso com seu sorriso cativante e sua alegria que, embora fosse aparente, era fruto de um sincero desejo de não sobrecarregar ninguém com suas tristezas. Mas ainda assim, estava triste quando, ao cair da tarde, um bonito veículo utilitário freou bruscamente na auto-estrada, e, com uma guinada estridente, parou bem em frente ao restaurante e Deedee pode ver que seus ocupantes, um belo casal, entregavam-se a abraços calorosos e beijos apaixonados. Ela sorri e partilha daquele momento curiosamente mágico, onde, está claro, viajantes foram obrigados a parar imediatamente para demonstrar um ao outro o quanto se amam. Meio segundo depois ela percebe estar sendo indiscreta e, corando levemente, sorrindo sem jeito, baixa o rosto, fingindo anotar algo em seu bloco de pedidos.

Foi quando seu sorriso ampliou-se mais, e ela ergueu os olhos subitamente reconhecendo Diana. Não lembrava exatamente o nome da outra, mas a reconheceu como a bonita moça que havia passado por ali, certa vez, acompanhada de um grupo de amigos em um carro bacana, e entre estes amigos ela trouxe um rapaz tremendamente atraente chamado Paul. Ela sabia que, junto com a moça e os outros ocupantes do carrão, Paul era um super-herói de Iron em alguma missão maluca. Ocorre que, naquele único dia em que viu Paul, Deedee havia se apaixonado perdidamente por ele, mas quando ele se foi, acostumada que andava a perder, tentou esquecer o rapaz.

Agora, entretanto, seu coração batia em pulos desencontrados, como se fosse lhe escapar do peito, e ela caminhou rápida, mas cuidadosamente (afinal, não queria nenhum vexame ou assustar alguém) e, da porta do restaurante tentou chamar a atenção do casal, que parecia deveras entretido no ato de celebrar seu amor.

_ Ei, meu bem, onde está meu bife acebolado?! _ berra “gentilmente” um motorista quarentão e baixinho de uma mesa próxima a porta.

Ela olha pra ele, abre a boca, nervosa, e, com um incomum sorriso forçado, faz um sinal para que ele se acalme.

_ Mas moça, eu to tranqüilo, eu queria é que meu bife estivesse mais ansioso de vir pra minha mesa.

Ela faz que sim, e pede pra ele um tempo, apontando o casal lá fora.

_ Ah, são seus amigos?

Ela balança a cabeça afirmativamente.

_ Pois eu não tou afins de esperar! _ Diz o sujeito alto, de queixo largo e olhar felino que está sentado com o baixinho.

_ Fica na tua, Alberto, deixa a moça ir ali falar com os amigos dela, é rapidinho, né, meu bem?

Deedee sorri francamente agora e meneia a cabeça em um “sim, sim!”, enquanto faz o sinal americano típico de “ok” e pisca para o moço de baixa estatura. Tira o avental e vai indo falar com Diana. Ela explodiria de curiosidade para saber de Paul se não fosse perguntar agora. Mesmo sendo contra seu modo de ser, ela se aproximou, tremendamente sem jeito, do carro de Dupret, e ficou ali, tentando não olhar, balançando o corpo levemente, franzindo a testa, fingindo assobiar e olhando para os lados.

É quando Diana para de beijar Walter, e afasta carinhosamente o rosto dele, mantendo-o entre suas mãos, enquanto exibe um sorriso apaixonante, e olha Neutron bem nos olhos, como se estivessem transmitindo, telepaticamente o quanto se amam, o quanto é maravilhoso estarem juntos. É neste instante que Dupret percebe a envergonhada Deedeee, que esta logo às costas de Walter. Esta última, ao ver Diana olhando para ela, acena só um pouquinho, mas como se estivesse cumprimentando uma velha amiga.

Diana frisa os olhos e comprime os lábios, forçando a memória. Deedee saca seu bloquinho e escreve algo nele, exibindo-o para Impacto logo a seguir:

“Se lembra de mim? Deedee McTarget”.

Walter estava se virando, ainda sorrindo, quando Diana, arregalando os olhos e abrindo um brilhante sorriso diz:

_ Ahhh, a garota que arrancou um beijo do “boca virgem” do Power Punch. Legal! Oiii, tudo bem?

_ TODO MUNDO QUIETO! _ troveja uma voz bruta. Com o susto, Diana, Walter e MacTarget mal têm tempo de se virar e ver o homem imenso, louro como um vicking, em um colante amarelo vivo com círculos vermelhos e tremidos desenhados no peito, dar um salto e jogar-se de peito no chão. Naquela fração de segundo Impacto começou a formular o pensamento onde indagava a si mesma o que aquele idiota estaria fazendo...

É quando ele bate no chão. E quando o tremor de terra os sacode como bolas de pingue-pongue esquecidas sobre uma cama vibratória. A surpresa de fato é tamanha, que nem Walter nem Diana lembram que podem voar, e caem aos trambolhões, rolando uns por cima dos outros, enquanto ouvem a retumbante risada de seu “agressor”, que, após a clássica “gargalhada pseudotenebrosa”, volta a berrar:

_ TREME, SEUS DOIDO! DIANTE DO PODER DE RICHITER, DOS IRMÃO GRIMM!!!

Já de pé, Richiter agora esta acompanhado de um outro brutamontes parecido, só que ruivo. Obviamente o outro irmão Grimm que, em confirmação, se apresenta com a aparentemente corriqueira pompa interiorana:

_ Pois é! E Richiter nunca está só. Eu, MacArter Metano Jones, o outro Irmão Grimm, estou AQUI!!

Walter, recuperado parcialmente da surpresa, verifica rapidamente se as moças estão bem e se põe de pé, ao que Metano vira para ele e diz:

_ Eta! Fica calminho, viu, fortinho, senão nós esmagamos TOOODOS aqui!

Frisando os olhos, sem responder, Walter prefere, em um primeiro momento, analisar seus oponentes. Quem seriam? O louro parecia poder aumentar sua densidade ou, em contato com o solo, transmitir ondas sísmicas. Ele parecia um daqueles lutadores de luta-livre grandalhões e cheios de pantomimas. O outro era um pouco menor, pouca coisa, mas ainda era um gigante perto de Neutron, muito embora Walter acredite que, com um pouco de sorte, poderia subjugar ao menos um deles sem grandes problemas... O que o deixa curioso é o pseudônimo do ruivo... “Metano”?... “Oh, meu Deus” pensou Walter, chegando a conclusões desagradáveis.

_ Olha, Deedee, pode ir chorando por seu chefe. Nós o soterramos sob toneladas de escombros lá no banco quando ele tentou nos impedir de pegar o dinheiro do caixa número seis, que a gente tinha esquecido ontem. _ e repetiram a risada de vilão _ agora vamos comer toda a comida que tiver aí e tomar essa lanchonete como refém com todos vocês dentro! E exigiremos um milhão de dólares de resgate, que aí nós teremos o total de um milhão, e sete mil dólares _ e repetiram a risada novamente.

As pessoas estão assustadas, acuadas num canto. Parecem reconhecer os dois sujeitos como maus, muito maus. Entre os Grimm e as moças, Neutron sente um suave toque em seu ombro, e um pequeno bilhete lhe é entregue por Deedee. Nele se lê: “Os irmãos Grimm são arruaceiros meta-humanos aqui de Cielo, esta cidadezinha onde você está. Meu chefe, Snakeyes, é o dono da lanchonete e nosso herói local. Lembra dele, grandão, de chapéu de cowboy? Ele deve chegar logo e cuidar deles”.

_ Esses boçais quebraram uma unha minha! Que inferno! Agora eu fiquei com raiva!

Com olhares injetados de fúria, ambos os Grimm olharam na direção de Dupret quando ela diz isso. Ela olha de volta, e de seus olhos... Brota energia radiante e explosiva. Agora foram os Grimm a serem pegos de surpresa. Neutron mal tem tempo de erguer desajeitadamente os dois no ar quando a destrutiva rajada de Impacto passa por eles, a poucos centímetros do nariz avermelhado de Richiter, diga-se de passagem, que, apavorado, cambalhota no ar e vê quando a rajada disparada de uma das mãos da moça pequenina pulveriza o letreiro da lanchonete, em uma explosão de luz e faíscas.

_ Diana, calma! Civis na área!

_ Mas esse filho de uma vadia quebrou minha unha! _ e enquanto dizia isso Diana elevou-se no ar e incandesceu ambas as mãos _ Sabe quanto tempo eu perco fazendo essas unhas ficarem bonitas assim, seus brutamontes imbecis?!

_ Mas ninguém fala com um Grimm assim não, dona! _ diz Metano, que, ato contínuo, acende um isqueiro levando-o à boca, e arrota uma imensa labareda de fogo sobre Dupret, cujo campo protetor, chamado Campo de Impacto apropriadamente, absorve a maior parte do dano. Mas, tão espalhadas, as chamas caem por sobre o telhado da lanchonete, que prontamente incendeia-se.

Assustado, com a possibilidade de Diana estar ferida, Walter larga os Grimm e pega a namorada no ar com seu poder gravitacional. Mas diante de um sinal de “tudo bem” de Impacto, que esta seminua, trajando apenas frangalhos queimados de suas roupas, e ao ouvir os gritos das pessoas presas dentro da lanchonete em chamas, Walter deixa Dupret voltar a voar por conta própria e corre em socorro dos civis, imobilizando-os com um “laço gravitacional”, arrancando toda a parede frontal enquanto sustentava o teto, e puxando-os veloz, mas cuidadosamente para fora. Olhando rapidamente para trás, percebeu Richiter dando seu salto em direção ao chão. Não podendo fazer nada quando a si mesmo, Neutron torce para conseguir manter os civis no ar, de modo que não sofressem com as ondas sísmicas.

Ocorre que Impacto jamais deixaria por menos, e mergulha, com as botas em riste, direto contra a nuca de Richiter, que, ao atingir o chão dispara seu poder sísmico fazendo o solo vibrar violentamente, mas toma, ao mesmo tempo, todo o peso de Diana sobre sua cabeça. O rosto de Richiter rebate violentamente, inúmeras vezes, contra o convulsivo chão, como a bola de pingue-pongue, dessa vez colocada para saltar sem parar entre mesa e raquete. Após o choque, Impacto flexiona as pernas, usando as costas de Richiter como colchão para amortecê-la, e acaba sobre as costas de um Richiter inerte, desmaiado, com tufos de seus cabelos louros entre os dedos. Diana os havia arrancado no ato de se manter segura sobre ele durante o abalo sísmico. Quando o gigante desmaia, seu poder se apaga com ele, e o chão para de tremer. Jogando os tufos de cabelo no chão, Diana fala com desprezo:

_ Viu, carinha, quebrou minha unha, eu quebrei tua cara... _ e engasga quando o outro irmão Grimm, Metano, agarra sua garganta. Walter, que havia recebido todo o abalo sísmico nas costas enquanto lutava desesperadamente para manter os civis no ar, vem, trôpego, em socorro da bela meta-humana, mas tremendamente tonto, teme não chegar a tempo. Não consegue concentrar-se o suficiente para manifestar seu poder.

Erguida no ar, Diana engasga violentamente sobre a prensa brutal da mão, que mais lhe parecia um torno hidráulico. Suas próprias mãos, miúdas em comparação as do gigante ruivo, deslizam sobre os dedos de aço de Metano, enquanto ela se debate vigorosamente. Ele parece que vai lhe esmagar a garganta, e ela sente toda a dor do esmagamento, pois, como não precisa respirar, o ar não lhe falta, mas dor ela sente. Assustada, Diana vê Metano, com a outra mão, erguer o isqueiro metálico até a imensa boca, perigosamente próxima do rosto dela.

Foi como se ambos sincronizassem. No meio segundo que ele levou para acumular e começar a soltar seus gases inflamáveis pela bocarra, Dupret incandesceu ambas as mãos e socou, enfiando isqueiro e as duas mãozinhas boca adentro de Metano. O gás em sua boca explodiu, a dor o fez soltar Diana, que foi arremessada na direção oposta a que foi projetado o ruivo.

Impacto chocou-se contra Richiter, que já de pé, rosnava sobre ela, firmemente ancorada nas mãos do louro. Ele virou a moça para si, e olhou para ela furioso. Mas meio segundo depois, ao perceber os dotes generosos e quase descobertos da moça, sorri, dizendo:

_ ORA, DONA. ANTES DE MATAR VOCÊ ACHO QUE SOBRA UM INSTANTINHO PREU SENTIR OS GOSTO DESSA TUA BOQUINHA BONITA, HEIM! _ e já foi esticando os beiços.

_ Bluérrghhh... Eu... Já escovei os dentes... _ debocha Diana, tonta com a explosão muito próxima dela, e já vendo Walter sacudir violentamente a cabeça, buscando forças, erguendo-se no ar em seu vôo gravitacional, enquanto diz:

_ Ela é muito bonita mesmo... _ e quando Richiter se vira, pronto para lutar, Walter soca seu rosto, mas com a mão “enluvada” por uma poderosa rajada gravitacional. O impacto do soco faz o gigante louro cair de joelhos e, afrouxando as mãos e permitindo a escapada de Diana, desaba fragorosamente ao chão _ ... Mas já tem compromisso. Desculpe...

Neutron pousa soltando um gemido de dor enquanto agita a mão do soco. Sem tirar os olhos do inimigo caído, desabotoa a camisa, tirando-a rapidamente e a oferece à Diana, que, sorrindo maliciosamente, desliza uma mão sob a camisa, escorrega para um abraço apertado contra o corpo de Walter, da uma mordidinha no peito nu do namorado e ergue o rosto para ele, sorrindo e mordendo o queixo do rapaz, enquanto sussurra um... “Essa porrada nesse idiota foi linda. Adorei ser defendida por você, meu bonitão... Fiquei excitada com isso...”.

Walter, sorrindo sem graça, diante de pelo menos meia dúzia de pares de olhos dos civis, que observam sem a menor discrição o abraço do jovem casal, diz:

_ Bem, Di... Vamos ter que passar a noite por aqui mesmo... _ e com um movimento de cabeça, mostra para moça o carro deles, virado e parcialmente destruído.

_ Temos dinheiro para consertar? _ Pergunta ela.

_ Estamos bastante próximos a Iron. Posso ligar e pedir para Vailiant nos mandar outro carro.

_ Ei, Deedee, ce tá bem, gata? _ Pergunta Diana.

A moça, parecendo mais divertida com o desabamento da lanchonete do que assustada, faz que sim.

_ Tem algum hotel descente por aqui?

MacTarget, aparentemente imune à arrogância inconseqüente de Diana, balança a cabeça fazendo que não. Aponta para o casal, faz mímica, nitidamente referindo-se ao ato de dormir, desenha uma espécie de triângulo no ar, e aponta para si mesma.

_ Nós? _ Fez Dupret _ Na sua casa? Que legal, amiga. Brigadinha. Vamos pegar as malas, Wal.

...

Terceiro Dia:

_ Então quer dizer que não precisamos nos preocupar nem com o tal Snakeyes, que no final acabou chegando uma meia hora depois de eu e o Wal termos feito o trabalho dele derrotando aqueles doidos, nem com a lanchonete dele, e nem com seu emprego? _ Perguntou Impacto, vestindo uma camiseta com um grande e risonho canário amarelo desenhado no peito, de frente, e nas costas, de costas. Pernas cruzadas, essas torneadas e delineadas pernas graciosamente surgindo nuas sob a camiseta. Sem ligar para calorias, Diana enfia na boca, de uma só vez, um imenso pão de mel, com cobertura de chocolate e espesso creme de recheio. Enquanto mastiga a grande delícia, pega o guardanapo, inconscientemente, e, delicadamente, limpa os cantos da boca, sujos de chocolate, em um ato incongruente, mas que, para bom observador, denota sua origem refinada propositadamente afogada sob a liberdade de expressão.

Deedee sacude a cabeça em um não. Em sua “lousa mágica” escreve:

“Snake não vive sem mim como sua gerente e garçonete. A destruição da lanchonete só vai me conseguir umas merecidas férias. Snake é, na verdade, muito rico. O pai é do ramo de petróleo. Em um mês a lanchonete, que ele mantém mais para se dizer independente do pai, já vai estar nova em folha. Até lá, obrigada por me arrumarem estas férias!”.

E sorriu, um belo e simpático sorriso. Diana devolveu-lhe o sorriso e, virando-se para Walter, que, em seu discreto pijama flanelado, esta de pé na janela, com o pequeno cão de MacTarget, Tootsieman, nos braços, olhando atentamente alguma coisa lá fora, ambos, Walter e Tootsieman, banhados pelos raios do sol matinal da pequena Cielo.

_ Viu, gato. Nada de prejuízos desta vez. _ diz Impacto.

_ Hum? _ Fez Walter. Ao que Diana ergueu a lousa para que ele pudesse ler as palavras da outra jovem. Neutron sorri, fazendo que sim com a cabeça e diz _ demos sorte, heim. Senhorita MacTarget, sua casa é muito agradável, mais uma vez obrigado por nos hospedar. Mas falou sério mesmo quando disse que os irmãos Grimm moram no fim dessa rua?

Ela fica observando os lábios dele, “ouvindo”, e com uma expressão solene, faz que sim. Pega a lousa, apaga a mensagem anterior, rabisca algumas frases e mostra para os seus amigos:

“Cidade pequena. Aqui, na quadra residencial eles não fazem a menor bagunça, porque sabem que vão arrumar problemas para eles mesmos. Eles são até vizinhos tranqüilos” _ Volta a apagar, e escreve agora _ “Isto é, quando estão por aqui, pois geralmente estão trancafiados na delegacia no centro”.

_ Wal?

_ Sim, amor?

_ A Deedee pode viajar com a gente?

Uma expressão desanimada toma o rosto de Walter por um segundo, mas se vai quando ele diz:

_ Só me preocupo com a segurança dela. Parece que arrumamos confusão em cada canto que vamos. Mas se quiser, sinta-se convidada senhorita MacTarget.

“Eu não quero atrapalhar...”.

_ Eu insisto, Dee _ Fez uma animada Diana. Ao que a moça olha, envergonhada, para Walter. Talvez o rapaz quisesse ficar a viagem toda a sós com a namorada...

_ Vamos, senhorita Deedee _ diz Walter, francamente sorridente _ faça já sua malas, sairemos às dez e trinta da manhã.


(continua)...


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