Übermensch

RPG: Remanescentes

Übermensch

Autor: Wagner Ribeiro

21/09/2006


[Este texto envolve o Universo de role-playing game Remanescentes, e diversos personagens que são criação intelectual de Claudio Augusto dos Anjos, Mestre de Jogo e Grande Amigo, alguns em parceria com seus exímios jogadores, dos quais também tenho a honra de ser amigo e companheiro de jornadas! AVISO DE DIREITOS: Este texto pode ser considerado um fanfiction, pois na verdade mescla os universos de Remanescentes, cuja propriedade intelectual é de Claudio Augusto dos Anjos em co-autoria em alguns personagens com seus respectivos jogadores, com personagens fortemente inspirados nos alienígenas do filme "Alien, o Oitavo Passageiro". Este texto é também baseado num jogo narrado por mim, onde introduzi a idéia de Aliens sendo usados em metahumanos para gerar criaturas com super-poderes. Vale observar também que a idéia de um embate filosófico-moral entre o humano Dan e o Anha Ja Alien foi inspirada pelo excelente livro "SCIFI = SCIFILO", de Mark Rowlands.]


"Conheço a minha sorte. Alguma vez estará unido ao meu nome algo de gigantesco - de uma crise como jamais haverá existido na terra, da mais profunda colisão de consciência, de uma decisão tomada, mediante um conjuro, contra tudo o que até esse momento se acreditou, exigiu, santificou. Eu não sou um homem, sou dinamite". _ Friedrich Nietzsche.

Antes, um pequeno prelúdio.

Ela está sentada ao lado da cama de hospital. Ele convalesce. Ela contorce as mãos, está triste. Tem algo que lhe aconteceu que a incomoda muito, ela quer contar a ele mas não tem coragem, quer aliviar sua angústia mas não é hora de pensar em si, primeiro deve velar pelo descanso de seu esposo. Quando estava levando a mão à boca, assombrada com seu próprio altruísmo, para ela algo quase inédito, seu celular começa a vibrar em sua bolsa. Rapidamente ela atende, e numa voz cansada e em sussurros diz:

_ Alô? Oh, meu Deus, Dan? Que saudade, meu querido, faz meses que não liga... Como soube?... Walter está bem, foi baleado sim, mas está bem, logo estará cem por cento, nós somos imortais, cara, he he... Como diabos você soube? Está na cidade?... Nepal?!... Uma visão? Se você diz, eu creio sim... Olha, continuo achando que foi loucura sua me deixar administrando seus negócios, mas tudo corre bem, continuo lendo tudo que assino, cuidadosamente, para seus advogados e contadores, você tem tido lucros, e os documentos continuam indo para aquela caixa post... Muito obrigada, você é uma doçura sempre. Ok, não falemos de negócios... Sua voz também está abatida... Eu estou bem, gostaria de ter seu amadurecimento por aqui por perto... É que estava precisando de um... Confessor... Eu sempre faço tolices, ou melhor, merdas mesmo... Obrigada, meu querido amigo... Me sinto um trapo... São seus olhos, mas obrigada... Eu sinto uma fornalha no peito querendo explodir, tenho gana de sair deste hospital e andar por uma rua escura, só para atrair um bandido armado e arrebentar ele na porrada, Dan!... Mas... Olha, eu... Mas... Dan, eu... Ok, está bem, prometo... Eu já descumpri minha palavra dada a um amigo?... Dan, por favor, volte pra gente... Ligue de novo!... Está bem, muitos beijos, se cuida, e volte pra gente, sentimos sua falta.

Diana Dupret guarda o celular, e fica em silêncio. Olha pela janela, para a noite lá fora, tão convidativa. Então baixa os olhos e fica olhando para suas próprias mãos, que parecem incandescer levemente por meio segundo. Volta o rosto para seu marido, que ressona, e acaricia delicadamente a fronte de Walter, que jaz sedado em seu leito de hospital.

...

O meio índio Tourianké, cujo nome “branco” é Dan Hindenburg, também conhecido como Tocandira, havia escolhido, sem qualquer obrigação de fazê-lo, o exílio. Enquanto seus amigos Remanescentes tentaram fincar raízes e viver uma vida, ele decidiu abandonar a fortuna de sua família aos cuidados de especialistas e de uma boa amiga, e levar consigo apenas artefatos místicos, suas relíquias para ele sagradas, e correr mundo, em busca da Luz do autoconhecimento. Ocorre que Dan precisava beber desta Luz não para crescer interiormente, mas para que ela o fizesse distanciar-se do inferno que um dia visitou e que por artes obscuras tornou-se parte de sua alma. Horrores indizíveis dormitavam em sua alma, e a noite, todas as noites, vinham visitá-lo, feito amantes sequiosas de lambê-lo com línguas de chamas, roçar-lhe com corpos de dor e remorso.

Assim, torturado e perseguido pela própria existência _ talvez como todos nós somos, apenas Dan alcançava um nível mais maniqueísta _ Tocandira deixou a velha Europa, cruzou o mar interior, passou por terras ermas, caminhando sobre novas vilas que cobriam a história de dor e sofrimento das humanidades que ali existiram outrora, e subiu para a Ásia, a qual cruzou em peregrinação. Chegou a Lhasa em frangalhos, encontrou um sábio peregrino hindu, de Kerala, que passava por aquelas terras voltando para a Índia, e deixou com este sábio suas relíquias, prometendo buscá-las quando finalmente encontrasse a si mesmo. Em Lhasa, também, humildemente conseguindo a compreensão dos monges, deitou aos pés do Buda Sukyiamuni, onde ouviu, pela primeira vez, que poderia ter Paz, a Paz verdadeira, se seguisse seu caminho e fizesse as suas escolhas. Revigorado por esta preciosa gota de esperança, caminhou sobre as terras do oriente, vivendo um sem número de pequenas aventuras, onde às vezes era um herói, às vezes, um terrível vilão. Chegou mesmo a amar em Niue, na Oceania, mas seus demônios interiores levaram seu amor para longe de si, através do abraço do mar e do manto escuro da morte, e, agora de coração partido, Dan seguiu sua peregrinação, atravessando sozinho, como fizeram os ancestrais, o oceano pacífico e chegando a Colômbia, e dali ao Brasil. Atravessou a floresta viva seguindo o Rio Negro (insetos, pulsando por toda parte, o coração da selva, a sensação vaga de um lar), abandonou o rio e investiu contra o verde denso da mata como se investisse contra a sombra perpétua do perpétuo eclipse que tomou conta de si, mas, a certa altura, parou.

...

Do alto de uma colina, a beira de uma clareira, Dan olha, sem sentir nada, sua alma perdida não o permite sentir claramente suas emoções. Dan olha, então, a aldeia devastada. Algo passou por ali, algo demoníaco, algo imoral, algo imundo. Dan pode divisar claramente, de onde esta, as pegadas das feras... O ser que atacou aqueles índios chama-se homem civilizado.

...

Como Dan não soubesse que caminho tomar, visto que não sentia nem pena, nem medo, nem ódio, ele resolveu filosofar. Apoiando-se em tradições orientais, resolveu usar o conceito de Yin-Yang 1, e prover, segundo sua ótica, a restauração do equilíbrio, reforçando o Yang para alcançar o Yin, destruindo aqueles que destruíram aquela aldeia. Enquanto descia a colina e caminhava, altivo e frio, entre os destroços do pacato povoado, brotam de todos os lugares os filhos das trevas, insetos de todos os tipos, rastejam e adejam, rodopiando em êxtase ao redor de Dan, transformando o chão que ele pisa num manto escuro e coleante. Tocandira fora despojado da maior parte de seu poder, mas ainda assim os seres com pinças e patas, asas translúcidas e multicores, todos eles, se sentem atraídos por ele como a mariposa ama e corteja a luz, como os crédulos amam os deuses. E esta massa informe cortejava seu Senhor, o Senhor das cigarras, das formigas, dos louva-deuses, e das moscas! Assim caminhou, "Belzebu" 2, entre as ocas em pedaços. Parou bem ao centro da clareira, e farejou o ar, olhou em volta, e encontrou trilhas, feitas por carros pesados, que carregavam escravos índios. Os homens que caçaram os índios deixaram mortos para trás, velhos e velhas, os jovens foram levados. Os mortos alimentavam seus insetos, os vivos deixam para trás os cheiros e suores que, se a pista das marcas dos carros falhasse, certamente levaria suas moscas e mosquitos direto até aqueles que Dan iria destruir.

_ Aryryi Ja 3!! _ Gritava uma voz miúda, apavorada, em Guaraní. _ Aryryi Ja!!

Dan se volta, seus longos cabelos negros caindo-lhe pelas costas, formando um véu obscuro de seda, que sombreava seu rosto, e aumentava-lhe a já intimidante imponência. A criança índia (não soube dizer imediatamente se menino ou menina, esta nua, mas as mãos estão em frente ao sexo, não para cobri-lo, mas por aparentemente não saber o que fazer com as mãos), de uns dez anos, encolheu-se, mas antes que tentasse fugir estava cercada pela sombra de insetos que corteja Dan.

_ Quem é você? _ Perguntou Dan em Guaraní. Mas como a criança chorasse e tremesse, ele disse, para conseguir sua resposta: _ Eles não vão te fazer mal, sou o Senhor deles, não sou? Mas responda, quem é você?

_ S-sou Earõ, filho de Ary Rei... Estava me banhando no rio, quando ouvi grande barulho, e corri. Vi os brancos matando meus velhos e roubando meus novos. Tive grande medo, nem pude me mexer, e fiquei sentindo imensa dor no peito, quieto, ali, no mato. Quando tudo terminou em vim e fiquei cantando para os mortos, para acalmar eles, e para eles me falarem o que fazer... Então os mortos e os deuses mandaram o Aryryi Ja, eu acho que devo chamar o senhor assim...

_ Ainda sente medo?

_ Sim, Aryryi Ja. _ disse o menino.

_ Hummmm, isso é importante, e bom... Causa-me uma sensação, e já não tenho muitas além do Terror. O Terror alheio parece somar-se ao meu, como matéria e antimatéria, anulando-se. Isso é muito bom.

_ Os mortos sussuram, Aryryi Ja, ouve?

Dan olhou lentamente a volta de si, ouvindo apenas os sons da selva ao anoitecer, e de seus insetos.

_ Não. Estão mortos, menino bobo.

_ Mas... Mas eles disseram que... Estão falando em meu peito... Que o senhor tem que dizer, tem que fazer suas escolhas, como os pajés luminosos de terras distantes te disseram... O senhor precisa fazer escolhas.

_ Menino bobo, fala feito macaco que não sabe que vai virar sopa. _ Mas Dan achou estranho o menino saber sobre sua estada no Tibet. _ Vou mandar os insetos comerem seus olhos, menino bobo, para não ver o que não deve, e comerem suas orelhas, menino bobo, para não ouvir segredos dos mortos que não falam.

Como Earõ começasse a chorar alto, tremendo-se todo de medo, Dan sorriu, e lembrou das crianças que havia encontrado e destruído no Inferno de Leviatã, e parou de sorrir, dizendo:

_ Vou fazer as escolhas. Elas são meu interesse, menino bobo, macaquinho. Vou levar a destruição para aqueles que derramaram o sangue desta sua gente boba.

O menino parou de chorar, e sorriu. Dan viu que havia malícia no sorriso do menino, e pediu aos deuses, se existissem, que um dia ele próprio pudesse sentir, nem que fosse o sabor do ódio e a textura do desejo ardente de vingança.

_ Venha, Earõ, chegou a hora de aprender, com o Aryryi Ja, a ser guerreiro forte, e a molhar a selva com sangue de branco. Vamos arrumar bordunas e flechas, e coisa para cortar a carne branca, e vamos pintar nossas marcas de guerra.

A aldeia destruída foi tomada pelo zunir intenso de milhões de insetos, que vibravam com o calor que seu mestre não podia sentir, mas emanava: morte, morte, morte! O que Dan não pôde ver foi que algo horrendo correu pelo meio do mato, o anha, o demônio, preto feito pixe com sangue fervente capaz de queimar pedra. Anha viu e ouviu tudo, e, como era comum para os de sua espécie, agiu ligeiro, correndo sem o menor som, pelo chão, pela árvore, e às vezes pelo céu. Anha tinha um Senhor, o Anha Ja, e tinha urgência em contar para ele que o Aryryi Ja estava chegando.

...

Foi uma caminhada de dois dias no meio do mato. Dan ouviu sons estranhos e sentiu seus insetos temerosos. Earõ estava como ele, pintado para guerra, vermelho de urucum, borduna em mãos, facão na cintura, levando flechas e grande arco bom. Mesmo pequenino, Earõ estava sorrateiro feito homem grande. No final do segundo dia, dormiram. E Dan sonhou.

_ Você não crê que pode amar, Dan. _ Disse Okelani, a jangada dançando sob si, suas ancas morenas e sensuais ondulando no ritmo do mar, num ritmo hipnótico para Dan _ E é por não crer, que não ama. Fechou-se para Deus. Não se pode viver uma vida assim, homem.

_ Eu me lembro deste dia... _ Sussurrou Tocandira. _ ... Foi quando meu coração bateu uma vez, uma vez mais, e te amei, Okelani que veio do céu para as praias em Niue...

A mulher, lisos cabelos negros e traços fortes, mas belos, pele tostada, olhar profundo, veio até ele, pegou seu rosto, e disse:

_ E, enquanto vivi, eu o amei muito também, mesmo sendo um amor breve como o quebrar de uma onda, Dan. Mas pequenos estribilhos formam uma grande canção.

_ Solte-me! _ Disse Dan Hindenburg, num arroubo quase extinto de raiva. _ Você surgiu, encantou-me, fez-me ter fé, e foi-se embora! Salvou as crianças daquele barco, mas deixou-me apenas com o monumento frio de um amor imenso feito o maldito mar, mas que nunca se concretizou! Solte-me! Deixou-me aqui no inferno! Volte para os céus, e nunca mais venha zombar de mim!

_ Eu jamais te abandonei, Dan. Era o caso de ser a vez do Mar, apenas. Mas estou aqui, e te carrego no coração. Por isso vim te dizer que suas próximas escolhas serão cruciais, não faça escolhas baseadas apenas em suas lógicas, elas estão corrompidas. Faça escolhas baseadas na imagem que tem de si mesmo! Lembra de nossas leituras ao luar: o que diz sua consciência? Torne-se aquilo que você é. Torne-se o que é, Dan!

Enquanto fala, ela se afasta, segura uma das cordas do mastro da jangada, e põe a mão sobre o peito, arfando. Dan, cheio de rancor por ter seu coração desperto apenas para sentir o terror de perder um amor imenso, não se moveu, fitando-a.

_ Todas as verdades essenciais escondem a si mesmas dentro de outras... Ahhh... Não... Me odeie... Eu o levo... Sempre... _ Seu peito subia e descia num ritmo frenético, e Dan estava para levantar e apoiar a jovem, quando percebeu que algo estava irrompendo do peito de Okelani! Sangue começa a espirrar sobre Dan, que pensava “não foi assim, foi por afogamento”, enquanto uma criatura estourava o peito de Okelani e parecia sorrir, aquele congelado sorriso dos crocodilos, selvagem e irônico, para ele. Com os braços abertos, escapando de Dan por um triz, a jovem mulher e seu recém-nascido parasita caem no mar enquanto ela diz: _ No meu coração...

Dan acorda (alma torturada, mas enregelando-se rapidamente de novo) a tempo de ver uma sombra, como um dragão negro, zunir por cima de uma árvore, sob o luar. Decide seguir o resto do caminho agora mesmo, e leva Earõ nos braços, ainda dormindo. Mais um dia de viagem e estão no acampamento dos brancos. Caminhões, tratores, uma mina, barracões, bebida, cigarros, inutilidades, lixo e sujeira, mas nenhum homem civilizado.

_ Onde estão os demônios brancos, Aryryi Ja?

_ Olhe, Earõ, não ter sentimentos não quer dizer que eu não possa estar andando às cegas. Não sou um deus. Não sou Aryryi Ja. Sou algo, mas não Aryryi Ja. Entende?

_ Não. Você está como eu estava, com as idéias confusas na sua cabeça, Aryryi Ja. Mas não se preocupe, os mortos dizem que vão guia-lo.

Dan suspira. Entra no acampamento, mas, quando está quase no seu centro, percebe algo que sua fria arrogância (que ele estava tentando fazer ruir) não o deixou perceber: seus insetos não vieram com ele.

Súbito, de todos os cantos, vieram homens correndo, com armas na mão, gritando que Dan e seu pequeno amigo não se movessem. Alguns homens vinham com bastões e porretes, outros com picaretas, pás, e redes. Dan armou-se com uma borduna e uma peixeira, e dançou, primitivamente, ao som da luta. Earõ estava, pouco depois, preso em uma das redes. Mas Dan ainda girava, num ritmo de Capoeira perfeito, esmagando rostos, quebrando e aleijando, cortando, mas, por alguma razão, apesar do coração moribundo, não matando. E da mesma forma súbita que a horrível luta começou, ela terminou. Com um urro apavorante, o demônio preto que ele viu na noite anterior saltou sobre ele, um salto imenso, direto do mato. Dan o cortou, corte raso, mas sentiu o ácido do sangue do Anha queimar sua pele, com seus pequenos respingos, como se fosse o pior dos fogos. O Anha não deu uma segunda chance, com um fortíssimo golpe, seu punho rebrilhando com uma aura estranhamente familiar, entregou Dan Hindenburg às trevas.

...

Dan teve sonhos, novamente, só que agora estes sonhos vinham de fora. Tocandira se sentiu, primeiro, flutuar num imenso e oleoso negrume, então começou a ver coisas difusas, como se sua visão estivesse toldada por uma máscara na qual se abrissem e fechassem rasgos, a intervalos rápidos mas não regulares.

_ É a Caverna de Platão. _ Sussurrou-lhe uma voz gutural, mas de algum modo elegante e familiar _ Observe as sombras.

Dois homens e uma mulher, quase vultos, entravam em alguma base secreta... Um corredor enegrecido... Um fosso cheio de restos humanos... Não, não... Havia cadáveres, mas, grudados às paredes feitas de metal e resinas orgânicas amorfas havia gente viva, que... Peitos explodindo, como o de Okelani! Sangue! Sangue! Sangue!... Corredores escuros, alguma base secreta semidestruída... Um terminal de computador, uma história, Dan vê Donovan, sons, alguém diz com um terror contido na voz: “Eles pensam que estão em uma nave espacial... Não devoraram o planeta todo porque acreditam que ainda não chegaram aqui!”... Chamas, por toda parte, e um Anha em chamas! Não, não está pegando fogo, seu corpo obscuro controla as chamas! Ele é... É uma mistura obscena de Nash com algo alienígena!... A “grande Rainha” é uma mistura horrenda de Margareth Henzller, a pior vilã, com os Anha!... E ela quer consumir o mundo! Não deve! (Mesmo sem crer em suas emoções, seus instintos de autopreservação ainda existem)... E, com um alívio consternado, Dan viu os três humanos derrotarem a Anha Ja Profanadora, e viu a base arder em chamas, onde foram feitos (ato imundo e herege) os híbridos... Feridos, mas vivos os humanos partiram... Mas Donovan ainda olhou para trás... Mas não viu! Volte, Donovan! Há um compartimento secreto, longe dali, onde robôs continuam o experimento!... Um túnel de metal... Tubos, aço, e fios... As máquinas trabalhando sem cessar... Terminais de computador operando sozinhos... Uma câmera, alguém, de longe, monitora... Tanques onde pessoas estão imersas, são... Clones... Quase todos estão lá... Mas nenhum se move, apenas um se agita, sob o olhar atento do Anha que golpeou Dan... O humano que se contorce é... Mal nasceu e vai morrer, ele é... O peito explode, enquanto Walter grita em agonia...

_ Venha, devagar, Aryryi Ja, para a saída da caverna. _ Disse a mesma voz, agora ele percebe que sem dúvida é uma versão gutural da voz de Neutron. _ Veja a luz projetada da nossa forma do bem, e veja o mundo como ele precisa ser, se quiser sobreviver!

Dan desperta, arfando. E olha, friamente, mas por dentro apreensivo, para o sorriso daquilo. A pele é um couro ébano, coberto por algum líquido oleoso, o “rosto” é vagamente mais humano que o dos outros Anha que viu, mas também lhe falta o acesso à alma, pois não tem olhos. A coisa abre a bocarra, e vê-se que tem outra mandíbula por dentro da primeira, pequena é móvel, e esta permanece aberta, expelindo ar, enquanto a boca externa movimenta-se, formando palavras:

_ Bem vindo, Tocandira, dos Remanescentes. _ Diz a coisa, em português.

_ Como eu devo chamar você? _ Pergunta, em Guaraní, Dan, voz firme. _ Anha Ja?

_ Vamos tornar as coisas mais... Íntimas... Chame-me de Walter, ou apenas Wal, se quiser.

A criatura continuava falando em português, de modo que Dan desistiu e respondeu na mesma língua:

_ Você é uma obscenidade, Anha Ja.

_ Não seja preconceituoso, senhor Hindenburg. _ Diz a coisa, com um sorriso. _ Um homem tão inteligente quanto o senhor deve estar um pouco mais acima destes cúmulos tão simplórios. Eu apenas não sou humano, mas sou um ser sensível e consciente, nos sentidos estritamente filosóficos destes termos, é claro.

_ Onde estou? _ Pergunta Dan, que está fortemente atado a uma mesa.

_ Não se preocupe, Dan, você não vai ser um hospedeiro para nós. Por enquanto.

Dan percebe que está em algo parecido com um laboratório. Limpo, estéril, a exceção de um canto, onde há uma mesa, como uma mesa de cirurgia, cercada de equipamentos médicos, cujo chão imediatamente a sua volta está completamente sujo de sangue, com fragmentos de ossos e carnes. Há um cheiro nauseabundo no ar, ao qual Dan torce o nariz sem perceber. O cheiro deve vir daquela mesa.

_ Percebo que está sensibilizado e te desagrada o estado de nossa mesa cirúrgica dois, desculpe. Tivemos problemas com uma hospedeira, e tivemos que abri-la. Palavra, eu tentei fazer com que ela não sofresse, mas ia dar a luz à larva de uma de nossas possíveis rainhas, que cresceu por dentro de seu corpo todo, e quando irrompeu fez a hospedeira em pedaços, literalmente. _ O Anha Ja usava um uniforme branco, imaculado, de onde surgiam sua cabeça, suas mãos e pés, e sua cauda, preênsil, e com poderoso aguilhão. A coisa deu de ombros, e prosseguiu: _ O que pude fazer foi encher a hospedeira de drogas. Morreu instantaneamente, sem muita dor.

_ Que tipo de absurdo da natureza são vocês?! Quem os criou?

_ Somos a resposta de vocês, a arma definitiva de vocês, à Invasão. Vocês mesmos nos criaram, Dan. Descobri isso, que fomos criados a partir de um espécime encontrado numa grande nave de guerra do Sistema Cárcere que transformamos em toca, para sermos soldados e evitar que sua espécie seja subjugada pelos que mandaram a força que criou os Remanescentes entre outros. Li bastante sobre sua espécie desde que nasci, e neste sentido são previsíveis. Quando o problema é demasiado sujo, mandam escravos resolve-lo. Ocorre que a destruição do outro laboratório fez com que este aqui tivesse um defeito, quase todos os meus irmãos da Segunda Onda morreram, mas eu nasci, com a ajuda de meu irmão Paul, cuja mente pouco sofisticada da Primeira Onda foi suficiente para salvar minha vida. E não pretendo ser um escravo. Mas, como diz seu sistema moral imparcial e consistente, podemos ser também ambos, vocês e nós, fins, ao invés de apenas meios.

_ Não somos fins, para vocês. Somos meios para que procriem.

_ Estou melhorando isso. Eu próprio já sou a prova viva do Problema da Fissão de Personalidade. Sou, em todos os aspectos mentais, Walter Alessandro Veiga, pois tenho todas as recordações dele, que me foram passadas por um equipamento chamado Matriz Psi, que infelizmente encontra-se temporariamente fora de operação. Mas Walter e eu, na prática, somos a mesma pessoa. Se ele morrer, providencialmente continuará vivo em mim. Ora, leia o humano Derek Parfit!

_ Eu já li. Sei do problema. É interessante ver a prova viva de que existe a real fissão. Mas eu escolho crer na existência única e numérica, Walter é Walter, você é uma coisa monstruosa que pega seres humanos e os transforma em alimento! Sugar-lhes as memórias, no processo, apenas cria cópias deformadas...

A coisa que é Walter agarrou o rosto de Dan, e o torceu dolorosamente, até ficar a um centímetro dele.

_ Continua preconceituoso, Dan. Vou lhe mostrar uma coisa acerca das criaturas de Deus, virtuosas, que vocês são. Venha!

Ele solta Dan, com a ajuda de outros três Anha que estavam escondidos nas sombras do teto. Mãos e pés de Tocandira recebem grilhões que apenas deixam ele caminhar claudicante, torto. Seguem todos por corredores escuros, mas limpos, e chegam a algo parecido com uma fábrica construída no subsolo, na rocha não escavada, mas derretida, onde esteiras passavam, repletas de pessoas amarradas com olhos esbugalhados e assustadas. Eram índios, adultos, mulheres e crianças, todos jovens. Sobre elas trabalhavam vários Anha grotescos, que em algumas esteiras eles aplicavam seres bizarros, em forma de aranha ou mãos, sobre a face de alguns, que então os parasitavam. Noutras esteiras, onde somente mulheres de diversas idades estavam presas, e aparentemente adormecidas, os Anha pareciam introduzir aparelhos entre as pernas das índias. No último conjunto de esteiras, algumas mulheres davam a luz a crianças aparentemente humanas, outras mulheres, e homens e crianças, tinha suas bocas presas por máscaras que as impediam de gritar, enquanto eram sedadas e tinha seus peitos abertos pelos pequenos alienígenas que brotavam de seus hospedeiros. Alienígenas e humanos nascendo nas mesmas esteiras. Aparelhos de sucção e canaletas embaixo das esteiras coletavam os restos humanos. Havia dor, gritos abafados de horror, e destruição por todos os lados, e os odores fortes e ácidos de sangue, bílis, e excrementos. Mesmo o frio Dan teve tontura, pareceu-lhe estar de volta aos domínios de Leviatã, num lugar assim, tão horrendo. Dan teve que contrair seu estômago, e se contorceu para frente, para não vomitar. Irada, a coisa que é Walter agarra seus longos cabelos e o puxa para trás, até poder “olha-lo” nos olhos de novo, e dizer:

_ Não canso de me espantar com a hipocrisia da sua raça. Está nauseado, senhor Dan? Está enojado sobre como minha espécie precisa da sua para cumprir uma função vital nossa: continuar existindo? _ ele dá uma risada distorcida, e prossegue: _ Já visitou alguma vez uma criação industrial de bois, porcos ou mesmo frangos, senhor Hindenburg? Eu também não, mas tenho acesso a Internet daqui. Nós infligimos alguma dor, algum terror, por algum tempo, para que possamos continuar a existir. Seus frangos, por exemplo, ao nascerem são moídos vivos quando têm muita sorte, senão vão sofrer por toda a vida. Vocês infligem dor e horror por toda a vida, anos a fio, de criaturas que mesmo não sendo inteligentes no mesmo nível geral de vocês, são sensíveis e conscientes, ou seja, experimentam a mundo, sentem dor e prazer. Vocês os obrigam a pavorosas vidas inteiras de dor, confinamento brutal, deterioração física e mental, e uma morte horrível no final, com um único fim: satisfazer seu prazer de devorar carne! _ A coisa parece se consternar um pouco, mas logo a seguir sorri sardonicamente, dizendo: _ Sinto muito, Dan, mas os humanos são tão ou mais bestiais que nós. Veja, aposto que você é capaz de adivinhar, pelo que viu, que nós não precisamos sair à cata dos índios, eles nos foram vendidos, a troca de algum ouro e prata que escavamos, pelos de sua própria espécie.

Ele solta Dan, que cai de joelhos, exausto diante da verdade simples e brutal: a vida vive de destruir e devorar a vida, mas os humanos são monstruosos com outras vidas apenas por ganância e, pior, por prazer, e nada mais. O Anha Ja desvia o olhar de Dan, sabendo que seus argumentos o desmoralizaram, e, contemplando altivo sua obra, olha por sobre todas as esteiras e diz:

_ Não, Dan, vocês não são em nada melhores que nós. Talvez sejam piores. Minha predecessora da Primeira Onda, Henzller, tinha planos mais... Imperialistas, creio. Eu sou mais metódico. Mais pragmático. Mais científico. Criei todo este processo. Não vou matar sua gente à toa, vou tirar de vocês apenas o que preciso, na esteira número um usamos o processo natural para pôr nossos ovos em representantes selecionados de sua espécie. Na esteira dois, nós inseminamos artificialmente reprodutoras de humanos geneticamente melhorados, estas também são selecionadas, e jamais serão hospedeiras enquanto puderem parir perfeitamente. O processo de procriação humana foi, claro, melhorado, e nossas procriadoras conseguem gerar humanos completos a cada quatro meses. Já nas esteiras finais temos a parte mais bela de todas, o nascimento. A beleza é que tanto humanos quanto nós nascemos ali, juntos. Repare que desenvolvi um sedativo especial que faz o hospedeiro não sentir a dor do processo de ruptura do seu tórax sem alterar a gana raivosa necessária ao nascimento de minha espécie... Enquanto não vêm para cá, os humanos vivem em um conjunto razoavelmente confortável de apartamentos que criamos abaixo deste nível, onde eram os laboratórios originais desta estação. E uma quantidade mínima é escolhida para o processo de fabricação de alimentos concentrados para nós. Usamos cerca de noventa por cento de proteína de animais inferiores e apenas as dez por cento necessárias vêm de vocês... Todo o processo, como pode ver, é (num termo usado por vocês) bastante “humano”. E quando o processo da Matriz Psi estiver reativado, terei dado aos espécimes humanos a oportunidade de não só servirem a criação de uma raça superior, que resistira e derrotará os Invasores, mas os humanos serão imortais, pois suas memórias primeiro virão para nós, e depois sobreviverão a nós, indo para nossos irmãos por nascer.

A coisa escancara um grande e horrendo sorriso e pergunta:

_ Um lindo processo, e um futuro glorioso, não acha, Dan? Nós estamos evoluindo, e vocês evoluem junto conosco.

...

_ Por qual motivo estou aqui? _ pergunta Tocandira, sem erguer os olhos.

_ Você é o Aryryi Ja,e alguns pajés lá embaixo profetizaram sua vinda, o que deixou meus espécimes um tanto agitados. Queria conhece-lo, pois em sua forma Tocandira você é muito semelhante a nós, e queria mostrar ao Aryryi Ja que não há escapatória. Agora que sabe que não somos maus, somos apenas seres vivos como vocês, e que surgimos para ocupar um lugar acima de vocês na cadeia alimentar, e que somos necessários para repelir a Invasão que virá na esteira do Livro do Destino, quero que se una aos outros, e medite. Quero que os ajude a aceitar os destinos deles. Prometo-lhe que será recompensado. Permitiremos que um pequeno grupo de humanos sobreviva, em sua forma original, pois podem contribuir intelectualmente com a nova cultura. Respeito a diversidade de formas e pensamentos. Assim, você, e quem você escolher, estarão entre estes que sobreviverão, prometo, e nunca descumpro uma promessa.

Dan, cabeça ainda baixa, respira fundo. Enquanto idéias brotam em sua cabeça, ele parece ouvir os sons do oceano em Niue, e sente novamente a dor da morte sem propósito de Okelani. Então ergue o olhar.

_ MENTIRA! _ Grita Tocandira, fitando o Anha Ja.

_ O quê? Eu não preciso mentir, Dan.

_ Precisa sim! É metade humano! E nós precisamos! A metade sua que foi ou é o Walter tem alma, tem coração, ele é um homem bondoso. Você precisa de nosso consentimento para nos exterminar!

_ Bobagem, eu sou o super-homem nietzscheano, não preciso de consentimento, ajo conforme um imperativo maior e mais importante do que tudo o mais, salvar este planeta! _ disse a coisa, expondo as garras espalmadas como que para dizer que seus argumentos não escondiam nenhum ardil filosófico, que eram crua verdade.

_ Precisa que nós humanos o perdoemos pelo que está sendo forçado por sua lógica a fazer! Você não é o Übermensch! É tão falível e imoral como todos nós, na verdade, moralmente, somos uma única espécie!

O monstro aproximou-se, subitamente, do rosto de Dan, e abriu a bocarra. Sua mandíbula interior, feita de dentes que pareciam lâminas de aço, projetou-se até quase atingir o rosto de Dan, que não se mexeu, mas disse:

_ Vocês também têm que conviver com a besta ancestral que existe em vocês. Você quer ter sentido, não quer apenas extinguir uma espécie, e seu animal interior quer que sua vítima aceite ser extinta! Vai a merda, monstro do caralho! Vai morrer sem sentido ou significado, como qualquer um de nós!

A coisa recolheu sua mandíbula de ataque, e levantou-se, tremendo e urrando algo que pareceu a Dan com:

_ Levem esta criatura irracional daqui!

_ Sub specie aeternitatis! 4_ Grita Dan. A coisa urrava, Dan era arrastado com brutalidade pelos outros Anha, mas continuava a gritar: _ Sub specie aeternitatis! Sub specie aeternitatis! Sub specie aeternitatis!

...

Dan é arrastado pelas criaturas até um elevador, que o deixa alguns pavimentos abaixo, então ele é jogado (livre dos grilhões) em um corredor branco, asséptico, longo. Na lateral deste corredor estão vãos sem portas, apenas cobertos por cortinas de palha finamente trançada. Assim que os demônios voltam ao elevador, rostos humanos começaram a aparecer através dos vãos. Índios, e alguns brancos. Todos muito assustados, a exceção de duas pessoas que se aproximam sem hesitar, e se agacham próximo a Tocandira que jaz desanimado e abatido, encostado em uma parede. As duas pessoas são um homem e uma mulher, ambos com mais de cinqüenta anos, ele um índio forte e empertigado, com olhar profundo e altivo, ela uma senhora muito bonita, cabelos louros curtos e ligeiramente grisalhos, e olhos azuis marcados por uma expressão determinada, mas doce. A senhora é a primeira a falar, em português:

_ Olá, meu jovem. Creio que você é aquele que o pequeno Earõ alardeou ser o anunciado Aryryi Ja, não é?

_ Não sou deus nenhum. Sou homem. Chamo-me Dan Hindenburg, mas tenho sangue índio, e meu nome índio, primeiro nome que tive, é Tourianké, senhora. Onde está Earõ?

_ É ele sim! _ Disse o índio, em Guaraní, enfeitado com os paramentos de um pajé _ Ele sente as idéias malucas na cabeça, correndo para frente e para trás, mas é que tem que falar com vivos o mortos todo o tempo.

A senhora assentiu apenas, e disse, também na língua indígena:

_ Entendo Chefe. _ e de volta a Dan, ela fala em alemão: _ Hindenburg. Fala alemão?

_ Sim. _ é a resposta de Dan, seca. Ao que a mulher prossegue, ainda em alemão:

_ Sou Roberta de Almeida, médica, trabalho para o governo brasileiro. Este é o pajé Ára Pytũ, agora chefe da tribo, visto que o cacique está morto. Precisamos conversar.

_ Eu creio que disponho do tempo que a senhora precisar. Mas antes, quero saber onde está o menino que me acompanhou até aqui! _ Seu tom de voz foi se tornando imperativo enquanto falava, e no fim estava quase ordenando que ela falasse sobre Earõ. Roberta piscou, talvez um tanto sentida com o tom do rapaz, e disse:

_ Sim, compreendo, não precisa gritar. Mas, como deve saber, este é um lugar onde só podemos amenizar o sofrimento inevitável das pessoas. Mas, visto que não posso melhorar a situação para o senhor, serei direta. Earõ está morto. Foi, como diz o alienígena chamado Walter, processado a mais ou menos seis dias atrás. Foi usado como hospedeiro.

Involuntariamente as mãos de Dan crisparam-se, seus punhos se fecharam, e os nós de seus dedos ficaram brancos e estalaram com a força feita. De cabeça baixa ele perguntou:

_ Seis dias? Estou aqui há tanto tempo assim?

_ Sim, está aqui há duas semanas, passou este tempo todo sendo estudado por Walter. Mas o tempo se esgota, preciso falar com o senhor sobre esperança. Não diga mais que não é o Aryryi Ja, por favor. Sei que não é um deus, mas este povo todo, todos nós, vamos morrer horrivelmente. Eles precisam saber que ainda têm alguma esperança. Muitos falam que o senhor veio transformá-los todos em Ape Ape 5, para picarem os Anha e depois fugirem daqui. Diga a eles que vai transformá-los em insetos voadores sim, mas quando morrerem, para levar suas almas aos céus, por favor.

_ Quer que eu minta para eles?

_ Quero que os acalente durante o momento final de suas vidas. Não quero que sofram nem enlouqueçam neste inferno superficialmente asséptico.

_ E a senhora, como faz para não sofrer, como faz para não enlouquecer?

Roberta ficou apenas olhando para ele. Ao fim de um longo momento, Dan diz:

_ Deve haver um modo de destruir essas coisas. Deve haver um modo de sair daqui.

_ Fale a ele sobre O Homem Louco. _ Diz o pajé, em Guaraní. _ Não falo a língua do Aryryi Ja, mas sou homem velho, sei entender olhos, ele tem fé ainda, coisa que a senhora não têm mais, Roberta. Tem bom coração, mas não tem fé.

_ Eu não sou Aryryi Ja, pajé! _ Diz Dan em Guaraní, sentindo a decepção de Roberta e o próprio peito ferver. _ Não tenho fé. Preciso apenas de equilíbrio, estou procurando a paz. E para isso tenho que me saber todo, inteiro, o espírito e a carne, o mau e o bom que há em mim. Por isso quero sentir todo o ódio por aquelas coisas. Quero rasgá-las e matá-las! Isso não é fé! Sei que somos tão imundos quanto eles, mas quero me entregar, conscientemente, ao meu instinto de autopreservação de destruir todos os Anha. Isso NÃO é fé!

_ Tourianké! Tempestade afoga, derruba e destrói, mas é apenas água, como a de beber e a de banhar. Se você quer destruir os Anha é por quê não tem fé na idéia de Walter (eu sei) de que as gentes devem dar lugar aos Anha, e significa também que Tourianké ainda tem fé nas gentes. _ disse Ára Pytũ, como um pai zangado corrige um filho tolo, apontando o dedo no peito de Dan, na altura do coração do jovem.

Um silêncio se faz, e depois Roberta toma as mãos de Dan, de forma quase afetuosa. Ele se levanta e a ajuda a se levantar, e então ela diz, em Guaraní:

_ Ele sempre tem razão. A gente acaba se acostumando. _ e sorri, caminhando e puxando gentilmente o jovem consigo. _ venha, Dan, você precisa conhecer O Louco.

...

Como todas as outras, era uma sala cuja entrada era coberta por uma cortina de palha trançada. Logo após a cortina, Dan viu um ambiente limpo e agradável, espartano, dividido em três setores: uma sala razoavelmente ampla, um banheiro, e uma cozinha. Ao que parece os habitantes índios tinham sido instruídos sobre a funcionalidade dos setores, e os usavam como brancos, entretanto sobre o sofá de alvenaria via-se colares e apetrechos de origem indígena. Num canto da sala havia um arco encostado à parede, e flechas no chão próximo ao arco. Havia plantas e flores por toda parte.

_ Uma família morava aqui. _ Diz Roberta, de braços dados com Tocandira _ Mas eles tiveram medo quando perceberam O Louco. Para eles O Homem Louco era um mau espírito. Então troquei com eles e eu mesma vim ficar aqui.

_ Este Louco está aqui agora? Onde? _ Perguntou Dan _ No banheiro? Como ele entrou?

_ Calma, Dan. Vou mostrar-lhe, venha.

Entraram por trás do balcão branco que servia para separar a sala da cozinha, e ela o fez se agachar ao lado da pia, dizendo:

_ Vê este cano bem largo aqui? Achamos que é um respiradouro de algum tipo. Há uma junção móvel aqui, veja, de forma que ele pode ser aberto para ser limpo, ou algo assim. Bem, o que aconteceu foi que a mulher que cozinhava aqui preparava comida quando ouviu um chamado. Como reconhecesse que era uma voz que parecia vir de debaixo da bancada, e que falava “língua de branco”, ela me chamou, e eu soube que um homem, que parece viver em algum nível bem abaixo de nós, estava gritando por este tubo. Ele disse que era um prisioneiro, como nós, mas que habitava um nível mais baixo do inferno, e queria nos dizer uma coisa, que descêssemos um fio, um barbante, qualquer coisa. Eu arrumei um longo fio e quando abri a junta do tubo, senti um odor putrefato, mas mesmo assim desci por aqui o fio, quando já estava quase no fim do carretel, ele o pegou, e quando puxei, havia um papel enrolado na ponta. _ ela enfiou a mão no bolso de sua calça e retirou um pequeno saco plástico e o entregou a Dan, dentro do envelope havia o Arcano sem número do Tarô 6. A carta estava coberta de manchas de sangue seco. _ Perguntei o que queria dizer, e ele disse apenas que este era seu nome. Ele disse que estava esperando algo, e que nós saberíamos o que ele queria um dia. Perguntei onde ele estava, e ele repetiu apenas “no inferno, no inferno”. É um homem muito inteligente, ao que pude notar, mas está de fato insano, pois às vezes fala horas seguidas fórmulas e equações que não entendo, outras horas recita trechos bíblicos, ou poesias, e então pergunta se já temos o que ele quer.

_ E a senhora acredita que foi isso que o pajé quis dizer, que eu posso ser o que ele espera?

_ Aquele homem tem um instinto impressionante. _ Ela se levanta, pega uma peça de cerâmica, e bate com ela três vezes no cano, pára, e volta a bater três vezes, enquanto diz para Tocandira: _ É assim que ele gosta de ser chamado.

Esperam por um momento em silêncio, e então Roberta repete o processo. Mais uma tentativa foi necessária, e então, vibrando pelo cano, ouviu-se um retinir surdo que deveria vir “do inferno”. Dan sentiu que, de fato, naquela vibração, havia mais, havia algo de místico, e de profundamente malévolo. Mas ainda assim seus instintos diziam que aquele caminho era importante. Com gestos, Roberta fez Dan encostar o ouvido ao cano e então o jovem pôde ouvir, à distância, uma voz definitivamente humana que dizia, em inglês:

_ Saúdo aqueles que logo se juntarão a mim! Têm algo novo para mim, Roberta. Ou quer apenas jogar mais xadrez?

Roberta pousa a mão sobre o ombro de Dan, e quando ele olha para ela, ela diz:

_ Será mais fácil abrir a junta, para ele te ouvir. Mas o cheiro é terrível mesmo, então o que eu faço é pôr as mãos assim, em concha, colar elas contra a superfície do cano, e gritar para ele por elas.

Dan seguiu o conselho de Roberta, e gritou para aquele Arcano perdido:

_ Eu sou Tourianké! Quero saber quem é você?!

Silêncio.

_ O que O Louco espera para trilhar seus novos caminhos?! _ Pergunta Dan, com um novo grito.

Silêncio. Mas antes que Dan gritasse de novo, o homem lá embaixo disse, numa voz emocionada, e insana:

_ Eu o tenho em meus registros, e posso lembrar de sua voz perfeitamente, minha memória é fotográfica: Tocandira, dos Remanescentes. Até que enfim, eu esperava você.

...

Dan abriu a conexão do tubo, e de fato veio dali um cheiro nauseante de putrefação, mas mesmo assim o jovem aproximou-se da abertura, olhar intenso e concentrado, e gritou:

_ Como sabe quem eu sou?! Para quê estava me esperando?!

_ Eu esperava por ajuda para limpar este lugar.

_ Sabe como destruir estas coisas?!

_ Sim.

_ Como?!?

_ Ah, meu caro, isso só te digo pessoalmente. Se bem me lembro, você é conhecedor do (como é mesmo que esses maravilhosos brasileiros dizem?) “andar de baixo”? Pois bem, meu bom Tocandira, eu o espero aqui. Desça, e te mostro como (que delícia) destruir essas coisas!

_ Como eu faço para descer? Como eu faço?!

_ O mesmo elevador que deve ter te levado até aí. Só tem que descobrir um modo de passar pelos cães de guarda alienígenas do Walter. Preciso ir agora. Quando chegar você... Não, não se preocupe, o som aqui circula e ecoa muito bem, quando chegar, eu vou ouvir você chorar.

_ Eu vou aí! Quer que leve remédios?!

Silêncio.

_ Louco!

Silêncio.

_ Roberta! Como eu faço para chamar os Anha aqui? _ Disse Dan, voltando-se, tenso, para a senhora que o acompanhava. _ Quando eles descem? Como faço.

_ Calma, Dan. Seria suicídio! Mesmo que consiga feri-los, o sangue deles vai dissolver sua carne.

_ Responda minha pergunta, mulher!!! _ Gritou Dan, segurando de forma bruta o pulso de mulher, seu olhar tão intenso que não admitia recusa. Roberta recuou, assustada, mas respondeu:

_ Eles virão amanhã à noite. Há um relógio no corredor, e quando ali marcar 20:00 horas, eles estarão aqui, para trazer comida e levar mais algumas pessoas. Em mais ou menos uma hora deverão citar os nomes pelo sistema de comunicação.

Sem pedir desculpas, sem a menor reação emocional à mágoa de Roberta (que esfregava o pulso dolorido), Tocandira se levantou e saiu pelo corredor, procurou uma sala vazia, depois de algumas tentativas (e de algumas pessoas assustadas pelo homem cuja aura era sensivelmente obscura) ele achou um cômodo vago, e entrou nele. Descobriu como se apagavam as luzes e sentou-se no meio da sala, em posição de lótus, meditando, entregando-se às suas sombras interiores, mergulhando em sua própria escuridão, descendo, descendo, descendo. Queria entregar-se ao seu lado místico, aquele lado que estava mais impregnado dos reinos de Leviatã, queria uma força selvagem, que o levasse primeiro a ter uma visão do que o aguardaria lá embaixo, na “casa dO Louco”, mas tudo que pôde sentir misticamente foi uma intensa ânsia de vômito. Então se controlou, e mergulhou ainda mais em si mesmo. Atravessava paragens mortas de sua psique, lugares desolados, sentimentos amorfos de dor e perda, encarava o trabalho de Sísifo, no coração de Hades, e percebe o horror absoluto não de uma existência que não tivesse significado, encara o corrosivo horror maior, o de uma existência que, em hipótese alguma, admitia qualquer tipo de significado, e então compactuou-se com a alma e os pensamentos de Leviatã, e sentiu que no fim, de fato ele, a escura morte do calor, vazia, sem consciência, poderia ser a campeã na luta maniqueísta entre a Luz e as Trevas. O próprio Dan, um fiapo de luz no inferno, suspirava, derrotado.

_ Só existe um modo de vencer aquelas coisas... _ Ouviu da voz do próprio Senhor da Perfídia _ Ser totalmente meu. Mas não se preocupe, meu delicioso principezinho, meu pequeno príncipe, vou te ajudar, meu amado, vou te permitir ir um pouco mais além, mas lembre-se, no fim tem que se entregar aos meus desejos.

Dan desperta, havia perdido a sensação de tempo e espaço. Alguém abre a cortina que cobre a porta de onde ele está. É Ára Pytũ, que diz, assustado com a silhueta inumada de Dan no escuro, em Guaraní:

_ Aryryi Ja, é a hora que pediu a Roberta, os Anha estão descendo, já ouvimos eles vindo.

Dan levantou-se, estava mais de um metro mais alto que Ára Pytũ. O pajé, olhos arregalados diante do que para ele é um deus, sai de seu caminho, enquanto, encouraçado por sua armadura insetóide repleta de ferrões, de um negro cheio de matizes incandescentes de vermelho, o Tocandira entra no corredor, sua voz, monstruosa e demoníaca, diz:

_ Saiam todos do caminho! Aryryi Ja quer os Anha!!! _ Três demônios desciam do elevador, aparentemente desconcertados com a presença de Tocandira, mas sibilavam e se retesavam, rugindo, prontos para entregarem-se a fúria insana do combate com o Senhor dos Insetos.

Tocandira, olhos vítreos em chamas, num ímpeto selvagem, rugiu de volta, um som apavorante que fez os humanos correrem, se esconderem, berrando e chorando. O rugido de Tocandira, que fazia vibrar as paredes e recuar os Anha, era um som jamais ouvido, nem rugido nem zumbir, fazia os dentes dos humanos baterem e vibrarem, como o retinir de um diapasão7 gigante, o som terrível entrando-lhes ossos adentro, crânio adentro, alma adentro. Enquanto os homens, mulheres e crianças tentavam sobreviver ao som da voz de Belzebu, o Aryryi Ja disparou, seus passos como trovões, e saltou sobre os Anha, que, por instinto, saltaram sobre ele, e o choque das bestas ensandecidas foi como dinamite!

...

O que vai ser descrito aconteceu num átimo de tempo. A luta foi breve e brutal, tudo aconteceu muito rápido, assustadoramente rápido, num tempo cuja história escrita não pode acompanhar. Humanos correm apavorados das primeiras salas do corredor, tentando fugir ao choque de titãs. Uma mulher mal tem tempo de arremessar seu filho para que outra o pegasse e fugisse com ele, e foi cortada ao meio pelo chicotear da cauda de um dos Anha. A brutalidade do combate destroçava as paredes, e ribombava no chão como pequenas explosões. Tocandira, no primeiro choque com os Anha já esmagou a cabeça de uma deles, cujo corpo, cego, debatia-se no chão (deste foi a cauda que matou a pobre índia). Os outros dois estavam enroscados, em frenesi furioso, ao corpo de Tocandira, disparando sem piedade sua mandíbulas de ataque, que arrancavam pedaços da couraça do Aryryi Ja, enquanto este projetava seus ferrões nos punhos e socava um deles com máxima brutalidade, tanto que o peito do que era atingido por Tocandira se esfacelava rapidamente, espirrando os seus ácidos que corroíam paredes, pessoas, e a própria armadura do Aryryi Ja (que, entretanto, ficava esbranquiçada e se reconstruía com uma velocidade imensa, só aqui e ali se podia ver breves relances da musculatura titânica por baixo da couraça que logo se reconstruía). Com uma de suas imensas mãos nodosas em forma de espátula, Tocandira atravessou de um só golpe o peito do Anha que ele golpeava, mas, diferente do que costumava fazer, abriu ao máximo suas próprias garras enquanto sua mão estava do outro lado do peito da criatura, e puxou o braço de volta, urrando com profundo e horrendo deleite quando explodiu o tronco do Anha e fez seu sangue ácido encharcar tudo à volta. A seção do corredor próxima ao elevador já desmoronava poço do elevador adentro, quando Tocandira partiu para o último Anha, que havia conseguido enfiar no abdome de Tocandira o aguilhão da ponta de sua cauda. O Aryryi Ja fazia um novo som apavorante, um som talvez menos intenso que seu rugido, mas certamente que incutia um medo mais visceral nos humanos sobreviventes (por sorte a maioria) que assistia o confronto de longe: Tocandira gargalhava, num grau de insanidade crescente, quando fez sua couraça crescer em torno do aguilhão do Anha e prende-lo ao seu próprio corpo, e agarrou com ambas as mãos à cabeça do Anha, enfiando os dedos em sua mandíbula externa, e rasgando-a! O Anha usava garras e a mandíbula de ataque para ferir o Aryryi Ja, cujo sangue de um rubro quase negro escorria abundante também, mas Tocandira parecia sentir um prazer obsceno com o que acontecia, erguendo a cabeça para o ar, urrando e gargalhando, rasgava a cabeça do Anha em dois, e de uma bocada, mordeu e arrancou fora a mandíbula de ataque do Anha, que gorgolejou seu próprio sangue ácido e morreu. No fim, após arrancar sem cuidados o aguilhão do último Anha de seu próprio corpo, havia apenas Tocandira, arfando ruidosamente, rindo sua gargalhada insana e demoníaca, baixinho. Então o chão cedeu de vez, e o Aryryi Ja mergulhou no fosso do elevador, rumo ao inferno.

...

Poderia ter caído cem quilômetros ou cem metros, não importa. Dan estava mergulhado em dor e trevas. O fiapo de Luz que era ele próprio, sua imagem pessoal de si mesmo, a imagem que norteou sua decisão, quando ingressou nos Remanescentes, de seguir O Caminho do Guerreiro e de não matar, esta pequena réstia de Luz se debatia, lambida e mordida pela treva profunda a sua volta, pois tudo em Tocandira, imenso como estava, era quase cem por cento escuridão, quase todo ele era Leviatã. Lá fora, fora de si, ouvia sua própria gargalhada insana, sentia seus membros batendo nos destroços do poço do elevador, seus ossos quebrarem e se reconstruírem, sua quitina se esmagada pelo seu próprio peso e se refazer enquanto uma voz horrenda murmurava “meus desejos, meus desejos”. Ali dentro, dentro do fiapo de Luz, ele lutava com todas as suas forças para sobreviver, pois havia decidido enfrentar fúria com fúria, e se esqueceu que quando se assina um contrato com o diabo, é preciso pagar no final. Havia uma imagem sua ali, sim, belo, humano, seus longos e sedosos cabelos negros esvoaçando em uma brisa mística, que parecia sustentar a pequenina bolha de luz onde tudo que restava de Tourianké ainda existia.

_ Olá, Dan. _ Disse Okelani, fluindo da melhor parte de seu coração para seu lado, dentro da réstia de luz.

_ Tenho tanto medo, Okelani.

_ Eu sei, meu amor. Por isso voltei.

_ O que há depois, Okelani?

_ Esperança, Tourianké.

Do lado de dentro, houve um fortalecer na brisa, e um rasgo de luz cruzou a escuridão, fazendo-a regredir como uma tormenta negra. Do lado de fora Tocandira caiu em algo relativamente mole, que amorteceu sua queda, ouviu estalos úmidos e esguichos, e parou, imóvel, num lugar escuro, fétido e amargo. Dan abre os olhos no mesmo instante que luzes intensas e automáticas se acendem, seus olhos, novamente humanos, ofuscam-se. Mas assim que pôde enxergar, veio o pavor.

_ Oh, meu Deus!! _ Grita Dan, usando braços e pernas para tentar sair de onde estava. _ Oh, meu Deus! Meu Deus!

_ Bem-vindo ao poço de manutenção do reator principal. _ repete uma voz feminina, gravada. _ Tenha cuidado com os exaustores de calor, use uniforme completo padrão alpha. Bem-vindo ao...

Enquanto tentava sair do amontoado movediço de carcaças humanas, ensopando-se de sangue e líquidos que escorriam dos restos, Dan sentia seu estômago contrair-se violentamente, em ânsias de vômito, cheiro apavorante, e sua mente não conseguia abarcar todo o horror da cena e manter-se sã. Então, enquanto se debatia para chegar a um passadiço que circundava o fosso cheio de restos humanos que apodreciam lentamente, Dan parou, gelado, olhar fixo.

_ Oh, macaquinho... Menino bobo... _ Nem havia percebido que chorava aos prantos já há alguns momentos. Era horror demais. Dor demais. O ar estava impregnado de tanta dor, que agora ele ouvia claramente o lamento místico e desesperante dos mortos. Dan ergueu o corpo de Earõ nos braços, ao menos o que restou dele, e gritou não de raiva, mas de tristeza, uma tristeza que era sua e de todas as almas destruídas ali.

Na parede do fosso, acima do passadiço, uma porta estaque, de aço maciço, manchada de sangue, abriu-se, dali emergiu O Louco, que disse, sua voz fria como o inferno deve, enfim, ser:

_ Dan, eu sabia, fez igual a mim, trouxe consigo sua esperança. Devia ter deixado ela lá em cima, lá fora. De qualquer forma, seja bem-vindo.

Dan, olhos marejados, ainda soluçando, reconheceu finalmente O Homem Louco.

...

As paredes de concreto, circulares, daquele lugar amaldiçoado pareciam, ao menos aos olhos de Dan, às vezes dissolver-se em brumas fuliginosas (atrás das quais via-se claramente legiões de monstruosidades abissais), e o mar de corpos e restos humanos onde ele estava mergulhado (agora até a altura do peito) parecia rodopiar como um lento sorvedouro. Dan sabia, claramente, que aquele sorvedouro, feito de morte dolorosa, era uma das entradas que o homem cria, quando libera o pior que há em si, para as regiões infernais de Leviatã. Então, contrariando o que diz O Louco, Dan não estava no inferno, mas em uma de suas muitas ante-salas. Ainda assim era um lugar tão horrendo que talvez Dan preferisse ter mesmo ficado em sua forma demoníaca e desesperançada, pois ter algum bom sentimento ali doía como um sangrento ferimento físico.

Eu amo este mundo, meu principezinho...” _ Dan ouvia a voz horrenda escoar como por corredores escuros, através das paredes e dos olhares vítreos dos corpos sem vida _ “De um modo ou de outro, meus desejos sempre são satisfeitos”.

Ainda com lágrimas amargas escorrendo-lhe pelo rosto, Dan sacudiu a cabeça, afastando um pouco a voz e a presença do Odioso, e aceitou a ajuda dO Louco para sair do poço de almas destruídas onde estava. Tentou passar, com cuidado, aO Louco, primeiro o pequeno e mutilado corpo de Earõ, mas, com um suspiro desdenhoso, O Louco apenas agarrou o corpo do menino e o colocou de lado sobre o passadiço como quem deixa de lado um pedaço inútil de pedra. Então agarrou a mão de Dan e o trouxe para cima.

_ Hingrid. _ Disse Dan, secamente, em inglês.

_ Não, sou um clone do inimigo dos Remanescentes chamado Dr. Hingrid... _ Diz O Louco, com uma mesura desapropriadamente alegórica _ Poupado de ser hospedeiro para poder fazer a manutenção da infraestrutura deste laboratório. Eu trabalhava lá em cima, mas quando Walter me pegou tentando fugir me colocou aqui, onde devo fazer a manutenção somente do reator principal. Se eu não fizer a manutenção corretamente, vôo pelos ares junto com o reator.

_ Então esta é a maneira de destruí-los? _ Pergunta Dan, arfando, usando de todo seu treinamento místico para se manter na realidade, e não se deixar entrar de vez nas terras de Shaikan _ Mas então para quê precisa de mim?

_ Esta não é a maneira de destruí-los, meu bom Tocandira, esta seria apenas a maneira de deixa-los sem energia e apressar os planos de Walter para expandir mundo afora sua prole alienígena. Se eu explodisse isso aqui acabaria comigo mesmo e com o depósito de comida deles, pois há um escudo de mais de trinta metros de chumbo e concreto reforçado acima de nós. No máximo causaria algum dano através do poço deste elevador que você arrombou. Que lindo trabalho, heim. Logo Walter deverá mandar dúzias de seus lacaios aqui atrás de você, venha, temos pouco tempo, me siga, que explico no caminho o que você deve fazer.

_ Espere! Por quê está fazendo isso?

_ Por quê vir para cá me colocou no caminho dO Louco. Assim, foi necessário acreditar em novas coisas, e ser coisas que o próprio Hingrid jamais poderia ser, pois não viveu o que vivi. O que vivi me define, e como não há outro meio de eu ser eu, e não ele, vou jogar o jogo de Walter até o fim, dominar o dominador, com a cartada que me resta! Talvez eu nem seja tão louco assim, no sentido pejorativo. _ E deu uma prazerosa gargalhada. Depois deu tapinhas nas costas de Dan, dizendo: _ Ah, meu bom amigo, venha, venha, ou já os ouço chegando!

E de fato podia-se ouvir os sibilos das coisas horrendas, descendo velozmente, pelo poço do elevador. Vendo que Dan hesitava junto ao corpo de Earõ, O Louco diz:

_ Ora, homem, largue este casulo! Está vazio! Esta borboletinha voou para longe, idiota! Venha, vingue-se, divirta-se como eu, ou sei lá que diabos ache que está fazendo, mas faça. Venha! Depressa!! Senão morre aqui sem chance de fazer mais nada!!

Atravessaram, juntos, pela porta de aço, no exato instante em que os Anha começaram a cair pelo poço do elevador, alguns correndo pelas paredes, outros despencando no meio dos restos humanos, todos vindo velozmente atrás dos fugitivos. O Louco fechou a porta atrás de si no último instante. Ouviram o ribombar das criaturas batendo ferozmente contra a porta, enquanto disparavam por um corredor úmido e fétido em direção oposta.

_ Não se preocupe, a porta deve segurar aquelas crianças de satanás tempo o suficiente. Venha!

_ Você disse que iria explicar Hingrid...

_ Não sou Hingrid, diabos, já falei!

_ Você disse que iria explicar o que podemos fazer contra eles! _ Dan tinha que se concentrar, pois enquanto corria atrás dO Louco, por vezes estava no escuro corredor, por vezes estava nas planícies do inferno, por vezes sentia desespero, por vezes alegria, os momentos se misturando.

_ Oh, sim, claro, meu jovem! _ Disse ele, se abaixando e passando por baixo de um anteparo de aço que zumbia por conta de alguma vibração de origem insondável. Enquanto passava por baixo da peça, O Louco a tocou como quem toca uma amante, e disse. Olhando rapidamente para Dan: _ Está quente! Cuidado com a cabeça! Vamos explodir isso aqui embaixo!

_ Você disse que isso não adiantaria!

_ Mas vai criar uma excelente distração quando a linda fábrica lá em cima parar.

_ E daí? Preciso que seja mais objetivo.

_ Está pedindo objetividade a um homem que só existe ainda por ter abraçado a total insanidade! Você tem um senso de humor doentio, meu rapaz! Diabos se tem! Mas veja, você sobe por uma saída que construí, e desperta a Matriz Psi. Ela vai perder a telepatia, é sua trava de segurança, mas deverá manter o poder mais original, a telecinesia, e com ela esmagará Walter e os outros. Chegamos!

Quase não conseguindo parar, Dan por pouco não se joga junto com O Louco num abismo de rocha, escavado nas profundezas daquela base, uma coluna oca de uns seis metros de largura. Ali parecia ser um entroncamento de canos e conduítes. Viam-se túneis mal acabados vindos de todas as direções que acabavam ali. O Louco começou a falar:

_ São túneis construídos bem antes desta base. Não sei por quem. Contrabandistas? Alienígenas em forma de minhoca? Algum ser vivo terrestre e desconhecido, alguma toupeira gigante? Eu estou completamente errado e eram túneis feitos pelos operários que construíram esta base? Acontece que abri caminho cavando com minhas próprias mãos durante dois anos, e achei isso aqui. Fiz esta corrente aqui usando restos de metal e alguns equipamentos que encontrei, com ela consigo puxar aquelas outras correntes ali e subir por elas, tem um motor nelas. Se olhar para o alto, verá que esta coluna oca vai até o solo lá em cima. Vê? É dia, vê a luz do sol? Tome a corrente que eu fiz, suba, mas não vá embora, vai encontrar quase lá em cima uma porta estaque que eu deixei destrancada. Entre por ela, cerca de seis metros a frente encontrará quatro alienígenas tomando conta de uma porta de aço polido. Passe por eles e sussurre no ouvido da Matriz Psi a frase “desafia o nosso peito a própria morte”. Isso vai despertar a Matriz, e ela ficará furiosa porque deveria estar dominando, confie em mim.

De algum lugar bem atrás pelo corredor de onde vieram, ouve-se um grande estampido metálico, e um chiado ácido e estridente, então fica claro: os Anha passaram pela porta de aço, e estão vindo.

_ Não vai dar tempo de você explodir o reator! _ Disse Dan, pegando a corrente da mão dO Louco. Ao que o outro responde, com um sorrisinho muito malicioso:

_ Ora, Dan, o reator precisa de tempo para superaquecer e explodir. Eu “explodi” o reator ontem mesmo, imediatamente depois que nos falamos. Para ser sincero, não faço a menor idéia do por quê não explodiu ainda. O núcleo do reator está bem além do limite vermelho de temperatura, deu pra sentir no anteparo de irradiação lá atrás. Vai! Vai! Vai!

_ Venha comigo!

_ Não posso! Vou fazer este túnel aqui desabar para te dar mais tempo!

Dan agarra a corrente, lança, puxa a outra corrente para si, e salta agarrado nela, deixando a outra corrente cair.

_ Eu instalei um motor elétrico no topo, veja, um metro acima de você está o acionador! Rápido, eu vou ser apenas um lanchinho rápido para essas coisas!! E elas nem vão precisar das correntes para subir quando chegarem aqui!

_ Porquê não usou este caminho para fugir?

_ Por quê eu sou Louco, diabos! Vai!

Dan agarrou o interruptor e o acionou, e o motor começou a tracionar a corrente. Quando estava na altura da porta mencionada pelO Louco ouviu uma explosão, pensou ser o reator e agarrou-se à corrente cerrando os olhos, mas era apenas o desabar do túnel abaixo. Olhou para baixo e viu um violento jato de poeira e destroços jorrando pela boca do túnel de onde veio. Ainda assim viu pelo menos dois Anha saltarem e se agarrarem nas paredes da coluna oca. Eles tinha passado pelO Louco! Dan deu o maior salto que já conseguiu em sua forma humana e agarrou-se aos anteparos de metal da porta. Abriu e entrou depressa, girando o lacre por dentro quando duas coisas aconteceram: uma Anha chocou-se contra ela, e logo a seguir tudo tremeu violentamente, brutalmente, como se toda a base estivesse desabando.

O reator principal explodiu, o pequeno e estreito corredor se desfazendo, e Dan podia sentir mais que a concussão absurdamente brutal da explosão, ele pôde sentir a realidade ranger e gritar de dor, rasgando-se enquanto era invadida pelo Reino de Shaikan.

Então, tudo que sobrou foi escuridão.

...

A onda de choque da explosão foi bem pior do que O Louco havia calculado. O plano não deu certo. Todo o solo sob a base cedeu, e a própria base afundou vários metros. O Módulo principal, onde estavam os alojamentos e laboratórios principais, aos quais Dan quase havia chegado, eram sísmicamente reforçados para sobreviver àquilo tudo, mas o pequeno e esquecido acesso em que Dan estava fez-se em pedaços. O jovem estava soterrado sob escombros e entulhos, corpo em frangalhos, e, a beira da morte, sua mente já caminhava por longínquas paragens, distante do inferno em que seu corpo jazia. Caminhava por um lugar bucólico, ao longo de uma cerquinha branca de madeira, até encontrar a entrada para o outro lado da cerca.

_ Olá, Vigilante da Entrada do Limbo. _ cumprimenta Dan, que já esteve ali antes.

_ Olá, Tourianké. _ Responde a voz que vem de uma simples barraquinha de madeira e pedra caiada, vazia, a beira da porteira que limita imaginariamente o Limbo.

_ Eu vou ficar aqui. O demônio que há em mim fica para trás. Na Terra há tanta dor, e falta de sentido. Aqui é tranqüilo.

_ Aqui é o limiar do Mistério, Dan, tem que ser, por definição, tranqüilo. Mas você não deve vir para cá. _ disse a voz, transmutando-se em uma voz pequenina, enquanto Earõ saía de dentro da barraca.

_ Oh. Então você não era menino, era vigia. _ Diz Dan, percebendo que, apesar de não falar língua alguma, está usando a entonação do Guaraní.

_ Não, Aryryi Ja, eu fui menino mesmo, nasci, cresci e morri as mesmas Ilusões de todos. Alma pode estar em muitos lugares ao mesmo tempo. _ e dando uma piscadinha, completa dizendo: _ Ainda mais alma de índio, que nasce imensa.

_ Deixe-me ficar, Earõ, sinto dor, choro muito, meu corpo está em pedaços, eu tentei, mas falhei em dar uma chance às gentes. É a vez dos Anha na Obra.

_ O caso não é de quem é a vez, Aryryi Ja, pois para Ele tudo é ao mesmo tempo, mas de quanta Verdade você pode dar a Deus. E sua Verdade não termina aqui.

Dan fica olhando Earõ com infinita tristeza. Sabe que não poderá viver na Cidade Eterna, mas quer ao menos o martírio mais leve do Limbo. Quer a chance de enfrentar seus medos. Parecendo que o indiozinho lê sua mente, e percebe sua angústia, Earõ (envelhecendo diante de Dan) diz, indicando o caminho da porteira adentro para o jovem:

_ Mas Deus não é tirano, meu amigo. ELE te ama. Vá por onde quiser ir...

Feliz, Dan diz Adeus à vida sombria, ao planeta sombrio, à dor pungente de existir. E entra no Limbo, pronto para... Quase tudo.

...

Uma única respiração enchia o peito de farpas de aço.

_ P...Porquê, Earõ?... _ balbucia Dan, a boca ensangüentada. Tudo é dor.

Está totalmente paralisado. Sua coluna tinha se partido em vários pedaços, seu intestino tinha se perfurado com vergalhões e lâminas de aço que o tinham atravessado, e enquanto arfava buscando ar, seus pulmões se enchiam de sangue, e ele engasgava, tossindo sem parar, e sentindo ainda mais dor.

Todos os seus caminhos levam ao que você precisa ser: sua Verdade, que será entregue no fim, a Deus...” _ diz a voz do velho menininho num sussurro que poderia ser apenas o ar se infiltrando, escuridão adentro, entre os escombros sob os quais Dan é martirizado. Tocandira sente dores horríveis, e diz, ouvindo o sussurro ao mesmo tempo:

_ Deus só me deixa um caminho... _ “Deus não se intromete” _ Deus me abandonou... _ “tu és Deus, ELE também sofre” _ Estou perdido, então me entrego... _ “pelo vale das sombras das tuas escolhas ELE é contigo...” _ Aos desejos do Odioso Leviatã...

Um vergalhão, que atravessa o abdome de Dan, se parte em dois pedaços quando seu corpo começa a expelir e enrijecer a quitina. Os escombros sobre ele começam a ranger e subir, enquanto seu tórax triplica de diâmetro. Seus pulmões expelem o sangue coagulado com uma poderosa expiração. Sua coluna provoca um som poderoso e surdo quando se desloca para o lugar, sustentada por miríades de membranas fibrosas que percorrem seu corpo restaurando e reconstruindo tecidos. Até seus ossos, em alguns pontos transformados em pó, eram restaurados por fibras de quitina mais duras que titânio. Tocandira arrancou de si mesmo uma longa lâmina de metal cortante, que estava fincada em sua coxa esquerda, e, segurando pela extremidade, apertou, com grande ódio, até ali ficarem os vincos nos quais encaixavam-se perfeitamente seus dedos.

Apenas não esquece, Aryryi Ja...” _ Diz a imagem surreal de um Earõ que ao mesmo tempo é velho e menino _ “Nem os deuses, nem os demônios podem controlar sua vontade. O que o branco chama de livre arbítrio, e que a filosofia do branco diz não poder existir, é, agora, teu bem mais precioso. Siga por ali, e vai chegar ao fio da tua Verdade”.

...

Há quatro Anha em frente à porta de aço polido. Toda a seção dos laboratórios havia sido poupada, e o próprio Walter se ocupa agora de resgatar os de sua espécie e sua criação de humanos que sobreviveram mas estão soterrados por todo canto. Walter também procura, sedento de sangue, por Dan. Sem dizer nada que se parecesse com uma língua, os Anha conversam. Entre rosnados e grunhidos disformes, trocam informação por microondas, os de sua espécie podem fazer isso assim como golfinhos podem usar sonares para comunicação. Falam sobre a ansiedade que sentem (não era natural de sua espécie sentir medo, apenas fortes graus de ansiedade e dor) com relação ao futuro. Desejam ser livres daquele lugar, correr livres. Atrás da parede frontal Tocandira os ouve, e por artes arcanas infernais, os entende até certo ponto. Os Anha querem viver. Os Anha lembram que foram criados eles próprios como gado por aqueles seres que eles chamam de algo que pode ser traduzido como “Bocas Escancaradas”, e que foram escravos de caça. Mas que pela primeira vez, sabendo pensar mais claramente do que sabiam quando foram criados, querem viver e ser livres, seguindo apenas seus instintos e sua natureza predatória. E talvez um dia encontrar a tal nave mencionada por Walter, Verpeenian, dos próprios “Bocas Escancaradas” (era a teoria deles) e destruir seus amaldiçoados criadores. São criaturas da Obra, são criaturas que vieram à vida pelas mãos de outras, mas ainda assim fazem tão parte da Criação quanto os leões, as cobras, as hienas e os predadores mais apavorantes e mortais. Têm tanto direito à vida quanto qualquer ser vivente. Dan/Tocandira entendia isso, ainda melhor agora que os ouve conversar, escondido atrás da parede de concreto. E Tocandira faz sua primeira escolha.

A parede explode, e Aryryi Ja mata todos os Anha.

...

A porta de aço está derretida e retorcida para dentro. Um Anha esmagado e alguns murros fizeram o trabalho. Num leito hospitalar sofisticado, cercado por uma constelação de aparelhos médicos e sensores, dorme calmamente um homem. Fios e tubos formam uma rede sobre o paciente. Tocandira, dolorosamente marcado pela luta de um momento atrás, aproxima-se do leito o mais silenciosamente que pode (mas estando em sua forma demoníaca, até sua respiração parece o som de uma fornalha). Fica olhando silenciosamente por um longo tempo para o homem.

Seus insetos tinham nojo dos Anha, por isso não os via por ali, mas mesmo assim, ele os chamou, com tanta fúria dentro de si, que eles vieram, e caminhavam, arrastando-se a adejando, por toda parte, especialmente em torno do Aryryi Ja, e deixam um espaço vazio apenas à volta do homem no leito.

Tocandira percebe que o homem é, possivelmente, um clone. Tem quase certeza que o conhece. Mas seu crânio, por alguma alteração genética engendrada pelo Anha Ja, está maior que o de um ser humano normal. Há um prontuário médico na mesa de cabeceira, onde se lê um código: “Clone-3onda-Daniel-Cunha-Fúria-Dragões-da-Independência-0965289155-X”.

Tocandira se abaixa, formando uma sombra poderosa sobre o homem sedado, e tenta murmurar (com sua voz infernal):


_ Fúria. “Desafia o nosso peito a própria morte”.


Fúria desperta. Abre os olhos. Lembra.


Eu deveria estar no lugar que Walter ocupa!” _ Tocandira ouve a poderosa “voz” da Matriz Psi em sua mente. _ “Ele me arrumou uma prisão eficiente. Há mecanismos para me destruir se eu despertasse. Logo estarei morto, mas se eu não vou mais existir, nenhum de nós, aberrações malditas, vai existir mais!”


Enquanto uma lágrima escorre de seus olhos, cuja expressão é de um ódio desmedido, a Matriz Psi, o clone de Fúria dos Dragões da Independência, percebe que está perdendo um de seus dons, está perdendo a sua monstruosa (ainda mais que de seu doador original) telepatia, então rapidamente contata o Fúria original. O agente brasileiro está em missão, em um navio a caminho do pólo sul, acompanhando uma expedição científica, quando subitamente recebe o contato da Matriz Psi, que como um palimpsesto 8 lhe envia uma grande quantidade de informação mesclada, de uma só vez, sem ter certeza de que Fúria entenderia. A Matriz Psi apenas carrega o cérebro do Fúria original com todo os dados que dispõe acerca do projeto que criou os monstros amazônicos, e qual sua finalidade, uns por sobre os outros. Fúria, em convulsões, instintivamente afoga a maior parte das informações para seu subconsciente, para sobreviver incólume ao choque, mas, exaurido, desmaia no tombadilho do navio, no meio de seus colegas assustados.

A seguir a Matriz Psi localiza o mais rapidamente que pode todos os Anha na base, e os mata. Por todo o lado os Anha rugem de dor, e são esmagados até que toda a matéria de seus corpos passa a ocupar uma esfera não maior que uma bola de tênis. Estas esferas, assim que livres da telecinesia da Matriz Psi, caem no chão como bombas ácidas, corroendo o piso até jazerem em seu descanso eterno em algum leito rochoso abaixo da base.


A Matriz Psi suspira, com um sorriso nos lábios, murmura algo incompreensível, e morre.

...

Tocandira caminha, impávido, pelos mesmos corredores escuros por onde foi arrastado, acorrentado, em sua forma humana. Só que os corredores estavam em péssimo estado. Aqui e ali, luzes rubras de emergência tingem sua forma demoníaca de um vermelho ainda mais fechado, mas, conforme seus imensos músculos se movem, mais incandescente. Em torno dele, gritos de dor dos humanos sobreviventes, e o ranger dos metais da base que se torcem sob o peso, casa vez mais excessivo de toda a estrutura. Logo, apesar do projeto cuidadoso, tudo irá ruir.

Seguindo os sons de dor e desespero, Tocandira chega até onde deseja ir: a “fábrica”. Como fosse ela um anexo a estrutura principal, estava quase totalmente demolida. Importante dizer que suas criaturas vinham com ele, aos milhões, então, por onde ele passa, chão, paredes e teto tornam-se negros, e o ar fica nebuloso de tantos seres minúsculos a voar por ele. Assim que chega ao abismo de dor e medo que era a “Fábrica”, seus pequeninos tomam todos os lugares. A princípio hesitantemente, mas logo obedecem as ordens imperativas de seu Senhor, e, religiosamente, atiram-se sobre os sobreviventes, que gritam enquanto são cercados pelas pequeninas hordas. Mas logo percebem que os insetos, cada qual fraco como ser unitário, mas fortíssimo em conjunto, livram rapidamente os sobreviventes dos escombros, e se afastam dos humanos. Não eram muitos sobreviventes, pois quase todos os humanos estavam mortos, mas logo Tocandira encontrou alguém que procurava especialmente, e viva, Roberta. Ela está ferida e bastante ensanguentada, mas são cortes superficiais. Suja de sangue, cabelos em desalinho, olhos fundos, ela tenta tocar em Tocandira, mas dezenas de insetos alados, como marimbondos, com sinistros ferrões em riste, põem-se imediatamente entre ela e o Aryryi Ja. Com um gesto impaciente de sua mão, Tocandira os afasta, e diz:

_ Onde está o pajé? E os outros? Todos morreram? _ Roberta, lágrimas escorrendo, leva a mão aos ouvidos, tentando se proteger da voz do ser demoníaco, mas ele não está falando alto demais, nem é no som que está a dor que sua voz causa, está na mente. Ela, então, reponde:

_ E-eu ouvi Walter dizer que estavam na gaiola, c-creio que era ali... _ e ela aponta para um patamar um pouco mais abaixo, onde os escombros tapam parcialmente a visão de uma porta de aço tosca mas aparentemente muito rígida.

Tocandira se aproxima da porta, e a estuda pó um momento. Pensa que talvez possa mandar seus insetos cavarem por baixo dela, e, ato contínuo, percebe que não há insetos à volta de si. Faz menção de voltar atrás, mas a porta de aço é arrancada de sua estrutura e colide com tamanha brutalidade contra Tocandira que pedaços e sua armadura voam, arrancados de si pelo choque, enquanto o Aryryi Ja é enterrado vivo pela porta que o comprime contra a rocha na parede oposta, rocha que se faz em pedaços. Os poucos humanos sobreviventes olhavam de cima, horrorizados. Um momento depois o que sobrou da comporta de aço se move, e Tocandira, com dificuldade, a empurra ao chão, pondo-se de pé.

_ Como vê _ Diz Walter, que sai flutuando num campo de repulsão gravitacional pelo buraco deixado pela porta que lançou contra Tocandira. Atrás dele vinham apavorados, os humanos que estavam ali trancados quando Walter ali se trancou para sobreviver aos desmoronamentos finais causados pelos ácidos de seus congêneres mortos. _ Eu tinha um plano de contingência para me isolar das buscas da Matriz Psi se ela acordasse. Na verdade, quando alterei o DNA dela, eu a fiz cega para certos padrões cerebrais. Agora teremos enfim o embate final de ideologias, ou melhor, decidiremos aqui e agora quem tem o direito de sobreviver, minha espécie ou a sua.

...

Roberta é, sem dúvida, uma mulher corajosa. Enquanto pedaços de rocha voam por todos os lados (ela escapou, por sorte, de ser destruída umas três vezes), ela ajuda os índios sobreviventes a sair do fosso formado pela luta entre Walter e Tocandira. Roberta quase foi às lágrimas, apesar de saber que aquele não era um momento para chorar, quando resgatou o pajé. No fundo, os deuses se enfrentavam, indiferentes às dores e alegrias dos mortais. Com rajadas gravitacionais (das quais ele tinha que controlar a intensidade, para não soterrar a si mesmo) Walter golpeava, sem misericórdia, Tocandira. E este, por sua vez, usava de toda a sua fúria bestial e inumana para tentar lançar grandes pedaços de rocha contra Walter.

_ Dan, você tem que admitir que está numa encruzilhada lógica. Se nos destruir completamente sua humanidade não terá a menor chance contra os Invasores! _ Enquanto discursa, o Anha Ja Walter usa a gravidade para prender Tocandira ao chão enquanto faz uma imensa viga de metal vir esmagá-lo.

_ Isso é o que você diz! _ Dan soca brutalmente o chão até formar uma cova e ficar protegido da viga de aço.

_ Sei que você é um dos poucos que têm acesso a Verpeniaan! Acesse os bancos de dados dela, estude acerca de suas origens, force-a a dizer o por quê de estar na Terra, aprenderá muitas coisas maravilhosas a respeito do futuro de vocês sem nós. _ E Anha Ja ergue Tocandira do chão e bate com ele contra as rochas em torno. Em dado momento o Aryryi Ja usa o choque contra uma pedra para arrancá-la e lançá-la contra Walter, que tem que se desviar e perde o contato com Tocandira, que então faz milhões de seus marimbondos atacarem Walter, que é obrigado a usar sua concentração para se defender, pois os seres tentam entrar-lhe por todas as fendas do corpo.

_ Prometo fazer isso, estudar a Verpeniaan, mas antes, vou ter que destruir você.

Mas Walter dispara uma imensa rajada gravitacional em forma de bolha em expansão em torno de si, e esmaga, em pleno vôo, a maioria dos insetos. Depois inverte a gravidade do lugar, e tudo começa a flutuar, até mesmo Tocandira, que sem ter onde se apoiar, torna-se um alvo fácil. Seus insetos voadores perdiam-se, loucos pela falta do referencial da gravidade. Lá no alto, os humanos que estavam mais à beira do abismo começam a flutuar, alguns sendo esmagados por campos de contenção gravitacional formados pelo alienígena em sua fúria cega. Girando no ar, frágil, Tocandira percebe, enfim, que é preciso outra abordagem da situação, e junta as poderosas mãos, começando a murmurar algo, enquanto seu algoz forma um campo em torno dele para esmaga-lo, e diz, retomando parte de sua calma:

_ Isso, Dan, acalme-se e ore, aceite seu destino, serei rápido. Não se perca dentro de um sentimento cego de fúria, você é maior que isso, e morrerá com honra. Calma, calma, assim... Sabe que não terá a oportunidade de me destruir, pois eu sou um ser evoluído, superior, eu sou a resposta ao desafio final da existência, eu sou aquele que sublimará a fera em ciência e arte, eu levarei as criaturas deste mundo aos céus, às galáxias, e eu as tornarei imortais. Eu sou o Übermensch! Eu sou dinamite!

Súbito, algo metálico surge nas mãos de Tocandira, que desfere, num arco, um golpe que ressoa como um imenso trovão. No fundo do fosso, um negrume aterrador explode, como se água profundamente negra inundasse o fundo surgindo explosivamente do nada. Walter olha para baixo, e pergunta, numa ansiedade absurda:

_ O que é isso?!

_ O Inferno... _ Diz Tocandira, num tom calmo e compungido, murmurando instintivamente: _ Eu, adotado pelas trevas, sacerdote da escuridão, te condeno, pecador.

A espada mística de Tourianké, capaz de abrir portais dimensionais, vinda através de uma poderosa conjuração mágica (e usada pela primeira vez para o que ficará conhecido como o condemnare9), retorna ao equilíbrio e ao lugar onde está guardada na Índia, junto aos outros pertences místicos de Tocandira, que completa:

_ Adeus, Walter.

_ Não! _ Grita Walter arrastado pelo torvelinho negro _ Não! Eu sou o Übermensch! Eu sou a sublimação! Você está destruindo nossas duas espécies! Temos que fazer um acordo. Os Invasores vão nos destruir! Quem é você para se dar o direito de extinguir uma espécie? Quem é você para se dar o direito de extinguir uma espécie?!?

Walter usa todo seu poder para se repelir para fora do redemoinho negro, mas aquilo não é físico, gravidade não funciona ali. Enquanto é arrastado, tanto Walter quanto Tocandira podem ouvir Leviatã gargalhar, como se estivesse se divertindo muito. Tocandira observa, rígido, em pé na borda do torvelinho obscuro, e enquanto a criatura que é Walter se debate, seu corpo começando a rasgar-se todo, enquanto ela começa a ser transformado na matéria dolorida e sofredora da qual devem ser feitos todos os que jazerão para sempre nos infernos. Usando um “laço” gravitacional para se prender ao teto da caverna e não ser sugado para a perdição, Walter faz as rochas acima ruírem, e mais alguns sobreviventes humanos são esmagados. Walter, entendendo que era o fim, parece “olhar” diretamente para Tocandira e diz mais uma última vez:

_ Quem é você para se dar o direito de extinguir uma espécie?

Então o alienígena decide morrer lutando, e debate-se violentamente, soltando furiosos rugidos! Mas logo, na escuridão que está engolindo o alienígena, surge o rosto monstruoso de Leviatã, expressão de ardente desejo pela iguaria maligna que estava para devorar. Ele escancara sua bocarra odienta, e dela, numa visão surreal, saem milhares de línguas humanas que se esticam como serpentes infinitas e começam a lamber e se enroscar por todo o corpo negro reluzente de Walter, rasgam suas roupas brancas já esfarrapadas, e entram-lhe corpo adentro, sufocando seu gritos e rugidos, e levando-o, de vez, para o Inferno. Quando tudo se faz silencioso, Tocandira diz, apenas:

_ Adeus, meu amigo.

...

O acampamento dos brancos “caçadores de índios” está deserto. Após a explosão que fez o solo afundar, aqueles que sobreviveram fugiram em disparada, abandonando os barracões agora em ruínas, veículos destruídos, e equipamentos soterrados. Tudo é desolação e silêncio, até que, bem no centro da clareira (que agora se assemelhava a uma cratera rasa), ouve-se um ribombo metálico e surdo, seguido de uma nuvem de poeira se erguendo do chão. Depois outro martelar surdo, outro e mais outro, e do ponto mais baixo do chão convexo, uma tampa de aço, circular, com uns dois metros e meio de raio, sobe voando enquanto um punho imenso de um negro avermelhado surge do buraco que a tampa lacrava. O círculo de aço cai vários metros depois da clareira, na selva. Do buraco começam a sair os sobreviventes, que olham maravilhados para o céu, e para o sol do meio da tarde. Um céu e um sol que eles julgaram que nunca mais veriam. O último humano a sair foi o pajé, depois que este ajudou Roberta a subir. A mulher dá o braço ao velho índio, e começa a rir de alegria!

Formigas e insetos rodopiam por todos os lados, mas eles se mantêm distantes dos humanos. Tocandira se detém um momento dentro do buraco assombrado, donde vem uma emanação de dor e sofrimento, donde vem o odor do inferno. Apurando os sentidos místicos, Tocandira ouve:

_ Todos têm que morrer... _ Sussurra-lhe Leviatã, com escárnio, de algum lugar lá embaixo, em meio à escuridão putrefata. _ Todos estão infectados. Não há saída.


Tocandira sai do buraco, e caminha entre os humanos que se abraçam e choram, riem e dançam, que comemoram o simples fato de estarem vivos. Tocandira passa por Roberta e Ára pytũ, que se abraçam e dançam juntos. A senhora grita:


_ Dan! Dan! Obrigada, filho! Você podia ter desistido, podia ter abandonado, mas nos ajudou, obrigada.


Sem dar atenção à mulher, Tocandira dá um poderoso salto, e se põe na borda da cratera rasa em que todos estão. O Aryryi Ja usa todo o seu poder para encontrar o modo certo de destruir todos, e faz a última e mais importante escolha desta sua saga. Ele diz, em Guaraní, com sua poderosa e apavorante voz, em tal altura que a floresta imensa treme, e todos o ouvem, e muitos têm que tampar os ouvidos:


_ Toda a terra! _ ele diz fazendo um amplo gesto em direção ao horizonte com seu braço poderoso. _ As terras dos índios e dos brancos, tudo ainda está ameaçado. A maioria de vocês carrega um Anha dentro de si. E mesmo os poucos que não os carregam foram enfeitiçados por feitiço ruim do Anha Ja. Preciso destruir tudo que tenha haver com os Anha, aqui e agora, uma pena, uma pena, mas tem que ser feito

Há um momento de silêncio, o silêncio da incredulidade.

_ Vai... Vai nos matar? Vai nos destruir depois de tudo isso?! _ Pergunta Roberta, abismada.

Em volta dela muitas pessoas entram em pânico e tentam correr, subindo as encostas da cratera, mas assim que chegam à borda, viam que em torno de toda a clareira, emergindo da selva, minúsculas criaturas, como formigas pequeníssimas, ou quase microscópicas aranhas, surgem aos milhares, aos milhões, e, formando um manto branco translúcido, cobrem toda a borda da cratera. Aqueles que tentam passar por elas recebem milhares de ferroadas, e caem para dentro, de volta, atordoados, paralisados.

Sem aviso, sob o olhar sinistro de Tocandira (ele começa a sangrar seus líquidos rubros por todos os poros), as minúsculas criaturas, vindas de algum lugar na selva, do subsolo da Amazônia, insetos nativos, mas ainda não catalogados, entraram na cratera, como uma onda imensa, toda ela formada por uma coleante espuma branca. Tocandira fitava diretamente os olhos de Roberta, olhos que misturavam dor, medo, fúria e decepção, quando a mulher foi engolida pela onda branca. A mulher, a princípio, chorava e gritava, mas logo foi sufocada, quando as criaturinhas entraram em seu corpo garganta adentro.

_ Sinto muito por isso. _ Diz Tocandira, vomitando sangue, e desabando no chão.

...

Roberta jazia no chão de uma oca. Sobre ela o rosto benévolo, mas de fortes traços, de Ára pytũ, que diz, em português:

_ Bem-vinda, Roberta, ao mundo dos vivos.

Ela levanta apoiada por ele, e respira com dificuldade, sentindo um gosto amargo na boca, e um pouco de dor no estômago.

_ N-não morremos... _ Balbucia, tonta, constatando um fato óbvio.

_ Não, apenas sofreram mais os que tinham mais coisas de Anha nas barrigas. Aryryi Ja nos limpou com seu poder e suas criaturas. Lutou, ele me disse, com um mal terrível em seu coração, mas mesmo quase morrendo, ele nos salvou.

Então, em forma humana, Dan entra na oca. Seu rosto ainda jovem e belo, parece ter envelhecido, pois seu olhar parece agora muito mais antigo do que é. Usa um cajado longo, uma espécie de bengala, para se apoiar, pois desafiar Leviatã sempre deixa seqüelas. Dan se aproxima e, com um sutil sorriso, pergunta:

_ Você está bem, Roberta? Queria vê-la desperta antes de partir para junto de meus amigos na Europa, voltar ao princípio e descobrir alguns segredos.

_ Sim, obrigada, estou bem, filho, mas... Oh... _ O pajé tenta dar-lhe uma poção, mas ela recusa e continua: _ Mas porquê nos salvou?

Dan pega uma sacola num canto, e a coloca nas costas. Começa a sair, passos firmes, mas apoiados pela bengala, e responde com a convicção dos deuses, enquanto vai embora:

_ Por quê EU sou o Übermensch.

...

Paul sai do meio das árvores abalado e contrafeito por ter fugido e não lutado. Se Marty estivesse ali, ou quem sabe se pudesse se apoiar em Diana. Mas era hora de fazer certas coisas sozinho. Parou na beira do riacho, algum pequeno e esquecido afluente do Amazonas, e, quando tocou na água, teve lampejos de visões, especialmente acerca de um homem feito de água! Foi instruído a fugir, se Walter morresse, levando carga preciosa, e aguardar um sinal. Pois em sua mente ingênua (pelo menos para os padrões de sua própria espécie, devido ao fato de pertencer a primeira cria de híbridos) Paul achou que aquele estranho rio que fala coisas a sua mente poderia ser o sinal que ele esperava. Com infinito cuidado abriu o recipiente de contenção que trazia consigo, e dali tirou um ovo. Enquanto desembrulha sua carga dos tecidos eletrônicos que a protegiam, do jeito que Walter o ensinou, ele censurava a si mesmo, deveria ter seguido o plano original, mas agora não havia erro, ele pensava melhor agora, e voltaria ao que deveria ter feito em vez de dar preferência por salvar Walter. Mas, mesmo sabendo o que deveria fazer, uma pergunta ecoava em sua cabeça (afinal, Power Punch é um herói de fato): “quem é você para se dar o direito de extinguir uma espécie?”, a pergunta mudou sua perspectiva da vida e o atormentava, e em seus simples pensamentos queria achar alguma resposta para ela, e por não conseguir se angustiava. Ele tinha que resolver isso antes de achar um hospedeiro para seu pequenino. Pensando assim, ele banha cuidadosamente sua carga no riacho mágico: um ovóide orgânico, de um novo tipo, que contém de uma só vez uma vida humana e Anha. Nele há uma inscrição “tatuada”:


Clone-4onda-Daniel-Cunha-Fúria-Dragões-da-Independência-0965289155-YY”.


FIM

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(1) _ Yin e Yang:

O yang é: masculino, pai, céu, deus-pai, Sol, consciente, compreensão, lógica, eu, condição desperta, cabeça, forma, ter, tensão, voltado para o exterior, decidido, risco, só, gasta energia, construtivo ou destrutivo, abstrato, ordenado, sóbrio, patriarcado etc.

O yin é: feminino, mãe, terra, mãe-terra, Lua, inconsciente, sentimento, intuição, eu interior, condição de sonho, coração, conteúdo, ser, relaxamento, voltado para o interior, segue o fluxo da vida, pacífico, atraído pela comunidade, economiza energia, cura e preserva, orgânico, fluente, sóbrio, matriarcado etc.

(2) _ Belzebu:

"Senhor das Moscas" é a tradução literal da palavra hebraica "Ba'alzebul", que em português significa "Belzebu" (considerado o príncipe dos demônios).

(3) _ Aryryi Ja:

Junção de dois termos para formar “Senhor dos Insetos” ou “Dono dos Insetos”, conforme segue:

aryryi s. (empréstimo; pronuncia-se com ditongo decrescente: aryrýi). Aleluia (inseto). (Veja também kupi'i.)

ja 1 s. (classe xe-). Dono: voxa ja o dono da bolsa.

[LÉXICO GUARANÍ, DIALETO MBYÁ: versão para fins acadêmicos - Com acréscimos do dialeto nhandéva e outros subfalares do sul do Brasil - revisão de novembro de 1998.]

(4)_ Sub specie aeternitatis

Do latim, significa “Sob o Olhar da Eternidade”, ou seja, o ponto de vista de que todas as nossas ações, metas e objetivos, diante de uma visão externa (da Eternidade), simplesmente almejam a repetição, seja por nós ou por nossos filhos. Sob o olhar da eternidade somos criaturas triviais e tudo que faremos por todas as nossas vidas será trivial e inconseqüente.

(5)_ ape ape

s. Inseto danoso, coleóptero cerotoma.

[LÉXICO GUARANÍ, DIALETO MBYÁ: versão para fins acadêmicos - Com acréscimos do dialeto nhandéva e outros subfalares do sul do Brasil - revisão de novembro de 1998.]

(6)_ Tarô, o Arcano sem número.

A palavra tarô na língua portuguesa (ou em outras línguas: tarot, tarock, tarok, tarocco, tarocchi etc) não possui uma tradução específica, ninguém sabe ao certo sua real etimologia; contudo, podemos entender que a função de seus jogos e estudos seja revelar "um novo caminho ou postura perante os objetivos". Ele é considerado um alfabeto simbólico composto por imagens arquétipicas. O tarô tradicional possui 78 cartas, cada qual é denominada de arcano, palavra que significa "mistérios ou segredos a serem desvendados" e foi incorporada pelos ocultistas do século XIX que até então se chamavam trunfos. O arcano Sem Número (também 22 ou zero) - O Louco, simboliza o desligamento da matéria, uma história a ser vivida, o ir embora deixando tudo para trás. Pode ser interpretado como irresponsabilidade, busca e abandono. Na caminhada espiritual, o Arcano representa o momento em que a caminhada pode ser retomada, pois a busca interior volta a pressionar o iniciado. A nova caminhada vai ser feita a um nível diferente da anterior, proporcionando crescimento e evolução. [http://pt.wikipedia.org/wiki/Tarot].

(7)_ Diapasão.

Instrumento metálico em forma de forquilha, que serve para afinar instrumentos e vozes através da vibração de um som musical de determinada altura. Foi inventado por John Shore, trompetista de Georg Friedrich Handel. Com as mesmas finalidades, existe também o diapasão de sopro.

[http://pt.wikipedia.org/wiki/Diapas%C3%A3o].

(8)_ Palimpsesto

Manuscrito em pergaminho que, após ser raspado e polido, era novamente aproveitado para a escrita de outros textos (prática usual na Idade Média). (Modernamente, a técnica tem permitido restaurar os primitivos caracteres.) (textos escritos sobre textos).

(9)_ Condemnare.

Condemnare, do Latim, condenar.


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