In The End

RPG: Remanescentes


In The End

Autor: Wagner Ribeiro

Sobre texto original de Cláudio Augusto dos Anjos

24 de outubro de 2006


[Este texto envolve o Universo de role-playing game Remanescentes, e diversos personagens que são criação intelectual de Claudio Augusto dos Anjos, Mestre de Jogo e Grande Amigo, alguns em parceria com seus exímios jogadores, dos quais também tenho a honra de ser amigo e companheiro de jornadas!]


Local: Mar Báltico - Navio Wilhelm Gustloff 1.

Temperatura: 10 graus abaixo de zero.

"Matem! Matem! Usem a força e quebrem o orgulho racial dessas mulheres alemãs. Peguem-nas como legítimo botim. Avante como uma tempestade, galantes soldados do Exército Vermelho”. _ Ilya Ehrenburg, jornalista soviético, 1945.

O nevoeiro denso à volta do navio, apesar de lúgubre, fazia o mundo gélido no extremo norte europeu ficar do tamanho daquilo que se conseguia enxergar, e para Johann Sheckter isso era um alento: um mundo aparentemente menor do qual sentir medo. Ele tinha um medo mórbido do mar, e, em pleno desfecho da Segunda Guerra, onde as águas sombrias escondiam mais do que nunca a morte, na forma de submarinos repletos de torpedos, Sheckter tinha que se esforçar muito para não enlouquecer, enquanto fugia por água de uma Alemanha que caía de joelhos diante da selvagem vingança aliada. Sheckter fugia deixando sua carreira para trás, e levando seus dois filhos para longe, para algum ponto de onde pudessem partir com segurança para sua terra natal, a África do Sul.

_ O senhor é católico, senhor Sheckter? _ Perguntou, em alemão, a voz feminina de contralto2 que o acompanhara até o tombadilho para fumar. A jovem professora Kátia Weber estava enrolada em tantos agasalhos e cobertores, que era impossível saber se ela era bela de corpo. Johann havia conhecido a moça no porto em Gotenhafen, onde ele a ajudou a ser admitida no navio, e ela já estava muito agasalhada então. Não fosse um velho amigo da capitania do porto, conhecido de Sheckter de um estaleiro na Alemanha, nem o próprio Johann, nem seus dois filhos, nem frau Weber estariam a bordo. Os quatro passaram ao largo das milhares de pessoas desesperadas que tentavam fugir da carnificina soviética, e subiram à bordo algumas horas atrás. Agora tentavam ter uma conversa amena, no tombadilho de um navio onde milhares de refugiados, quase dez mil, tentavam fazer o mesmo, para espantar o horror, se acotovelando e se arrumando do jeito que podiam. E para ajudá-los a se sentirem um pouco melhor, o capitão do navio mandou acender todas as luzes.

_ Não, frau Weber, não sou um homem de fé, infelizmente. Sou um engenheiro, gosto de coisas em que possa tocar. _ Respondeu Johann, tenso.

_ Ah, entendo..._ Ela deu um sorriso lindo, e continuou: _ Um homem de ciências.

_ De certa forma sim, só sou prático, não dogmático. _ Ele acendeu um cigarro no fogo de um latão próximo onde ardia um pouco de lenha. Sheckter estava assombrado com o fato de estarem, ele e a professora, relativamente sós naquele canto da embarcação apinhada de gente.

_ É sul-africano, não é mesmo? _ Ela o fitava bem nos olhos agora, e Johann via naquele olhar azul glacial de Kátia algo de definitivamente atraente. Ela poderia não ter as mais belas formas por baixo de toda a roupa, mas sem dúvida era uma mulher muito atraente.

_ Isso mesmo, eu sou de descendência Boer3.

_ Um africânder, não? Não se espante, sou professora, lembre-se. E o que fazia por lá que o trouxe para a Alemanha? _ Ela sorria, e olhava em volta, discretamente, às vezes em direção ao mar, como se esperasse algo ou alguém.

_ Fui contratado para fazer vistoria técnica em estaleiros alemães, frau Weber. Sou engenheiro náutico...

_ Me chame de Kátia. Nossa, e você fica tão nervoso a bordo de um navio assim?

Ele, que estava tão encapotado quanto ela, sorriu, sem jeito e nervoso, levando o cigarro que fumava a boca, dando uma longa tragada, e observando como o nevoeiro estava se dissipando rápido. Enquanto entregava o cigarro a ela, Sheckter respondeu:

_ Eu não preciso gostar do mar para fazer um bom navio. Preciso apenas compreender as forças das águas.

_ Nossa, Johann! E você compreende mesmo algo desta coisa imensa? _ Pergunta ela, apontando em direção a água. Sheckter olhou na direção geral do movimento que a jovem alemã fez com a mão delicada, e já ia responder, quando viu uma coisa que fez seu sangue gelar ainda mais. Olhou em volta, e, como se tudo ganhasse um ritmo letárgico diante da tragédia iminente, as pessoas, a maioria crianças, pareciam se mover devagar, todas tristes, algumas tentando sorrir, nenhuma, no entanto, como ele, vendo as sutis esteiras dos torpedos que se aproximavam, assassinos, do costado do Wilhelm Gustloff.

...

_ Segure! _ Gritava Johann, erguendo o filho mais novo, Gregor, em direção ao escaler e às mãos de frau Weber. _ Segure-o, Kátia!

Sheckter estava nos restos de um outro escaler que soçobrava, fazendo-se aos pedaços sob o peso de gente demais. Seu escaler batera no de Kátia, e ele a viu de relance na multidão do outro barco. Tinham se separado nos tumultos que vieram logo depois das três explosões dos torpedos. O Gustloff afundava numa velocidade vertiginosa, milhares de pessoas nadavam e apinhavam os poucos escaleres que puderam ser lançados n’água. Havia gritos de horror, choros desesperados de crianças e mulheres, e corpos congelados por toda parte. Johann tentava salvar ao menos seus filhos, enquanto sua mente se despedaçava assim como seu escaler. Ele erguia Gregor e o punha nas mãos de Kátia. Ela gritava algo que ele não podia entender. Ele enlouquecia, o oceano estava devorando gente, devorando com animalesca e intencional voracidade, e o próximo seria ele!

_ Venha, Herold! _ Gritava Johann para seu filho mais velho. O menino parecia imbuído de uma coragem que nem o pai sentia. Tinha os olhos sérios, e obedecia cegamente ao pai, que lhe gritava: _ Venha, filho, vou te arremessar no outor salva-vidas! Agarre-se e fique com seu...

Neste instante duas coisas terríveis aconteceram. O escaler onde Johann e Herold estavam terminou de se partir em frangalhos, e, aos berros, todos afundaram na água congelante. Sheckter conseguiu manter a mão de Herold firmemente presa a sua, e quando emergiu, viu que os marinheiros do escaler onde estava Kátia e Gregor remavam furiosamente para longe de uma horda de pessoas que nadavam em desespero. Se aquela multidão em pânico alcançasse o salva-vidas deles, já acima da lotação, o destino dele seria o do barco que acabara de afundar. Já de longe, agarrado a Herold, ambos nadando, mantendo-se na superfície com dificuldade, sentindo a água como mil adagas de gelo cortando-lhes a pele, pai e filho viam Kátia e Gregor tentando impedir que um dos marinheiros batesse com o remo nas pessoas que tentavam subir no escaler deles. Quando a água começou a se tingir com o sangue daqueles que eram abatidos para não afundar o escaler, Johann abraçou Herold, para que ele não olhasse aquele horror.

...

Havia um silêncio pesado no ar. Cortado de vez em quando por algum grito, e um sino que tocava, muito longe. Uma vez Johann chegou a ouvir o motor de uma lancha, mas nem sequer conseguiu enxergar a luz do barco de socorro. Já não conseguiam gritar, estavam morrendo, empedrando, congelando. Herold estava tão silencioso que Johann sentia medo que já estivesse morto, mas, aleatoriamente, o menino murmurava:

_ Tudo bem, papai... _ E voltava a encolher o rosto contra o ombro do pai.

Súbito, Sheckter perdeu a noção de tempo, e pareceu flutuar, naquele oceano de corpos, naquela noite de pavor, naquele frio mortal, e sob aquele silêncio quase acolhedor, por dias, em uma noite que parecia jamais terminar. Perdeu os sentidos por um momento, e quando abriu os olhos, Johann não conseguia sentir nem pernas nem braços, e Herold já não estava mais com ele. Além da exaustão, o homem não teve sequer forças para chorar, apenas desistiu, e mergulhou nas trevas.

...

Milagres às vezes parecem acontecer para nos condenar ao inferno. Pelo menos era assim que Johann pensava, enquanto tentava, vacilante, se levantar. Por algum milagre inexplicável não estava morto, mas relativamente inteiro, sobre uma praia rochosa, de alguma ilhota perdida no Báltico.

Cambaleou até uma parede de granito e encontrou uma reentrância na pedra que o protegeria do vento gélido e cortante, a ali ficou por horas. Talvez por todo um dia. Sua mente estava “congelada” pelo trauma. Sentia a dor da perda de Herold como uma pressão surda, como se fosse algo imenso e destruidor escondido atrás de uma porta que vibrava, pronta a ser feita em pedaços. Atrás desta porta imaginária havia o Oceano.

...

Quando a fome tornou-se insuportável, Shekter se arrastou de sua fenda e começou a cambalear atrás de algo o que comer. Encontrou alguns ovos meio congelados em ninhos feitos nas encostas rochosas. Sobre um pontal de pedra ele se sentou e fazia pequenos buracos nos ovos, sugando seu conteúdo como se fosse a iguaria mais saborosa do mundo. Quando terminou de comer, percebeu que tinha uma ampla visão do Oceano bravio a sua volta, e só então chorou, por horas, com a cabeça baixa, olhando para as próprias mãos impotentes, rezando para que Gregor estivesse vivo, e pensando em Herold.

Súbito, ergueu a cabeça e gritou com uma fúria insana! Pôs-se de pé, e urrou como um animal selvagem em direção ao oceano. Gritou até não ter mais voz, e então o mar respondeu: uma onda brutal explodiu contra o paredão rochoso da pequenina ilha. Quando grandes borrifos de água gelada e salgada chegaram até ele, Johann tentou golpeá-los com os punhos e as mãos em garra, como se tentasse ferir o Mar como havia sido ferido. Queria poder fazer o Mar sofrer, queria fazer o Mar sangrar!... Então, com a mesma espontaneidade que seu ataque de cólera começou, se foi. Sheckter não poderia ferir o Mar. Então ele ficou em silêncio, tremendo de frio sem perceber, quase nu. Depois de longo tempo começou a andar em direção ao centro da ilha. Seus olhos estavam vazios, como se ele tivesse morrido com Herold.

...

O Livro estava vivo. Era um livro, à primeira vista, antigo, capa em um couro negro e espesso, reluzente, que Johann não sabia a que animal pertencia. Era um livro venerável, com um ar de ancestralidade, mas era apenas um livro para quem o visse de relance.

Só que já fazia muitos e muitos dias, talvez duas semanas, que Sheckter o havia encontrado na caverna do centro da ilha. Alguém, possivelmente Vickings, havia construído aquele abrigo na caverna, pois havia uma pesada porta de madeira, e prateleiras e mesas em seu interior, dispostas em círculo, à volta do Livro. Havia sobre as mesas restos de pergaminhos, e nas prateleiras um sem número de objetos, como cristais, lentes toscas, e mais rolos de pergaminhos. Havia também recipientes de madeira e couro, contendo ervas secas e uma miríade de poções ressequidas. Johann chamou aquele lugar de Laboratório Vicking quando o descobriu, mas quando passou a primeira noite ali percebeu que aquilo era uma máquina de algum tipo. À noite as paredes pareciam se mover, e o teto, incrustado com um diagrama circular feito de jóias representando constelações, girava até atingir uma conformação, e o Livro, em seu pedestal de madeira trabalhada, reluzia levemente, e na página em que jazia aberto (folhas amareladas de pergaminho), milhões de desenhos antigos se agitavam, e histórias começavam a ser contadas. Johann tentou dormir ao relento, longe do Livro, mas como o abrigo fosse cercado de esqueletos, percebeu que se ele tinha alguma chance era com o Livro. Então, dia após dia, saía para caçar ovos e pescar, enquanto, durante as noites, acendia a fogueira dentro do abrigo e ouvia os sussurros do Livro (não tinha coragem de tocar nele), a maioria dos quais Sheckter não entendia. Mas do que entendia percebia que o Livro parecia ter ciência de si mesmo. Assim, ele concluiu que, por alguma razão que não entendia (talvez estivesse enlouquecendo mesmo), aquele era um Livro vivo.

...

Nos muitos e muitos anos que se seguiram, Sheckter percebeu que o Livro não queria mais ninguém na pequena ilha. Muitas vezes embarcações diversas, cruzando o Báltico, passaram ao largo daquele pedaço de rocha. Johann fizera fogueiras, usara as lentes para chamar a atenção dos navios, e mesmo assim, era como se a ilhota fosse invisível.

_ Não adianta. Talvez se você não tivesse tanto medo do mar e nadasse até o navio... Quem sabe... _ Disse, com evidente desânimo, Kátia. Ela, ou a lembrança dela, vinha muito visitá-lo naqueles dias. Quando a viu pela primeira vez, seu coração se encheu de esperança de ser salvo daquele inferno. Mas ela mesma explicou a ele, na ocasião: _ Sou fruto de sua imaginação, para ajuda-lo a não enlouquecer.

O engraçado é que ela fazia justamente o contrário.

_ Pode ser... _ Murmurava Kátia consigo mesma, em roupas negras, pés dentro d’água do Mar _ Que somente a loucura plena faça você entender o que o Livro quer contar.

...

Johann Sheckter estava cansado. Queria morrer. Sabia que o Livro havia, de algum modo, estendido sua juventude muito além do normal. Décadas se passaram e ele ainda tinha o mesmo rosto de quando chegou ali. A cada dia Johann saía menos da caverna. Achava que agora podia entender muito do que o Livro dizia, e era acerca do passado e do futuro. Soube que Gregor estava vivo, soube que Kátia sabia o que ia acontecer naquela noite, soube como seu filho menor morreria. Soube quando ele próprio morreria, mas não acreditou no que ele era. Soube que o mundo estava mudando, que lá nas estrelas (de onde vinha o Livro), um dia há milênios houve uma galáxia repleta de homens, e que agora, os remanescentes destes humanos eram um punhado de planetas, sendo a Terra o derradeiro lar dos últimos homens livres. Soube de uma história absurdamente antiga, e soube que ele próprio deveria ter um papel nas transformações que estavam por vir. Soube que ele próprio seria o pivô de uma revolução que possibilitaria à humanidade conquistar as estrelas.

Mas Johann Sheckter estava cansado. A Grande Guerra mostrou que a humanidade não queria nem merecia sobreviver. E ele próprio desejava morrer. Já havia tentado se afogar, atirando-se do pontal de onde havia gritado para o Oceano, mas mesmo que batesse nas pedras, mesmo que seus ossos partissem, assim que ele submergia na água revolta, seu vigor era restaurado, e ele era depositado novamente na praia. Depois disso nunca mais tocou no Mar. E agora estava decidido: fazia dias que não comia, estava sentado na caverna, esperando morrer de inanição. E teria morrido, se a criança não tivesse sido levada pelo Oceano até aquela ilha.

...

O Livro fez Johann perambular pela praia, e ali ele encontrou a criança trazida pelas ondas. Sheckter virou o pequenino de lado. Aproximou o ouvido de sua boca, e sentiu:

_ Respira! _ os primeiros socorros ele aprendeu quando jovem, em sua terra natal, e, com relativa destreza, pôs-se a fazer respiração boca-a-boca na criança, e, depois de alguns momentos o menino cuspiu água, e começou a respirar mais fortemente. _ Está vivo, está vivo.

_ Parabéns, Johann! _ Disse Kátia. Ela sempre aparecia para Sheckter em momentos como aquele. _ Quem será? Será Herold?

O rosto de Sheckter desfigurou-se por um momento, e ele teve vontade de bater em Kátia. Como era seu costume, sempre que ela o irritava (como o fez certa vez para fazer com que ele descobrisse o depósito de madeira em outra caverna da ilhota), ele a chamava pelo sobrenome:

_ Não, frau Weber. Herold... Está morto... Não estou tão insano assim. Este é um outro menino, deve ter sobrevivido a outro naufrágio.

_ Sim. Mas poderia ser Herold.

Johann abandonou Kátia na praia. Sabia que, como fruto de sua imaginação, nem sempre precisava dispensar a ela grandes cortesias, especialmente quando ela o estava irritando tão descaradamente. O menino, de uns onze ou doze anos, lembrava muito mesmo o seu Herold, falecido, falecido, mas o menino estava vivo, e precisava do calor da caverna do Livro, e quem sabe das emanações vitais do Livro.

...

_ Porquê o Livro não ajuda ele? _ Perguntou Sheckter, dentro da caverna, diante da pequena cama de palha improvisada, sobre a qual o menino náufrago ardia em febre e morria, lentamente, delirando.

_ Não sei, Johann. _ Disse Kátia, que como sempre não tocava nele. Às vezes Sheckter sonhava que fazia amor com ela, mas assim, acordados, nunca se tocaram. _ Talvez ele não tenha algo especial que faz a pessoa poder ser ajudada pelo Livro.

_ Ele está morrendo. Precisa de um médico. _ Disse Sheckter, com o vigor de quem voltara a se alimentar para poder cuidar do garoto.

_ Bem... Quando eu vim para cá, eu vi outro navio se aproximando mais uma vez da ilha.

_ Merda, Kátia, o Livro não deixa qualquer um ver a ilha.

Kátia olhou por um momento com uma certa fúria para o homem, então disse:

_ Mas o Livro nunca o impediu de entrar no mar, senhor Sheckter.

...

Ele estava de pé na linha d’água. Estava sobre uma rocha que se inclinava suavemente em direção ao Mar, e dali podia ver o navio. Não era um barco muito grande, mas estava lá, bem próximo. Lançou ferros à não mais que quatro quilômetros da ilha. Sheckter se acocorou e ficou olhando para a água. As ondas vinham e iam, calmas, quase convidativas. Aquela coisa imensa, aquele monstro titânico, aquilo era vivo, ele sabia, sentia. Tocou a água com as pontas dos dedos, e, por um átimo de segundo, achou que a água se esticava intencionalmente para tocar seus dedos. Puxou a mão, com medo, mas olhou para o navio. O seu menino estava morrendo.

...

A água estava brutalmente gelada, mas ele seguia aquilo que tinha aprendido. Nadava com firmeza, num ritmo calmo e compassado, fazendo seus músculos gerarem o calor necessário, pelo menos o calor necessário para sobreviver até chegar ao barco. No entanto, as braçadas, depois de algum tempo, começaram a doer. Água gelada demais. Ele sentia câimbras, potássio de menos no sangue. O Oceano, absurdo e enorme, murmurava um som de milhões de toneladas a sua volta, mas o coração do homem ouvia o rosnar de uma besta ancestral faminta, o Oceano tinha fome, muita fome. Sheckter trincou os dentes, para controlar a dor e o horror, e parou um momento, sentindo as intensas dores cortantes nos ombros e braços. Olhou para trás, e por um momento pode ver, muito pequenina, Kátia. Ela estava na praia rochosa, e olhava para ele. A ilhota se desfazendo em brumas, parecendo ela própria virar Mar também. “Weber sempre soube...”, pensou Johann, rosto contorcido de dor, “E só não perguntei se ela sempre teve planos para mim, por conta de saber que é uma alucinação. Mas, agora, me arrependo”. Entretanto não pôde pensar claramente mais do que isso, as dores, intensas, estilhaçavam sua concentração e seu raciocínio. Sheckter sabia que ia morrer, que ele deixaria de existir ali, mas ainda assim, apesar das dores cortantes como navalhas, nadou. Talvez estivesse pela metade do caminho quando urrou de dor, diante de músculos que paravam de funcionar, rasgando-se em câimbras insuportáveis. Enquanto sofria, Sheckter percebeu algo estranho. Não conseguira chegar ao barco porque nadava com um só braço desde o começo. Não havia percebido, mas levava consigo o Livro, a coisa estava aninhada contra seu peito. Frustrado, quase louco, Johann afundou, e morreu, profundamente amargurado e triste, por permitir a morte de mais uma criança.

...

Tomo II - A Morte Como Princípio

Março, 1964.

Local: Mar Báltico - Navio Inglês de Pesquisas Sir William Hardy4.

Temperatura: 5 graus.

O diesel tinha dado problema de novo, e o capitão do Sir William, um jovem chamado Mark Turner Woodson, filho de gente do mar, mandou lançar âncora ali mesmo, onde os aparelhos indicavam águas menos profundas. Seu navio já dava os primeiros sinais de que precisava de uma boa reforma ou virar sucata, mas enquanto a gloriosa Inglaterra o pagasse para levar cientistas em cruzeiros de pesquisas, Mark atenderia o chamado patriótico, em nome da Rainha e de suas contas a pagar!

Enquanto os mecânicos tentavam colocar as máquinas em funcionamento, os cientistas a bordo aproveitavam para fazer medições do oceano circundante. A tripulação não especializada e alguns estudiosos mais relaxados jogavam algo parecido com futebol no tombadilho do navio. Estavam todos ocupados, de uma forma ou de outra. Mark, junto com seu contra-mestre, atualizava as planilhas náuticas, e espiava o horizonte atrás de sinais de tempestades com seu binóculo quando viu a tromba d’água se formando. Cutucou seu contra-mestre passando-lhe o binóculo e dizendo:

_ Ei, Benji, dá uma olhada nisso! Já viu alguma tromba d’água se formando assim tão rápido? E parece estar aqui no nosso quintal.

Benjamin O’Malley, que era meteorologista, pegou o binóculo e viu. Assustou-se também.

_ Capitão... Olhe as nuvens... Não há rotação. Esse funil d’água vem de baixo.

_ Benji, corre até as máquinas a faça aquele pessoal trabalhar como se a própria Rainha estivesse chicoteando eles! Vou soar o alarme de tempestade! Nem adianta içar velas aqui, está perto demais, vamos agüentar firmes.

Num instante a sirene disparou, mas as pessoas sobre o tombadilho já haviam visto a coluna d’água que se erguia imensa a não mais que três quilômetros, e eles já começavam a se abrigar. Muita antes que todos pudessem entrar nas escotilhas do Sir William, no entanto, rajadas violentas de vento e chuva intensa açoitaram o navio, duas jovens químicas foram jogadas ao mar. Mark gritava para que socorressem as moças quando, apavorado, viu a imensa coluna feita de milhões de litros d’água se curvar, uma sombra enorme em meio à brutal tempestade súbita, e vir caindo, curvado-se mais e mais, sobre seu navio. No último momento, quando a boca do tornado ia desabar sobre o Sir William, Turner se agarrou num anteparo da cabine de comando, cobriu os olhos com um dos braços, e respirou fundo. Seriam esmagados!

Então o silêncio. E quando Mark Turner abriu os olhos seu navio ainda estava inteiro, a tempestade havia desaparecido, as duas moças arremessadas ao mar estava se levantando, aturdidas, mas bem, pois haviam sido depositadas no tombadilho do navio, aos pés de um homem que por um segundo Mark juraria ser inteiro feito de água, mas que depois “solidificou-se” em um homem de carne e osso, nu, musculatura perfeita, de pé, e segurando algo parecido com um grande a antigo livro nas mãos. Este homem olhou para trás, sorriu, e disse:

_ Agora compreendo. Não existe mais ilha, nem nunca existiu uma criança a ser salva, apenas eu. _ E voltando-se para o capitão Turner ali próximo, dentro da cabine, o homem continuou: _ Estou cansado. Leve-me para o continente agora.

Mark saiu da cabine, e, tonto, perguntou:

_ Quem é você?

O homem pensou em dizer quem era. Pensou em dar ao humano que via na sua frente seu nome, e dizer: me chamo Johann Sheckter, e vivi numa ilha imaginária desde a segunda guerra mundial, e agora, depois de encontrar este Livro, despertei para o que realmente sou. Mas, recebendo as últimas gotas da chuva que seu novo poder de controlar as águas fez cair, pensando que era melhor enterrar Sheckter, e tendo um rápido vislumbre de seus tempos de colégio e aulas de latim, o homem disse, apenas:

_ Sou o Mar, as chuvas, o sangue e a seiva, sou água, sou Pluvius5.

...

Lá atrás, sem que Pluvius soubesse, a ilha jazia, real mas mergulhada magicamente em brumas além do nosso mundo, escondida novamente. Na costa rochosa da pequena ilha uma mulher, também real, acompanhou a transmutação de um homem num semideus, viu a imensa coluna d’água se elevar em frente ao pequeno navio, sugando o corpo de Johann Sheckter, e depositar um ser totalmente novo no tombadilho do barco. Kátia sentiu uma agradável sensação de dever cumprido, e sorriu. Ela usou de seu “poder”, e com um pensamento blindou seu corpo com uma carapaça dura e lustrosa que deixava seu rosto com feições insectóites, e seus músculos com força descomunal. Aquela que foi conhecida como Kátia fez um sinal. Do alto, então, surgiu uma nave de linhas suaves, mas agressivas, que flutuou acima da mulher. A nave, que futuramente seria conhecida como Verpeeniam, colheu a mulher-inseto para seu ventre. No núcleo da belonave alienígena, Kátia caminhou por um longo corredor, mesmo em forma física tão estranha, mexendo sensualmente seus quadris perfeitos. Chegou a uma sala de criogenia, onde um ser imenso repousava, em hibernação.

_ Como ele está? _ Perguntou Kátia, como que para o nada.

_ Progênie está bem. Está pronto. _ Disse uma voz andrógina e suave, vinda das paredes, que ainda complementou: _ E você, está bem?

Parece que Kátia não esperava a pergunta, e pareceu pensar um pouco antes de responder, dizendo:

_ Estou bem também, obrigada. Satisfeita de ter começado tudo, finalmente. Vou me despedir de você em breve.

_ Entendo.

_ Sabe que nada mais deverá ser dito. Tudo esquecido.

_ Perfeitamente.

_ Então vamos.

Invisível aos olhos e equipamentos humanos, a Verpeeniam descreveu um arco elegante, passando bem em cima do Sir William Hardy, e acelerando um pouco, para Mach 8(6), silenciosamente.

...

Tomo III - O Caminho de Gelo

Alguns meses atrás.

Local: Antártica, Estação Antártica Comandante Ferraz7.

Temperatura: ZERO grau (verão) e caindo.

O Navio Artic Sunrise8, embarcação quebra-gelo do Greenpeace9, estava ancorado próximo a base antártica brasileira, na Baía do Almirantado da Ilha Rei George. Pluvius olhava para o navio que o levara até ali, da terra firme, com olhar distante, enquanto terminava de mergulhar em suas reminiscências, lembrando de quando o Mar conspirou para transformá-lo no que é agora, um "metahumano", capaz de controlar as águas do mundo. Pluvius começou sua nova vida no tombadilho de um barco que viria a ser o primeiro Rainbow Warrior, e agora outra embarcação do Greenpeace o havia trago até os confins do planeta, para o início do fim de sua jornada. Para a tripulação do Sunrise ele era um engenheiro náutico de Johannesburgo que teria vindo servir voluntariamente na equipe de manutenção do navio, enquanto os cientistas da organização, junto com pesquisadores brasileiros, estudavam o estranho fenômeno da queda brutal de temperatura em pleno verão antártico. Pluvius sabia o nome daquele fenômeno que revertia, sem querer, os efeitos do aquecimento global no Pólo Sul: Rhunam.

...

_ São imagens captadas pelo CBERS-2. É um satélite de órbita polar baixa, para sensoriamento remoto, topográfico, as câmeras com retardo de cerca de 12 minutos. _ Disse a jovem meteorologista brasileira, Cristina Gondim Vargas, a um curioso Johann Sheckter, que responde apenas com um irônico "hummm" sorrindo, para a jovem entender que ele não entendeu quase nada. Ao que ela sorriu, e completou. _ Veja, ele nos fornece imagens do Pólo Sul. Com a análise destas imagens, podemos ver o que está acontecendo por aqui. Olhe, olhe!

Estavam no módulo de pesquisas meteorológicas da Comandante Ferraz. Cristina, aparentemente apaixonada pela profissão, arregalava seus grandes olhos escuros, e apontava animadamente para o monitor do computador que ela operava. Ali se repetia uma séria de imagens que mostrava algo como um lento e imenso furacão, girando sobre o que deveria ser o centro da Antártica. Cristina demarcava, com um estilete de plástico (o monitor era sensível ao toque) riscos que fugiam daquele turbilhão no centro e vinham em direção ao oceano.

_ Não sabemos... _ Dizia ela, entusiasmada. _ Por quê não somos afetados por essas nuvens. Não sabemos o que está acontecendo lá, nem o que é esta formação aqui no centro, alguma massa compacta que engana o satélite paracendo indicar a presença de uma montanha onde não existe, e, especilamente, não sabemos que trilhas são estas que estou demarcando, parecem elevações causadas por algum grande desmoronamento sob a crosta de gelo, mas veja como estas linhas vão do centro até o mar.

_ São tubos de convecção. Ele precisa de água para construir sua montanha... _ murmurou Sheckter, mais para si mesmo.

_ O quê?! Quem precisa de água?

_ Hummm... _ Fez Sheckter, ainda pensando consigo mesmo. _ Foram meses e meses atrás dele, de um lugar frio para outro pior, e então só sobrou o mais gelado de todos... Ele quer alcançar, sozinho, o espaço.

_ Meu Deus, Johann, eu já sei que você fala enquanto dorme, e isso até me atrai, um namorado meio maluco, mas agora você tá estrapolando.

Ele finalmente olhou e lembrou dela. Sorriu para a jovem de grandes cabelos cacheados, pele morena, sorriso alvo, e alma fogosa. Ela tinha idade para ser sua neta, ou talvez bisneta. Estavam namorando desde que ambos subiram no Sunrise. De fato as regras a bordo impediam que houvesse relacionamento entre pessoas não casadas, então, como havima se conhecido meses antes pela Internet, apresentaram-se com supostos documentos como se fossem casados. Conseguiram inclusive uma cabine de casal no navio, a viagem fora miuto divertida para ambos. Ela era repleta de paixão e energia, de um intenso charme juvenil. Ele estava mesmo gostando bastante dela.

_ Cris... _ Começou ele, cauteloso _ Eu sei o que está acontecendo. Qual a causa desta queda bruta de temperatura.

Ela ficou olhando para ele, e, como ele demorasse a continuar, fez um sinal de "vai, vai, fala" com as duas mãos. Johann certificou-se de que estavam mesmo sós, e disse:

_ Um metahumano.

_ Uau! Um ser humano com a capacidade de alterar a força mais poderosa deste planeta, que é o clima!

_ Sim, e eu preciso encontrá-lo, falar com ele. Mas não sei se tenho o conhecimento necessário para usar estes seus equipamentos de localização e chegar ao centro disso tudo sozinho...

_ Mas... _ Fez Cristina, querendo muito ir até o centro daquilo, mas se obrigando a ser profissional: _ É loucura ir naquela direção com um clima desses. Vamos congelar, é morte certa.

_ Venha comigo até aqui fora um minuto.

Ela a tomou pela mão, e a levou até a comporta de saída daquela módulo. Pôs nela o pesado casaco térmico, ajeitando-lhe a gola espessa. Pôs ele próprio um casaco igual, de modo a não chamar a atenção, e saíram de mãos dadas. Caminharam pelo gelo até um ponto onde Johann tivesse razoável certeza de que não seria visto (ainda não era hora), e falou para ela:

_ Não vamos congelar, Cris. Olha para o chão. _ Disse ele, batendo forte com o pé contra o gelo, que espatifava mas ainda assim estava sólido. _ Gelo.

Então ele abaixou e pôs as duas mãos sobre o ponto onde bateu no gelo (essa encenação era para ela ter certeza de o que aconteceria seria por conta da vontade dele, se Pluvius quisesse, bastaria olhar para o gelo, ou apenas pensar nele, e conseguirira o mesmo efeito). Então uma poça de água se formou, a água parecia vibrar.

_ Sou eu, Cris. Estou ordenando que as moléculas de água, presentes no gelo, vibrem. A vibração intensa provoca calor. Eu sou metahumano também.

_ Nossa! Você pode ferver nosso caminho até o olho daquela tempestade de gelo? _ Perguntou Cristina.

_ Meus poderes podem ser usados para fazer um grande lago de água fervente, mas posso ser mais sutil que isso. Está sentindo calor?

Ela sorriu, e já ía dizer não, quando piscou, confusa. Então sorriu, desconcertada, e, hesitando um pouco, abriu seu casaco térmico. Então passou a mão pela testa e, com um sorrisinho sapeca, mostrou para Johann a luva húmida de suor, então, rapidamente atirou o casaco fora, e, rindo, perguntou para o namorado:

_ Como? Como faz isso?

_ Seu corpo é quase todo feito de água, é um pouco mais difícil fazer isso com um organismos vivo, mas o princípio é o mesmo. _ Disse ele, apontando o laquinho de água quente.

_ Espere! _ Disse Cristina, e se despiu ficando apenas com sutiã e calcinha. Fazendo poses faceiras, a linda morena continuou a falar alegremente: _ Uau! De biquine na Antártica! Eu preciso filmar isso!

_ Se me levar até o centro da tempestade, eu filmo você nua se quiser. _ respondeu Sheckter, sorrindo.

_ Ahhh, ha ha ha, não vamos chegar a tanto, amor. Mas não se preocupe, você me deixa quente, e eu te levo. Quero ser a primeira especialista em clima a registrar aquilo de perto. Agora pode me dar um beijinho? Nossa, deixa as meninas da Tijuca saberem que tenho um namorado metahumano!

...

O VEP, ou Veículo de Exploração Pólar, em português, era uma resposta brasileira a um equipamento desenvolvido pela Organização Britânica para Exploração da Antártica. Máquina anfíbia, quando em terreno firme andava sobre rodas e lagartas robotizadas, e usava radares e sistemas de auto-direção baseadas em rastreadores laser e ópticos para evitar gelo fino e guiar o veículo mesmo com seus ocupantes incapacitados. Era um protótipo, e agora estava rumando para o centro da maior tempestade antártica sob o comando de Cristina, Sheckter e o tenente engenheiro José Eduardo Mascarenhas (um dos responsáveis técnicos do VEP). A meteorologista havia penado um pouco para conseguir permissão para avançar, mas depois de um pequeno "acidente" onde a equipe original de dois meteorologistas que tripularia o VEP quase se afogou e teve que ficar sob supervisão médica, Cris e Johann conseguiram permissão para subistituí-los. Conversavam em inglês para não excluir Sheckter:

_ Cobrimos cerca de sessenta por cento do trajeto. Até agora os monitores estão limpos. _ Disse Cristina, que ocupava o cargo de navegadora no VEP.

_ Essa coisa anda aquase que sozinha. _ Murmurou Sheckter.

_ Sim, senhor, um primor! _ Disse o dono de um sorriso perene, tenente Mascarenhas _ Construímos essa belezinha para matar de inveja os gringos. Todos os sistemas hidráulicos usam um balenceado composto químico oleoso que não congela, criado pelo Instituto de Química do Exército, uma obra de arte. Os circuitos de rádio têm compensadores para melhorar o sinal mesmo dentro de tempestades como estas! E a máquina ainda opera normalmente totalmente imersa, como se fosse um mini-sub. Fantástica!

_ Você realmente gosta do seu trabalho, heim, Mascarenhas? _ Pergunta Sheckter.

_ Muito. Especialmente neste projeto, onde pude trabalhar direto com os autos escalões da engenharia do país. Sabe de uma coisa, tivemos até um metahumano participando do projeto. Um garoto gênio de Brasília, chamado pelo codinome de Tanque. Mas que isso fique por aqui, por favor.

_ Oh, claro. _ Fez Cristina, sorrindo e piscando, bela, para Johann. _ O que acha de metahumanos, Masca?

_ Hum, perigosos. Não entendo porquê esses caras ficam soltos assim. Sempre que se esbarram morre um monte de gente.

_ Sugeriria campos de concentração para eles, tenente? _ Perguntou Johann, um tanto soturnamente.

_ Eu moro no Rio de Janeiro, . Sei o que é sair de casa sem ter certeza se volto vivo, pois a violência na minha cidade não é brincadeira. Agora, além da violência, temos metahumanos. Tenho um filho de dez anos que quando vê um metahumano começa a chorar de medo, pois aos oito anos viu um deles derrubar um prédio cheio de gente. Eu não sou nazista, mas queria saber até quando os governos vão deixar as pessoas comuns morrerem assim. Essa gente, esse metahumanos, não têm compaixão por ninguém.

_ Pare o VEP! _ Disse Vargas, quase num grito.

Pluvius parou o veículo, e, como a tempestade diminuísse a visibilidade normal a quase zero, ele se esticou e olhou para a tela dos computadores de Cristina, que "enxergavam" além da luz visível.

_ Uma muralha. _ Disse a moça. _ Os radares indicam que além de muito alta, ela é muito larga, o VEP não terá autonomia para chegar lá.

_ Uma muralha? Como assim? Natural, não? _ Perguntava o tenente.

_ Não. _ Foi a resposta seca de um pensativo Sheckter.

_ Não é natural? _ Perguntava o militar. _ Mas então quem...?

_ Um metahumano, tenente. _ Johann falava sem a menor emoção na voz. _ Cris, eu vou seguir daqui.

_ Eu vou com você.

_ Vocês estão doidos?! _ Perguntou um sinceramente consternado José Eduardo. _ É morte certa sair daqui por mais que uns cinco minutos! Ainda mais escalar essa muralha. E se tem um daqueles monstros do outro lado, aí que é suicídio mesmo!

_ Se vai comigo, mantenha o casaco, Cris, precisarei te aquecer menos. _ Disse Sheckter, já não dando a menor atennção ao tenente.

E, ao contrário de todas as espectativas de Mascarenhas, Johann não estava se agasalhando mais, muito pelo contrário, estava se despindo. E, quando estava nu, o militar não conseguiu deixar de segurar, ansioso, o ombro da jovem Cristina, pois, bem na frente de ambos um homem de carne e osso se convertia em um humanóide completamente feito de água. No interior de Pluvius, milhares de torrentes, marés e contra-marés, correntezas e fluxos d'água se agitavam. Os líquidos, tendo composições químicas as mais diferentes, mesmo sendo em essência água comum, hora brilhavam iridescentes, hora eram quase tão trasnparentes quanto o ar, hora formavam microscópicas cristas de ondas que quabravam contra a superfície da "pele" do metahumano.

_ Não saia daqui, Mascarenhas. Eu e Cristina pretendemos explora o outro lado, e voltamos. Então usaremos o VEP para retornar ao Sunrise. Dali, você provavelmente nunca mais vai ouvir falar de mim. Mas se nos abandonar aqui, pode até matar Cris, mas eu sobreviverei, e seu filho vai ficar sem pai. Venha, Cris.

Quando Pluvius saiu do VEP, Cristina olhou para Mascarenhas, tentando disfarçar seu constrangimento. Nunca tinha visto o namorado ser tão brutal. Ela apertou o ombro do tenente, com delicadeza, e disse:

_ Já voltamos, Masca. Não fique chateado, por favor.

E ela se foi, seguindo Pluvius. Marcarenhas ficou para trás, sentindo um nó na garganta, e aquele "gosto amargo" que qualquer pessoa sente quando é coagida por alguém muito mais forte. Mas apesar da raiva que sentia, achou melhor esperar pelos outros antes de voltar.

...

Estavam de frente para a muralha. Toneladas de gelo, contruídas com tal exatidão geométrica, que era impossível ter sido criada pela natureza, sem dúvida havia uma mente por trás daquilo. Cristina olhava, estupefata, pois a massa moldada de gelo deveria ter uns sessenta metros de altura, e sem dúvida alguma quilômetros de extensão. Pensar que uma pessoa poderia apenas desejar e fazer algo como aquilo era absurdo, quase inconcebível. Mas ainda assim Vargas não ficou tempo demais olhando a muralha, logo voltou seu olhar para a estranha criatura ao seu lado, um humanóide cuja pele era de um gelo muito fino, e o interior feito de uma versão em miniatura de um oceano revolto. Certamente, supôs ela, corretamente, aquela película de gelo era a superfície aquosa de Pluvius congelando no frio antártico. Ela própria não sentia frio algum, estava confortável como ele prometeu que ela ficaria. Mas, por dentro, a jovem se sentia mal.

_ O que há, Cris? _ Perguntou Johann sem olhar para ela. _ Está aborrecida com o que houve.

_ Acho que não deveria ter falado com toda aquela arrogância com o Masca. Ele é um cara legal.

_ Creio que é sim. Mas eu poderia voltar andando até a Comandante Ferraz, no entanto mesmo que eu a mantivesse aquecida, você morreria de exaustão. Ele precisa nos esperar.

_ Sei, agradeço a consideração, Johann...

_ Me chame de Pluvius.

_ Ah. Sim. _ Disse ela, um tanto contrafeita. _ Mas você só reforçou o medo que ele sente dos metahumanos, não foi muito esperto da sua parte, Pluvius!

O metahumano se voltou subitamente, seus olhos eram dois mares revoltos em fúria. Cristina quase se encolheu ante o olhar do outro. Sob os pés dele o gelo vibrava intensamente, e então, um fino jato d'água em altíssima pressão esguichou num círculo em torno dos dois, assutanto a brasileira, que num pulo foi parar nas mãos de Pluvius, que a segurou pelos ombros e, seus olhos se acalmando, disse para a moça:

_ Eu tenho pouco tempo para ser diplomático, Cris. Além do mais, eu entendo perfeitamente que Mascarenhas e todo o ser humano tenham medo de nós, mas eu te pergunto, o que eu faço? Me suicido? Deixo de existir? Não há jeito, Cris, nós, humanos e metahumanos teremos que aprender a conviver. Há uma razão para estarmos aqui, depois, com calma, eu tentarei te explicar. Agora vamos subir.

O esguicho de água aquecida e pressurizada cortou uma plataforma de gelo sob os pés dos dois, e a água aquecida subia, num jato absolutamente controlado por Pluvius, e elevava a plataforma, e conseqüentemente elevava Cristina e Pluvius, em velocidade constante. Em poucos minutos estava chegando ao topo plano da Muralha. Cristina, ainda segura nos braços de Pluvius, olhou para baixo, e sentiu medo. Lembrou do medo do filho de Mascarenhas, e percebeu como os humanos são criaturas frágeis, especialmente quando comparados aos metahumanos e seu poderes absurdos. Então, enquanto caminhavam pelo alto da muralha, Vargas disse ao seu companheiro:

_ Eu espero, Pluvius, sinceramente, que humanos e metahumanos possam mesmo conviver. Ainda não vivi muito, mas sei que algumas coisas, por mais que a gente queira que aconteça, são simplesmente impossíveis.

Pluvius não respondeu, apenas olhou para ela, e percebeu que gostava muito mesmo daquela garota. Pensou por um momento no Sistema Cárcere e no que ele tinha haver com as palavras da jovem meteorologista. Mas então voltou a se concentrar, seria um pouquinho mais complicado descer do lado "de dentro" da muralha do que fora subir.

...

O espetáculo no interior da muralha era ainda mais absurdo e megalômano. Pluvius criava jatos e barreiras d'água para manter ambos a salvo das rajadas e lascas de gelo que explodiam por todo lado. Nevascas levavam, qual esteiras rolantes de uma imensa fábrica, gelo para o alto, e depois desciam em dutos brancos rajados direto para o núcleo da tempestade, invisível por trás de nuvens turbilhonantes. Por todos os lados subiam e desciam gigantescos blocos e cilindros de gelo, alguns com a dimensão de prédios, aparentemente bombeando a água que era sugada do oceano ao longe pelo que Pluvius indentificou como tubos de convecção. Em torno da área mais central, formavam-se esferas de gelo cristalino, dentro das quais alguma reação energética acontecia, pois elas emanavam luz, como se relâmpagos espocassem controladamente dentro delas. Essa energia parecia fluir para placas retangulares de gelo, que corriam paralelas como dominós, descarregando a energia, em direção a tempestade central. Pelo menos, a princípio, Cristina identificou aquela imensa massa azul-acinzentada como uma nuvem de tempestade, então, percebendo o que realmente era, antes mesmo que seu companheiro dissesse algo, ela, pasma, disse aos gritos, pois os rugidos da nevasca e trovões eram altos demais:

_ Aquela coisa é uma pirâmide! Com centenas de quilômetros de base... E centenas de quilômetros de altura... Meu... Deus...

_ O poder de Rhunam está chegando ao limite. _ gritou Pluvius de volta _ Mas, entenda, Cris, eu posso "sentir" água em qualquer estado. Aquilo é água em estado sólido de um jeito que nunca vi antes, parece algum novo material... Bem, mas você, olhando com seus olhos humanos, não pode abarcar toda a paisagem, eu posso "sentir" tudo, e a pirâmide que está vendo é apenas uma pirâmide-montanha, existem mais cinco iguais a ela, em cima das quais existem mais quatro um pouco menores, e acima destas quatro, uma última está sendo construída. O conjunto forma, no todo, uma mega-pirâmide-montanha colossal!

_ Eu... Desculpe, não consegui visualizar a coisa toda... _ Disse Cristina, ligeiramente trêmula, pegando um binóculo em sua mochila de sobrevivência, e tentando enxergar o que acontecia no alto.

_ Imagine um quadrado com milhares de quilômetros de lado. Agora ponha uma dessas pirâmides-montanhas em cada canto do quadrado, e uma bem no centro. Imaginou?

_ Meu Deus, sim... _ respondeu a moça, parando de olhar pelo binóculo, e passando a vista pela cena inteira.

_ Então equilibre sobre essas cinco pirâmides-montanhas mais quatro delas. E sobre estas quatro pirâmides-montanhas intermediárias, Rhunam está construindo mais uma. Esta última deve ultrapassar por pouco o ponto mais alto e tênue da atmosfera do nosso planeta. Dali, eu suponho, ele deve estar esperando conseguir, com seus poderes, propulsão adicional, e então chegar ao espaço.

Cristina olhava para o alto, e, apesar de sua mente se recusar dolorosamente a crer em algo tão imenso feito por um único homem, de fato podia vislumbrar os contornos da megaestrutura em formação. Piscando, como que para voltar à realidade, Vargas perguntou:

_ Mas, porquê ele quer chegar ao espaço?

_ Você está vendo um... Ritual. O poder de Rhunam vem do frio, há mais do que a ciência humana em nossos poderes, há algo que só podemos descrever como magia, e esta magia faz com que, em determinados momentos, se nos retirarmos para lugares que são símbolos poderosos de nossos poderes, estes aumentam mais e mais. Como eu disse, Rhunam está no limiar de seu poder máximo. Vamos, preciso chegar até ele agora!

Cristina sentia medo, mas mesmo assim, com algum esforço, seguiu Pluvius.

...

Iceberg dos Remanescentes, como é conhecido hoje pela mídia, é um homem velho, e no meio da Antártica, enquanto construia sua maior obra, ele lembrava. Rhunam, versão modernizada de seu nome original em um dialeto nórdico quase esquecido, nasceu em terras bretãs do norte mergulhadas em cultos druídicos. Caminhou pelas cercanias de Roma quando ela ainda era uma cidade estado em expansão, e velejou com Vikings pela Rota Ocidental, onde em Brathalid, hoje em ruínas, eles o chamaram O Hálito Frio de Mimir10, devido a sua sabedoria mesmo sendo tão jovem, e aos seus poderes sobre o gelo. Rhunam então costumava gritar que eles fossem procurar seu hálito gelado entre as pernas de suas esposas quentes. Ele era um bom Viking honorário, todos riam.

Lembrar dos bons homens e mulheres que conheceu enquanto velejava nos dragões, como eram chamados os melhores navios nórdicos, fez Rhunam também se lembrar quando navegaram juntos em uma última viagem até uma pequena ilha gelada onde sacerdotes aguardavam para manter O Livro em preparo e repouso. Nesta ocasião, Vetgam, O Velho, comandante da nau em que estavam, bebendo com seu jovem amigo, na proa, disse-lhe com sua voz profunda:

_ Tu pareces tão jovem, e mesmo assim sabemos que és velho, Runninn11, mais velho que eu, e portanto possui grande sabedoria.

_ Verdade, Vetgam, sou velho, mas jamais serei eu tão sortudo com as mulheres quanto tu, por mais que eu rogue aos Deuses. _ Respondeu o Rhunam de então, um sorridente jovem de cabelos loiríssimos e olhos de um azul glacial, mas que já havia vivido por mais de sessenta anos então, e era mantido jovem por seus poderes.

Com uma risada e um caloroso abraço, o velho líder, respeitado e querido por seus homens, brindou a sagacidade do jovem ao seu lado com mais um grande gole de fortíssima bebida, ao que foi acompanhado com grande ânimo por Rhunam. Mas a seguir, um tanto soturno, Vetgam disse:

_ Diga, Runninn, nada esconda deste velho que tanto bem lhe quer: não voltaremos desta empreitada, não é?

O jovem, certificando-se de que estavam separados o bastante do resto da tripulação do barco para não serem ouvidos, respondeu num tom baixo:

_ Minha mãe me pediu que nada dissesse, mas como fostes tú quem perguntastes, e como estou neste mundo por graça de Odin e pela tua mão forte que me salvou há sete meses, haveria maldição para mim se não te fosse sincero: eu voltarei, Vetgam, pois assim quer aquela feiticeira. Mas vocês deverão ser guardas, por muitos anos, do Livro. Talvez para sempre.

_ Maldita! Desculpe, filho, sei que é tua mãe, mas é uma víbora matreira, apesar de abençoada por Loki! Nós nem sequer pudemos nos despedir de nossas famílias!

_ Sinto muito, Vetgam. Sabes bem que, para mim, sempre fostes tu o meu pai. E que, por mim, juro, preferia ficar convosco.

Pousando uma pesada e calejada mão sobre os ombros do jovem loiro, Vetgam deu um de seus enormes sorrisos ruivos, e disse:

_ E tu um filho que me orgulha, Runninn, forte como o vento do norte. Sei que O Livro é demasiado importante, e que aqueles homens de Roma o querem, assim como os Druidas avessos a tua mãe, e os seres que habitam florestas e cantos escuros. E sei que os Deuses sabem disso, por isso mandaram nascer vocês, os poderosos Semideuses. Mas mesmo tendo no encalço toda a ganância dos homens, não me parece que O Livro em si seja mau, então porquê escondê-lo do mundo assim?

_ O Livro é uma fonte de malevolência sim, Vetgam. Ele jamais deveria ter atravessado o vazio e vindo para nosso mundo. E eu prefiro que pense em mim como uma pessoa com poderes sim, mas com o coração de um homem. Bem, mas entenda, O Livro não vai ser escondido, ele está sendo preparado. Haverá um dia uma cerimônia, daqui a muitos e muitos séculos, quando os elementos deverão se unificar, a Água com a Terra, através de mim, o Gelo. A Terra com o Fogo, através da Lava. O Fogo com o Ar, através do Vapor. O Ar com a Água, fechando um círculo, através do Sangue. E tudo isso com o Vazio, através de algo que minha mãe chama de Quantium.

_ Que elemento é esse, o Quantium, onde podemos vê-lo? _ Perguntou Vetgam, que gostava da sabedoria da espada e dos livros.

_ Está em tudo e em nada, por isso ele pode ligar todos os demais elementos ao Vazio. Assim diz minha mãe, pois ela diz que o Quantium ainda é conhecimento apenas dos Deuses. Diz ela que um homem chamado Prometeu, um grego, tentou trazer o Quantium aos homens, mas não logrou êxito. Ela diz que quando o Homem tiver completo controle deste elemento final, o Livro estará pronto para se abrir em sua última página, e Deuses mais antigos que os nossos Vanir12 virão ao nosso mundo, Midgard, e, se prepararmos O Livro corretamente, haverá então uma Era de Paz e Infinita Sabedoria, onde todos, vivos ou mortos, seremos felizes.

_ Hummmm... _ Fez, definitivamente soturno, Vetgam. _ Respeito os Deuses e a sabedoria de sua mãe. Mas isso me parece algo que contamos às nossas crianças para fazê-las se comportarem.

_ Entendo, é sábio pensar assim. Mas todos já vimos o que O Livro pode fazer em mãos erradas, não? E O Maldito nos teria destruído se não fossem Os Sacerdotes e minha mãe, portanto estes devem saber o que dizem.

_ Sim. Tens razão, Runninn, como sempre. Deixemos aos sábios e feiticeiros o futuro, e vivamos estes dias que se seguirão como se fossem os últimos de nossas vidas, meu jovem. Agora há amigos bons e honrados, há alguma comida e bebida forte, e, se Odin estiver em bons dias, haverá lindas mulheres em nossa próxima e última parada antes do lugar de descanso do Livro. Beba, Runninn, beba ao nosso reencontro, um dia! _ Bradou Vetgam, erguendo um brinde que todos no navio acompanharam, com alegria.

Mas Rhunam jamais voltou a ver Vetgam.

Soube apenas que ele, e os outros, foram sacrificados por sua mãe quando ela enlouqueceu ao olhar a página final do Livro. Soube que ela despertou um demônio antigo que ali habitava, e que este demônio a corrompeu, mas Rhunam jamais teve certeza se sua mãe fora corrompida ou sempre fora malévola, pois desde as Fogueiras, quando ela o concebeu, todos sempre tiveram medo dela. No fim, Rhunam era jovem demais, apesar de já um pouco velho, e soube apenas o que lhe foi dado saber então: outros Semideuses como ele próprio viriam, e haveria um tempo intermediário, onde os homens deveriam aprender a entender e dominar o Quantium, e os Semideuses deveriam se tornar Senhores dos Elementos, e que uma outra onda de jovens Semideuses viria renovar o sangue dos Senhores, e que destes novos seres viriam, daqui e dali, aqueles que formariam a união final dos elementos. Rhunam sabia que, apesar da aparente insanidade de sua mãe, deveria haver um plano maior, e conformou-se em viver seu papel, até o Dia de Peregrinação chegar, quando ele, o unificador da Água e da Terra, deveria subir aos céus mais frios, e estar pronto.

Era precisamente o que estava fazendo agora.

...

Pluvius olhava fixamente para Cristina Vargas. Em sua forma aquosa, Johann não sentia seus sentimentos como seres humanos, ele não estava sentindo seu coração esmagado pela dor da perda, mas todo seu interior oceânico estava em choque. Eles mal haviam chegado a lateral da montanha-pirâmide mais próxima, Cristina observando que a mega-estrutura de gelo tinha estruturas rochosas em seu interior, e Rhunam os pressentiu. Rhunam podia sentir as finas porções de Pluvius se congelando assim como Pluvius podia sentir a água presente nos gelos de Iceberg.

Cris fora congelada por uma rajada tão brutal de gelo, que Johann podia ver, no gelo que a engolira, filetes de sangue. Cristina estava com a expressão que fizera ao ver a torrente frígida se aproximando e caindo sobre ela: seus olhos continham o horror brando de quem sabe que não há escapatória, seu rosto, no entanto, estava relativamente sereno, apesar do corpo estar retesado, talvez pelo choque do gelo fazendo explodir muitas de suas células.

_ Ela está mesmo morta! _ Veio do alto a voz potente de Iceberg, ecoando por todo aquela inferno gelado. Pluvius ergue o rosto, dentro de si ele é só lágrimas e dor, e ele grita para Rhunam:

_ Porquê, Iceberg?!?

_ Comece perguntando a si mesmo o por quê de tê-la trazido até aqui.

_ Eu precisava dela como guia...

_ MENTIRA! Ela pode ter tido utilidade para você até trazê-lo à minha muralha, apenas para você chegar rápido, mas dali até aqui ela apenas corria um risco desnecessário.

_ Eu... Eu a amava!

_ Outra mentira! Se a amasse, cuidaria dela, teria evitado que ela viesse até aqui.

_ Eu sempre acreditei que você era bom...

_ Bondade é um termo relativo, Pluvius! Somos mais que humanos, infelizmente, então temos responsabilidades mais que humanas. Eu vi a História acontecer desde quase o princípio, e sei que todos os seres vivos filhos deste planeta dependem do que vamos decidir aqui, agora. Por isso quem é contra o bem maior quer saber e impedir o que está acontecendo. Ela te mandou me espionar, eu sei!

_ Profanadora quer que eu diga a ela a que ponto chegou seu poder, Rhunam. Agora sei que ela precisa parar você, está se tornando um monstro.

_ E então, o que vai ser? Vai destruir aquele que, matando sua namoradinha, te lembrou que você não pode ser um humano comum?

Pluvius ficou, por um longo momento, olhando Iceberg, que, sobre um colossal pilar de gelo que afundava, vinha descendo de algum lugar nas alturas. Quando estavam quase frente a frente, ainda se encararam, num confronto de olhares, um duro como o gelo mais frio, outro selvagem como o oceano mais revolto.

Então o choque.
Milhões de toneladas de água se erguendo, as moléculas de água do gelo se liquefazendo, as moléculas do ar condensando, até a água nas rochas subterrâneas se desprendendo, e, especialmente, toneladas de água saltando do interior dos tubos de convecção do próprio Rhunam explodiam sobre ele. Mas o homem de gelo erguia fazia a própria água se congelar, virando gelo, e quando esse gelo caia sobre ele, Iceberg apenas se tornava um com o gelo, e passava por ele, átomo por átomo. Como a água é o próprio Pluvius, ele e Iceberg quase se fundiram! Eram espíritos lutando com a ferocidade dos deuses de um dia, seus punhos, imensamente brutais, eram o choque violento que ocorria no limiar entre a água vibrante e aquecida e o gelo puríssimo, numa explosão ensurdecedora de moléculas de água contra átomos congelados. Essa zona de impacto era um lugar onde nada poderia sobreviver, mas ainda assim um monolito rochoso brotou do gelo, e, reconstruindo-se constantemente, sobrevivia teimoso as ondas de choque brutais. Percebendo que Rhunam apenas se defendia, e curioso com o pilar de pedra, Pluvius parou de atacar por um instante, e voltou sua atenção ao pilar. Então, no mesmo instante, a rocha se partiu e, de dentro dela, belíssima e mais madura, emergiu Rayearth. A jovem mulher parecia dançar, enquanto fazia emergirem mais pilares de pedra do solo, e um momento depois, quando Rhunam e Pluvius retomam substância humanóide, ficaram os três cercados por um monumento que lembrava, estranhamente, Stonehenge.
_ O que significa isso, Rhunam.
_ Esperávamos você, Johann. _ Disse, suave mas majestosa, Rayearth
_ Isto, Johann... _ Ribombou a voz de Rhunam, O Velho. _ É a prova de que o que você leu no Livro é verdade. É o cumprimento de uma profecia.
Então algo acontece. Iceberg toca a mão de Pluvius, que não resiste, e, com um olhar concentrado e enigmático, Rayearth pega a outra mão de Rhunam. Quando o contato é feito, surge um novo material, jamais visto no Universo, ele é Águaterra, fluído e sólido, matéria prima dos sonhos onde castelos viram rios que viram cristais que viram cachoeiras que viram metais. No fim do mundo, Pluvius presenciou um milagre. Um milagre previsto há muito tempo, Pluvius sabe, um milagre maior que Iceberg, que Cristina, que ele próprio. Em sua Forma Elementar Superior de Águaterra, Pluvius sente o numinoso13 em si, e chora diante da imensidão das coisas.

...

Cristina despertou. Estava dentro de alguma caverna agradavelmente aquecida e ligeiramente vibrante, e havia uma jovem muito bonita sentada ao lado dela. A jovem, que usava uma armadura de escamas de cristal e jade que se moldavam ao seu belo corpo, sorriu, e disse:

_ Não se preocupe, Cristina. Iceberg te congelou, mas te descongelou, você vai ficar meio dormente mas logo vai ficar super-bem. Eu me chamo Rayearth, sou uma Remanescente, e estou levando você de volta ao teu navio.

_ Onde estamos? Como sabe meu nome?

_ Seu nome está bordado no teu casaco. E nós estamos num constructo de rocha aquecida que está nos levando de volta até a base Comandante Ferraz.

_ Johann?

_ Está bem, mas se foi. Ele tem um destino a cumprir. Eu... Sei que vai sentir falta dele. Não vivemos sem estes bobalhões dos homens, não é mesmo? Mas deste você vai ter que se desligar. É perigoso demais para você, percebeu, não?

_ Eu... Não quero mais saber de metahumanos! Desculpe, mas é verdade.

_ Tudo bem. Mas Rhunam, que é mais velho que Matusalém, me disse que pode ser que você seja chamada ao palco dos acontecimentos de novo.

_ O que ele quis dizer?...

_ Eu não sei. Quisera saber. Sei apenas que uma coisa maravilhosa aconteceu hoje, e a terra está... Feliz. Agora vou te deixar junto de um módulo habitacional da Comandante Ferraz, está bem?

_ Obrigada. _ Murmurou Cristina, sentindo alívio por estar viva, louca para voltar para o Brasil, mas morrendo de curiosidade para saber quando pisaria naquele palco explosivo de novo.

...

Tomo IV - Despedida

Duas semanas atrás.

Local: Ilha de Delos14, Mar Egeu. 

Temperatura: 22 Graus.

"O neurótico constrói um castelo no ar. O psicótico mora nele. O psiquiatra cobra o aluguel”. _ Jerome Lawrence.

Na ilha de Delos, em pleno Mar Egeu, num subterrâneo tão luxuoso que poderia ser qualquer mansão em um rico balneário grego, Pluvius reencontrou Margareth Henzller, a Profanadora. E relatou assim, seu encontro com Rhunam:

_ Ele não conseguiu, lady Profanadora. Seu Rhunam não conseguiu. Ele sentiu o chamado do Livro, assim como nós, mas ele não conseguiu. Tentou construir uma coisa hedionda, para levá-lo até o frio do espaço, mas tudo ruiu quando tentou uma união entre mim e a Remanescente Rayearth. Para Iceberg foi a coisa mais dolorosa, perceber que a profecia do Livro era falsa.

_ Eu sei. _ Disse a belíssima feiticeira, uma das mãos sobre uma esfera de cristal negro em sua escrivaninha, ela própria vestida em vapores negros que deixavam à mostra suas soberbas curvas, sem, obviamente, mostrar demais. Henzller é má, é cruel, mas, definitivamente, é deliciosa. _ Eu mesma inventei esta mentira! Aquele meu pobre menino tolo.

Pluvius ficou um momento aturdido. Uma mentira? Mas a própria Profanadora, que nem por um segundo deixou de fitá-lo com seu olhar ao mesmo tempo lânguido e penetrante, foi quem tirou Johann da dúvida ao dizer:
_ Mas, acalme-se, Pluvius, meu bem. Aquele maldito Livro escreve certo por linhas tortas, e não será a primeira vez que ele aceitou e tomou como sua uma boa idéia de alguém mais, digamos, espirituosa! _ E soltou uma gargalhada cristalina e sensual. Depois, olhando o outro com uma força selvagem e indistinta, disse: _ Meu doce Arauto, agora tenho assuntos pessoais, tenho que arrumar um jeito de tirar um sujeitinho... Quente... Do meu pé.
_ Diga quem é, milady, e nós o derrotaremos.
_ Não, eu preciso apenas do meu Empire. Vocês outros não. Vá embora, junte os outros, a açoite mais uma vez aqueles meninos e meninas que teimam em remanescer e se meter nos meus planos, vou ter meu Empire agora, e nada vai me atrapalhar mais. Eles têm que estar com os fundilhos quentes quando a hora que prevejo chegar, então vamos endurecer o jogo. Custe o que custar, aproveitem que eles estão sob mais um Eclipse do Livro, e que os poderes deles estão nas sombras, e... _ Ela fez uma pausa e deu um murro com o punho na esfera de cristal negro, que explode em uma miríade de fragmentos, sem, no entanto, ferir a feiticeira ou fazer qualquer som. Margareth então completa a frase: _ Batam com força nos Remanescentes!
Johann acreditava que tudo aquilo deveria fazer sentido para o espírito de Margareth, o espírito mais antigo que ele conheceu e que já tocou o Livro. Sem questioná-la, Pluvius fez uma reverência e saiu dizendo apenas:
_ Até breve, minha Senhora.
Mas quando ele já tinha partido, Margareth, sem tirar os olhos dos estilhaços do cristal ébano, com uma expressão profundamente triste, disse:
_ Adeus, meu caro Pluvius.
O que Margareth não soube foi que, do lado de fora do covil da feiticeira, Pluvius se deteve um momento, observando alguns de seus colegas Arautos, olhando amplamente em volta de si, respirando fundo, e dizendo, baixinho, consigo mesmo:
_ Fiz o que tinha que ser feito. _ E pensou, com muita curiosidade, em quem encontraria a essencia de suas memórias e seus poderes, que ele havia plantado em um pequeno e perdido afluente do grande rio Amazonas. Mas desistiu do pensamento, não estaria mais aqui para saber, e concluiu seu solilóquio dizendo: _ Agora é o fim da minha jornada, vamos nos reencontrar em algum lugar, meus queridos Gregor e Herold. _ E, tomando sua forma fluida, Sheckter murmurou enquanto saía: _ Adeus.

...

Tomo V - O Dia de Sua Morte

Dez dias atrás.

Local: A Fossa dos Senhores, nos subterrâneos sob o Monte Vesúvio. 

Temperatura: 37 Graus e subindo.

"Vale à pena morrer;  fugir do mundo, as trilhas da selvática aspereza, e mergulhar de novo no profundo Abismo da profunda natureza”. _ Júlia Cortines.

Marty, o Reator, ainda estava influenciado por seu encontro com a mãe de Mirelle, quando foi arrastado pelos eventos para mais um confronto com os Arautos. Tudo aconteceu tão rápido que ele se sentia um pouco tonto. Num momento, estava em Paris, tentando dormir enquanto era assolado por diversos pensamentos que o deixavam mais e mais ansioso: o clima esquisito entre Paul e Diana, o clima super-esquisito entre Walter e sua aluna Miss Jones, o angustiante desaparecimento de Pulsar, o peso de consciência que isso lhe causava. De tudo o que aconteceu, a coisa boa foi conhecer a mãe de Mirelle, mulher extremamente atraente, e que era sua convidada, passando a noite em sua casa, no quarto ao lado do seu. Assim sendo, Marty fazia um esforço para acalmar sua imaginação, mas no momento em que conseguiu dormir um pouco sua convidade foi alvo de um sonho seu, bastante quente. O que o fez tomar mais uma ducha fria.

Já tinha motivos o suficiente para se preocupar quando aconteceu algo pior. Foi arrastado por Vento, a Arauto, para fora de casa, não fez muitas objeções porque queria que sua convidada passasse despercebida. Do lado de fora, chegou mesmo a brigar com Vento, dando-lhe um choque de fritar os miolos se estivesse com seu poder a plena carga, mas acabou indo encontrar muitos de seus velhos companheiros Remanescentes nas estranhas cavernas onde Profanadora tentava conjurar um novo e, ao que parece, muito poderoso Arauto. Como sempre, os Remanescentes agiram com força, mas desorganizadamente (como ele, Marty, não via isso antes? Pensava que estava envelhecendo... Amadurecendo, talvez), e então algo diferente aconteceu com Reator.

Sua energia aumentava continuamente naquele lugar. Mas ele não atacou com força total. E não conseguiu se sentir bem ao ver outros Remanescentes perdendo o controle e tentando matar Arautos. Entendia que aquela eterna luta entre Remanescentes e Aurautos já estava dando no saco, que até dava vontade de partir para o tudo ou nada, mas uma parte cada vez mais forte de si mesmo sabia que era necessário mais que isso. Era preciso pensar antes de agir, para não se arrepender depois. Estava surpreso consigo mesmo! Talvez tivesse sido o choque de ver o Paul! Justo o Paul agindo como um assassino! Ou talvez tenha sido o sentimento de culpa pelo que de horrendo talvez tenha acontecido com Mirelle, esquecida por todos. Acontece que Marty não conseguia deixar as pessoas se matarem, e estava fazendo o possível para evitar isso, mesmo que nenhum dos dois lados, nem Remanescentes, nem Arautos, estivessem ajudando.

Reator fez mesmo tudo que pôde. E estava tentando chegar até Power Punch, para, talvez, sacudi-lo, trazê-lo à razão, fazer o cara voltar a ser o herói que ele sempre foi, quando sentiu a pressão do ar batendo em suas costas como um aviso duro e gélido de algo terrível se aproximando, entrando naquelas cavernas chamejantes. Voltou-se e seu queixo quase caiu quando viu, invadindo com uma fúria devastadora as galerias daquele subsolo, uma onda gigantesca de água.

Alguma coisa estava acontecendo naquele lugar, talvez forças da Planície, talvez os catres dos Senhores, ancestrais dos Remanescentes, mas Reator e todos os outros estavam com poder quase total. E Marty não viu outra saída. No fundo desconfiou que aquela manifestação fosse Pluvius, mas como seu destino fosse ser esmagado e desintegrado por aquela onda monstruosa, ergueu as mãos, e disparou tudo que pode, uma quantidade imensa de megawats de eletricidade, contra a parede de água.

Tudo que Marty mais quis evitar, ele mesmo se viu obrigado a fazer. Então, enquanto vaporizava a água, sentiu algo, uma... Conexão... Todos, Arautos e Remanescentes, eram descendentes dos Senhores, semideuses da antiguidade, e, talvez através do Livro, possuíam um laço. Marty soube que destruiu Pluvius. Soube que foram todos usados por Margareth como focos para que o novo Arauto fosse criado. Parado em meio a toda aquela violência e caos, Reator sentiu-se só. Vazio. Velho. Cansado.

Então a luta prosseguiu, aquele vertiginoso redemoinho de acontecimentos que sempre os engolia a todos, com voracidade. E Marty pensou consigo mesmo, que se saísse vivo dali, agora mais do que nunca, ele acharia Mirelle. Tinha que fazer algo de bom.

...

Como você vai se sentir no dia exato em que for morrer? Já pensou nisso? Será que vai pressentir? Será que vai saber? Será que, assim como Johann Sheckter, você saberá exatamente o que vai acontecer? Ele sabia, e entrou em cena exatamente como sabia que deveria entrar. Dizem que o medo só nos assola enquanto existe esperança, quando não há mais esperança, não há mais medo. Pluvius estava calmo. Já há alguns dias ele e os Arautos, seguindo as ordens de Profanadora, arrebanharam os Remanescentes, tocando-os mesmo como se faz com carneiros, para levá-lo até aquelas cavernas fumegantes, para que Henzller pudesse usá-los como âncoras energéticas que focalizariam as energias do Livro e criar seu Empire, seu Arauto do Inferno. Muito embora manipular os Remanescentes fosse fácil (sempre é fácil manipular aqueles que não sabe tudo o que está acontecendo em torno deles, pergunte a qualquer político), mas enfrentá-los diretamente, mesmo com os poderes reduzidos pelo Eclipse do Livro, era outra coisa, muito, mas muito mais difícil. Eles não são organizados, mas eficientes quando querem, eles não são tão poderosos, não são experientes, mas são imprevisíveis. Pelo menos até aquele dia, pois naquele dia Pluvius sabia exatamente o que iria acontecer, por isso tempos antes ele já havia estado no local, e havia acumulado vapor d'água em grande quantidade dentro de câmaras subterrâneas, para transformá-lo em água no momento exato. E, exatamente no momento certo, enquanto Arautos se engaufinhavam com Remanescentes que, mais do que nunca, estavam empenhados em sobreviver, Pluvius entrou em cena. Surpreendeu-se com duas coisas: Paul, o Power Punch, desejava matar, o ódio crescendo cedo nele, e Marty, o Reator, mostrava um amadurecimento perigoso, curiosamente, apesar do que estava para fazer, justamente hoje ele não tinha nenhum desejo de destruir, muito pelo contrário, estava salvando vidas. Continuasse assim ele poderia desequilibrar o jogo antes do tempo. Mesmo assim, inexoravelmente o destino se cumpriu, e, num determinado momento, estavam frente a frente, Pluvius (que havia conjurado toda a água que armazenara e se unira a ela) e Reator (que estava exausto e vulnerável, pronto para atacar sem pensar). Diante de uma onda descomunal (Pluvius de "braços" abertos), feita de uma muralha d'água que parecia ter surgido do nada, Marty não teve muita escolha, e disparou tudo que pode contra ela, uma rajada intensa de eletricidade pura. A eletricidade agiu separando as moléculas d'água em seus componentes, hidrogênio e oxigênio, e, naquela intensidade brutal, desligando o fluxo molecular onde Sheckter armazenava sua mente quando se fundia à água. Foi uma morte instantânea e indolor. Num segundo, Johann Sheckter assistia ao momento final de sua existência como o Livro lhe disse que aconteceria, pensando que adoraria que não fosse um fim, mas o início de uma jornada maior onde pudesse encontrar seus filhos há muito perdidos, no segundo seguinte, Pluvius, um dos mais poderosos e talvez o mais venerável dos Arautos, não existia mais. Perdeu-se, como se perdem lágrimas imersas em um oceano.
Isto não é absurdo? Talvez...

...

Rayearth, bela e morena, em sensuais roupas de banho, de óculos escuros, usando como adorno apenas um colar. Ela descansava em uma espreguiçadeira, numa praia pertencente a uma mansão em Nice, França, quando sentiu a morte de Pluvius. Rhunam havia explicado a ela o que aconteceria, que depois de ter unificado seus poderes aos de Johann ela sentiria quando ele passasse pela Segunda Grande Transmutação. Mas mesmo sabendo intelectualmente o que iria acontecer, suas emoções não estavam prontas para aquilo: por uma fração incomensurável de segundo ela esteve no coração de Pluvius, e sentiu quando ele deixou de existir, e depois, de uma maneira que ela jamais poderia verbalizar, sentiu que a não-existência era um imenso salão de uma catedral infinita! O choque de percepção para ela foi tão grande que a praia onde ela estava convulsionou, a areia ondulando intensamente, e obeliscos de rocha e quartzo explodindo terra afora, enquanto o coração da linda jovem parecia que ía explodir também!

Quando o peito de Rayearth parou de arfar, ela ficou imóvel por um longo tempo. Parecia ter morrido, arrastada pelo torvelinho de além-existência para onde fora levado Pluvius. Mas então, com um grande gole de ar, Rayearth despertou. Respirou profundamente muitas vezes mais e, depois de alguns minutos, parecendo mais calma e enfim levantou-se. Abriu os braços, palmas para cima, e todos os obeliscos de rocha vibraram e saltaram vários centímetros para o alto, mergulhando de volta areia adentro quando Rayearth os guiou de volta pondo as palmas de suas mãos para baixo e descendo os braços qual um maestro regendo. Com a graça doce e feminina que lhe era típica, regia um concerto de forças brutais.

Quando a praia estava de volta a normalidade, a jovem caminhou devagar até o ponto onde as ondas do oceano quebravam na praia, e tirou o pingente que pendia de seu colar, levando-o aos seus lábios carnudos, e sussurou para a pedra como se falasse aos ouvidos de algum doce amante:

_ Você está livre, pois só existe agora uma das suas fontes. Seu pai se foi. Boa sorte, meu menino. _ E esticou o braço a frente de si, abrindo a mão, e deixando cair nas ondas o pingente, que, ao mergulhar, fez dezenas e dezenas de quilômetros quadrados de mar tornarem-se rocha sólida por uma fração de segundo, voltando ao normal pouco depois.

Rayearth, apesar da dor de perder alguém que se tornou parte dela, sorriu, ciente de que fizera a sua parte numa sinfonia imensa, incomensurável.

Ela estava tirando os óculos escuros e enxugando os olhos lacrimosos, quando um homem, da sacada da mansão às suas costas, a chamou com um grito e um aceno de mão. Ela esteve tão entretida com o que havia acabado de acontecer, que não percebeu que tudo se deu num rápido momento, mas que mesmo assim, fora um evento tão intenso que chamara sem dúvida a atenção de seu amigo na mansão. Ele era um homem jovem e muito bonito, trajando também roupas de banho, com olhos azul-cinzentos e cabelos extremamente louros. A jovem Remanescente acenou de volta, e respondeu:

_ Sim! Aconteceu sim, Rhunam! Tudo está mudando! Ele está livre! Mas me explica! Porquê?

Um vento muito forte soprava do mar agora. Rhunam não respondeu. Parou de acenar, e ficou olhando o horizonte. Depois de um momento, disse apenas:

_ Suba, Ray! _ e continuou falando, mais para si mesmo: _ Vamos comer algo e conversar. Os dias se tornarão breves daqui para frente.

...

Sheckter abriu os olhos e sorriu.
_ Eu sabia. _ Disse ele ao homem na sua frente, naquela imensidão indescritível. O homem sorriu também.
_ Como se chama? _ Perguntou Shekter ao homem.
_ Não preciso de um nome.
_ Onde estou? Quem ou o quê me trouxe aqui?
_ Respondo de forma que você possa entender: estamos na primeira linha, da primeira página, do Livro que vem depois do Livro do Destino. Duas entidades  trouxeram você, Shekter, aqui. O Orador dos Mortos e aquele que chama a si mesmo de Aleph.
_ Eu havia terminado, estava morto.
_ Uma questão semântica. Assim como a magia, por exemplo.
_ E agora?
_ Agora? Poesia... Em algo que você pode chamar de versos de dor, alegria, numinância e tormento.
_ Mas isso foi o que deixei para trás, aquilo que chamamos de vida.
_ Sim, num certo sentido descreve bem a vida. E veja, curiosamente, seus laços com aquilo ainda não acabaram. Você ajudou a trazer um novo personagem ao palco, Empire. Profanadora usou de tua força vital em extração, quando uma... Alma... Se desliga da vida, para arrancar ao inferno a essência do novo Arauto. Bem típico dela. Mas não termina por aí, este novo personagem terá uma história, mas você, indubitávelmente, fará parte dela.
_ Eu queria ver meus filhos.
_ Sempre pôde, da forma possível. Peço que olhe para trás.
Outro infinito, em fúria e em chamas. Imensamente aterrador, tão apavorante que esmagava a alma, mas mesmo assim, contendo algo de magnífico, majestoso, imperial, belíssimo.
_ O que...?
_ A Última Página do Livro do Destino. Vamos falar sobre ela agora, Johann. No fim, tudo é um recomeço.

...
Tomo VI - Vingança!

Uma semana atrás.

Local: Um pequeno hotel, em uma pequena cidade agora deserta, na França. 

Temperatura: 16 Graus.

"O Homem é o único animal que pode permanecer, em termos amigáveis, ao lado das vitimas que pretende engolir, antes de engoli-las”. _ Samuel Butler.
_ Pluvius está morto. _ disse, com a voz consternada de indignação, a Arauto Forza. _ Vamos fazer como fizemos com Potenza e com os outros? Vamos aceitar mais uma vez as ordens de Profanadora e vamos engolir isso?
_ Quem o matou? _ Perguntou Weaver.
_ Summerboy! _ Disse Vento.
_ Reator! _ Responderam Tellurica e Citrus.
_ Power Punch, eu... Eu acho que foi ele! _ Murmurou Faunus. _ Reator salvou Vento, isso sim.
_ Meu Deus, isso tá confuso demais, alguém realmente viu o que aconteceu? _ Pergunta Orquídea.
_ Calem a boca! _ Veio a voz sensualmente debochada de Mortal.
Após o combate com os Remanescentes onde um Arauto nasceu _ a forma mecanóide-demoníaca de Empire _ e outro se foi _ Pluvius _ os Arautos se reuniram, acreditando firmemente que faziam isso sem o conhecimento de Profanadora, que se concentrava em evitar Leviatã, que a estava caçando. Os Arautos, desta vez, sentiram a perda de um dos seus de forma mais incisiva, afinal, de um modo ou de outro, todos gostavam de Pluvius. Havia uma certa união em torno do primeiro Arauto a encontrar com o Livro. Dele tomavam conselhos e energias em horas ruins, e os Arautos tinham muitas horas ruins.
Eles chegaram àquela pequena vila no final daquela tarde, e imediatamente expulsaram todos os habitantes. Com estradas destruídas, redes de comunicação em pedaços, a população fugindo pelos campos frios, e com uma tempestade caindo sobre o lugar, sentiam-se isolados o suficiente para tramar uma vingança.
_ Não importa quem fez. Fizeram, e vão pagar. _ Disse Mortal, com um sorriso brando, como quem explica algo delicadamente a uma criança.
_ Olho por olho! _ Gritou Citrus. Ao que foi seguido por muitos outros, que bradavam "morte! morte!".
_ Acho isso precipitação! _ Gritou Weaver, por sobre a algazarra, e ao mesmo tempo olhou para o canto mais escuro da sala. Mas assim que voltou a olhar em direção a mortal, este já estava sobre ele como uma parede de lâminas, gritando:
_ Cala a boca, por favor, eu falei, ou vou ter que dissecar você, Arauto honorário! Não se meta no que não entende.
Um momento antes de Weaver revidar e atacar Mortal, as sombras do canto escuro pareceram explodir silenciosamente, e do meio delas vieram primeiro duas luzes crepitantes, e depois o corpo intensamente eletrificado de Pluguer, seguido por Bestial. Ambos se puseram lado a lado. Muitos dos outros se encolheram. Mortal apenas recolheu suas lâminas e, com uma inclinação elegante e sutil, olhou por trás de ambos, dizendo:
_ Se as mãos chegaram, o cérebro deve estar vindo logo atrás. Milady Profana já vem vindo? _ E sorri seus mais belo, debochado e irônico sorriso.
Bestial estava sobre Mortal no instante em que ele pronunciava a última sílaba da última palavra da frase. Rasgou o belo rosto do assassino laminado em dois lugares, e, rosnando, saltou antes que Mortal pudesse devolver o golpe, girando por cima dele. Bestial então agarrou Mortal por trás, dizendo ao pé de seu ouvido:
_ Mortal, seu estúpido, não sabe calar a boca e ouvir? _ E quando Mortal criou centenas de lâminas e as projetou de seu corpo para trás, Bestial já se fundia com as sombras na parede, e surgia por trás de Pluguer, voltando ao seu lugar ao lado dele. Mortal reconstruía seu rosto com suas nano-máquinas, e olhava para os dois Arautos, agora os prediletos de Profanadora, com um olhar de ódio puro e um ligeiro sorriso no canto dos lábios.
Então Pluguer falou. Sua voz grave e penetrante reverberando pelo lugar.
_ Senhores e senhoras. Entendo perfeitamente o pesar de todos. Johann era, talvez, o maior de nós. Por isso eu e Marshal aqui conversamos, e decidimos que Henzller deve mesmo ficar fora disso. Muito menos eu e Bestial nos envolveremos diretamente. Nem haverá um outro confronto com todos os Remanescentes. Acreditamos que uma lição deve ser dada, mas com precisão cirúrgica, portanto os Arautos devem escolher um Remanescente, e este será o exemplo para todos os outros. Também queremos a VINGANÇA.
Bestial enchera novamente o fundo da sala de trevas, e mergulhava nelas seguido por Pluguer quando este último se voltou para os Arautos e disse, com seus olhos explodindo em chamas elétricas:
_ Sim, é claro que o golpe deverá ser dado por uma só mão, por alguém que seja preciso e... _ Olhou na direção daquele que deveria destruir um Remanescente e completou: _ Mortal.
Assim que as presenças intimidante de Pluguer e Bestial se foram, os Arautos começaram a gritar os nomes de Remanescentes que eles queriam ver aos pedaços, muitos nomes foram citados, mas, depois de quase uma hora de deliberações, alguém foi escolhido para desaparecer. Esta pessoa seria sacrificada, seu destino foi selado quando todos os Arautos recitaram O Juramento, e todos reverenciaram Mortal, que sentia uma excitação incomum e vibrante.

Assim que acabou a reunião de vingança, Mortal passou horas e horas caçando os cidadãos da pequena cidade francesa nas florestas dos arredores, para cortá-los vivos, pedaço por pedaço, enquanto procurava entender que sensações absurdamente prazerosas eram aquelas que o invadiam, por ele ter sido escolhido para a tarefa. Acima de tudo, acima de sua ojeriza aos organismos vivos, acima de sua vontade de rasgar o coração de Bestial, acima de tudo mesmo estava aquilo que movia essencialmente Mortal: uma singela curiosidade. Ele estava.... Feliz.

...

Tomo VII - Garoto do Rio

Hoje.

Local: Apartamento de Heleonora Hundrgroove, Rio de Janeiro, Leblon. 

Temperatura: 20 Graus graças ao ar condicionado pago por ela.

"Olha! Olha os meus peitinhos! Olha minha bunda!”. _ Nash - O Summerboy, cuja mente estava no corpo de uma "amiga".
_ Eu tenho e-mail! _ Disse, cantarolando, Nash Hundergroove, conhecido mundialmente como Summerboy, sentado na cama e baixando mensagens com o notebook da prima que ele havia levado há algumas semanas para seu quarto.

_ E-mail é coisa do diabo! _ Disse a avó, Hellmett, passando perto do quarto do jovem que ela amava mas que achava merecer passar meses ajoelhado no milho, se ao menos ela tivesse coragem de castigá-lo.

Nash, sem emitir um som, imita debochadamente a idosa senhora, que não pode vê-lo pela porta do quarto fechada, enquanto pensa que a velha tem um ouvido de tuberculosa.

_ Não deboche de mim, Nash, ou derrubo essa porta a tiros, e meto juízo nesta tua cabeça com uns bons cascudos, moleque!

_ Caraca, vó! O metahumano aqui sou eu!

_ Era!! _ Grita a velha, se afastando, provavelmente indo ver novelas mexicanas na TV. _ Agora você é um rapaz estudioso, e logo se forma no Mobral!

_ Pró-Jovem, vó!! Eu sei ler, caramba! Se não, não lia e-mail! Meu curso é uma parada séria, que ensina interpretação de textos! E quem ainda não sabe entender muito bem o que lê aprende, pra ficar igual geral! Caramba, já falei! Porquê acha que eu descanso o dia todo para estudar de noite? É dureza, puxadão, pô, não diminui meu esforço!

_ Isso, isso, querido... Agora me deixa com meus afazeres e vá ler teus e-mails dos infernos, querido! Quero que a contabilidade do restaurante esteja em dia, quando tua prima voltar da viagem com o namorado dela que eu aprovo!

Nash coçou o queixo, estava barbado, Heleonora esqueceu de comprar as lâminas de barbear dele antes de viajar. Sua prima era legal, mas uma péssima anfitriã. Bem, mas era tão legal que continuaria fazendo compania prá ela morando ali.

_ Meus e-mails... Deixe ver. Piadas! Piadas! Mais piadas! Um e-mail novo do Marty! Ah, não, ainda é aquele da semana passada que não deu vontade de ler... Ok, é hora de fazer alguma coisa... Responder... "Legal, blz, Marty, abs, Nash", pronto, isso responde qualquer coisa que ele escreveu. Ei!!! Um e-mail do Paul! Aquele analfabeto não me escreve nem pra me xingar! Deixa eu ler, hummm, hu-hu-hummm, hummm, não é dele não, mas tem vídeo pornô anexado... Oh, devo abrir um vídeo de origem desconhecida? Ah, bem, esse computador aqui tem antivírus e nem é meu mesmo... Deixa eu ver se tem o codec... Tem... Vai rodar... Shhhhh, que bunda gostosa do caráio!!! Óia! Que mulé gostosa, tira logo essa saiazinha apertada, minha nenenzinha, ú, ú, ú!... Ei, peraí, conheço estas nádegas!

Na tela do computador, o vídeo, que estava em close na cintura bamboleante de uma bonita mulher que caminhava pela rua e começava a subir uma escadaria, agora entrava em tomada panorâmica, e então Nash esclamou:

_ Diana! Caraca, eu sabia que já conhecia essa bunda! _ Então, coçando a cabeça: _ Ué, será que isso é e-mail do Paul mesmo? Tava com saudade da Byzantine e resolveu atacar de Dupret mesmo?? Mas não é aquele e-mail de babaquinha que ele usa... Bem, deixa rolar, no mínimo vou apreciar o rabo da Diana mais um pouco, he he he, mais tarde pode me ser útil, heeee, he he he. Que raio de lugar é esse?... École de alguma coisa... Parece francês... Ah, já sei, é a escola dos filhos dela, lá naquela cidade de viados, sou um gênio da dedução!! Ela tá indo pegar as pestes! Vai ver que foi aquele filhinho dela dos infernos que filmou a bunda da própria mãe, daquilo eu espero qualquer coisa, ele é dos meus, he he he... Ué, não vai seguir ela lá dentro de escola não, porra? O quê? _ Uma mão enluvada entra em frente ao vídeo, segura um cartão, onde se lê "a imagem vai ficar escura mas seu computador NÃO congelou, é que cortei o tempo que ela levou lá dentro até descobrir que estava ferrada", ao que Nash responde: _ Ok, ok... Imagem escura, não desligar o computador, imagem volta e... Diana... Está chorando...

_ Helena! William! Meus filhos! Alguém viu meus filhos? _ Gritava Diana, no vídeo, desesperada, descendo as escadarias do colégio. Alguém dizia a ela que as crianças saíram junto com um homem. A mão enluvada entrou em frente a imagem de novo, com um novo cartão dizendo: "No próximo capítulo, se Diana quiser pelo menos encontrar os corpos dos filhos, vai precisar da ajuda de vocês. Te espero em Paris!".

Nash ficou gelado, olhando o computador. Ele tem fama de não se abalar com nada, de ser quase louco, de não levar absolutamente nada a sério, mas mexer com os seus era outra coisa. Mexer com seus sobrinhos, mexer com sua afilhada (a maior surpresa de sua vida quando Diana o convidou para ser padrinho de Helena) o deixou com muita raiva. Ele sentia o ódio ferver, apagando o seu lado brincalhão, e o levando a pensar coisas sérias. Tinha que ajudar a encontrar as crianças! Tinha que ir a Paris ferrar com aquele filho de uma vadia desgraçada que tava brincando com coisa séria! Não podia flamejar como antes, mas ainda tinha uns truques dolorosos na manga para mostrar ao senhor luvinhas de viadinho!! Tinha que ir a Paris! Então, com a cara mais séria da sua vida, entre os dentes cerrados, ele disse, intensa, firme e lentamente:

_ Ainda bem que eu sei onde Heleonora guarda seus cartões de crédito!

FIM 

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(1) _ Navio KdF Wilhelm Gustloff: Navio de passageiros alemão, deslocando 25484 toneladas à velocidade de 15 nós, construído nos estaleiros Blohm & Voss, de Hamburgo. Os trabalhos iniciaram-se em 1 de Maio de 1936 e o lançamento à água teve lugar em 5 de Maio de 1937, seguindo-se as operações de apetrechamento e finalmente a entrega a KDF, que teve lugar a 15 de Março de 1938 sendo Carl Lubbe o seu 1.º Comandante. Em 4 de Abril de 38, durante uma das primeiras viagens, efetuou sob péssimas condições de mar, o salvamento da tripulação de um cargueiro Inglês - o SS Pegaway - o que foi muito noticiado na Imprensa Britânica. Em 20 de Abril de 1938, parte, junto com outros navios da frota KDF para a viagem inaugural como navio de cruzeiro rumo ao Arquipélago da Madeira, com escala em Lisboa. O tamanho do navio, o luxo sóbrio e o fato de permitir viagens em classe única para todos, impressionou. Os fiordes Noruegueses, tal como Lisboa e o Funchal, na Madeira, tornaram-se destinos de eleição. O navio efectuou cerca de 50 viagens em tempo de Paz, transportando cerca de 70000 passageiros sempre com grande sucesso. Em 25 de Maio de 1939, colaborou, junto com outras unidades da KDF, no repatriamento da "Legião Condor" após o fim da Guerra Civil Espanhola. Com o início da II Guerra Mundial foi transformado em Navio-Hospital, colaborando na evacuação de feridos da Polónia e mais tarde, após a invasão da Dinamarca e Noruega pelas tropas alemãs, de Oslo. A 17 de Novembro de 1940 é transferido para Gotenhafen e colocado fora de serviço como navio-hospital, passando a navio-alojamento em 20 de Novembro de 1940. A 12 de Janeiro de 1945, Hitler e Doenitz reconhecendo a situação insustentável na Prussia Oriental, elaboram o plano de evacuação por mar, partindo de Gotenhafen, dos muitos milhares de refugiados que se acumulam na cidade. Comandado por Friederich Petersen e Wilhelm Zahn e com uma tripulação de recurso, apesar de imobilizado no porto há 4 anos, recebe a bordo cerca de 9600 refugiados - a capacidade estudada era de 1500 passageiros ...- , a que se juntam cerca de 1000 tripulantes, saindo do porto de Gotenhafen a 30 de Janeiro de 1945. Interceptado pelo submarino soviético S13, comandado por Alexander Marinesco, é atingido por três torpedos em pleno Báltico, afundando-se 62 minutos depois, pelas 22:18h do dia 30 de Janeiro de 1945. Dos mais de dez mil e quinhentos e oitenta e dois passageiros e tripulantes a bordo, cerca de nove mil - seis vezes o numero de mortes no TITANIC - morreram no mar, o que constitui até hoje o maior desastre naval de todos os tempos. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Navio_KdF_Wilhelm_Gustloff).

(2) _ Contralto: O contralto é um tipo de voz com âmbito aproximado "sol-mi". O termo indica a voz feminina mais grave; em sua acepção inicial, também podia indicar as vozes masculinas de falsete (Contratenor). Originou-se como uma abreviatura do contratenos altus do séc XV. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Contralto).

(3) _ Bôeres: Os bôeres ou boeres, também denominados africânderes, africâneres ou ainda afrikaans, são descendentes de colonos calvinistas da Holanda e também da Alemanha e França, tendo-se estabelecido na África do Sul nos séculos XVII e XVIII; cuja colonização disputaram com os britânicos. Desenvolveram uma língua própria, o africânder, derivado do neerlandês com influências de outras línguas européias, e que atualmente é uma das onze línguas oficiais da África do Sul. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Boer).

(4) _ Sir William Hardy (Rainbow Warrior): No início de 1977, o Greenpeace procurava um barco que pudesse ser usado contra navios baleeiros islandeses no Atlântico Norte e encontrou uma velha traineira encostada na Ilha dos Cães, em Londres. O "Sir William Hardy" foi o primeiro navio diesel-elétrico construído no Reino Unido, em 1955, e havia sido usado como barco de pesquisa pelo Ministério da Agricultura e Pesca da Inglaterra. Estava em mau estado, mas serviria. O problema é que custava 44 mil libras, muito dinheiro para o Greenpeace da época. Em oito meses de campanha de arrecadação de fundos, a organização conseguiu juntar 10% para a entrada. Faltava o resto, e o World Wildlife Fund (WWF) veio em socorro do Greenpeace, com uma doação de 40 mil libras.

Totalmente remodelado em três meses graças ao trabalho duro de dezenas de voluntários vindos de várias partes da Europa, o navio ganhou o nome de "Rainbow Warrior". Era uma referência à profecia da índia cree Olhos de Fogo, que havia impressionado os fundadores do Greenpeace em 199l ao prever a destruição do meio ambiente pela ação dos homens e o surgimento de uma raça de guerreiros defensores do planeta - os guerreiros do arco-íris (rainbow warriors, em inglês).

(http://www.greenpeace.org.br/quemsomos/fv_rw.php?PHPSESSID=9656bee170192aa728e64e98f76e5dee).

(5) _ Pluvius: “Pluvia”, do latim, significa “chuva”, já o verbete “Pluvius” siginifca algo como “que faz chover”. (http://pt.wiktionary.org/wiki/pluvia).

(6) _ Número de Mach: O número Mach (Ma) define-se como a relação entre a velocidade e a velocidade do som no ambiente em causa. O número Mach é tipicamente usado tanto com objectos a viajar a grandes velocidades num fluido, como com fluxos de fluido em canais como túneis de vento, difusor, e nozzles. Como é uma relação entre duas velocidades, não tem dimensão. Dado que a velocidade do som aumenta com a temperatura, a velocidade nominal de um objeto a viajar a Mach 1 dependerá da temperatura do fluido à sua volta. Mas, para que se tenha uma referência, ela oscila entre 1.150 e 1.300 km/h. O número Mach foi assim denominado em homenagem ao físico e filósofo Ernst Mach. (Mach 8 aproximadamente = 2 722.32 m/s).

(7) _ Estação Antártica Comandante Ferraz: (EACF) é a estação brasileira de pesquisa na Antártica, localizada na ilha do Rei George, a 130 quilômetros da península Antártica, na baía do Almirantado. Começou a operar em 6 de fevereiro de 1984, levada à Antártica pelo navio oceanográfico Barão de Teffé. Seu nome é uma homenagem a Luiz Antônio de Carvalho Ferraz, pioneiro antártico brasileiro. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Esta%C3%A7%C3%A3o_Comandante_Ferraz).

(8) _ MV Arctic Sunrise: O MV "Arctic Sunrise" é um barco de pesquisa, próprio para navegação nos pólos (navio quebra-gelo). O "Arctic Sunrise" começou como inimigo: foi construído em 1975 para caçar focas. Barco como este eram o alvo do Greenpeace nos anos 80. O navio tem 29,48 metros de comprimento, 11,51 metros de largura e pesa 949 toneladas. Sua velocidade média é de 11 nós (máxima de 13) e tem capacidade para até 37 pessoas. Seu porto de registro é Amsterdã. Lançado em junho de 1996, começou imediatamente um tour pelas plataformas de petróleo inglesas e norueguesas no Mar do Norte. Em 1997 esteve totalmente envolvido no Tour Ártico, com ações diretas contra companhias petrolíferas e documentação dos efeitos do aquecimento global.

(9) _ Greenpeace: O Greenpeace é uma entidade sem fins lucrativos que se baseia em alguns princípios básicos: 1- Pratica o testemunho ocular; 2- É adepto da não-violência, não recuando ao defender suas causas; 3- Caracteriza-se pela atuação de ativistas, que colocam-se pessoalmente como barreira ao dano ambiental; 4- É independente financeiramente de empresas, governos e partidos políticos; 5- Atua internacionalmente, já que as ameaças ao meio ambiente não têm fronteiras; 6- Não estabelece alianças com partidos e não toma posições políticas exceto no que diz respeito à proteção do meio ambiente e da paz. (http://www.greenpeace.org.br).

(10) _ Mimir: O mais sábio dos deuses nórdicos, Mimir teve sua cabeça decepada, mas Odin manteve a cabeça viva e a consultava para saber segredos ocultos. É um dos deuses gigantes antigos. Obteve todo o seu conhecimento ao beber do poço da Grande Sabedoria nas raizes de Yggdrasil. Mimir (também chamado Ymir) deu origem aos anões com as partes de seu corpo ao morrer. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Mimir)

(11) _ renna (renn; rann, runnum; runninn), v. (1) to run (rakkar þar renna); r. í köpp við e-n, to run a race with; hón á þann hest, er rennr lopt ok lög, that runs through the air and over the sea; r. e-m hvarf, to run out of one's sight; (2) to run away, flee (rennr þú nú Úlfr hinn ragi); r. undan e-m, to run away from one (ek get þess, at þú vilir eigi r. undan þeim); (3) to run, flow (rennr þaðan lítill lœkr); (4) to melt, dissolve (ok hafði runnit málmrinn í eldsganginum); reiði rennr e-m, anger leaves one; (5) to arise (= r. upp); sól rennr, the sun rises; dagr rennr, it dawns; (6) with preps., r. af e-m, to leave one, pass away from one (reiði rann af honum); r. á e-n, to come over one; svefn, svefnhöfgi rennr á e-n, one falls asleep; reiði rennr á e-n, one gets angry; þá rann á byrr, then a fair wind arose; r. eptir e-m, to run after one (þá var runnit eptir þeim, er flóttann ráku); r. frá e-m, to run away from, leave one; r. í e-t, to run into; e-m rennr í skap, one is much (deeply) affected (er eigi trútt, at mér hafi eigi í skap runnit sonardauðinn); r. saman, to heal up (þá var saman runninn leggrinn); r. undir, to assist, give support (margar stoðir runnu undir, bæði frændr ok vinir); r. upp, to originate (var þess ván, at illr ávöxtr mundi upp r. af illri rót); of the sun or daylight, to rise; sól (dagr) rennr upp (cf. 5); (7) recipr., rennast at (á), to attack one another, begin a fight. (http://www.northvegr.org/zoega/index002.php -- http://www.northvegr.org/zoega/h336.php)

(12) _ Vanir: Há três "clãs" de divindidades no panteão nórdico: os Æsir, os Vanir e os Iotnar (referenciados como os gigantes neste artigo). A distinção entre o Æsir e o Vanir é relativa, pois na mitologia os dois finalmente fizeram a paz após uma guerra prolongada, ganha pelos Æsir. Entre os embates houve diversas trocas de reféns, casamentos entre os clãs e períodos onde os dois clãs reinavam conjuntamente. Alguns deuses pertencem à ambos os clãs. Alguns estudiosos especulam que esta divisão simboliza a maneira como os deuses das tribos invasoras indo-européias suplantaram as divindades naturais antigas dos povos aborígenes, embora é importante notar que esta afirmação é apenas uma conjectura. Outras autoridades (compare Mircea Eliade e J.P. Mallory) consideram a divisão entre Æsir/Vanir simplesmente a expressão dos nórdicos acerca da divisão comum Indo-Européia acerca das divindades, paralela aos deuses Olimpicos e os Titãs da mitologia grega, e algumas partes do Mahabharata. Estes últimos guardam algumas similaridades com os Eddas. Eddas, ou simplesmente Edda, é o nome dado ao conjunto de textos encontrados na Islândia (originalmente em verso) e que permitiram iniciar o estudo e a compilação das histórias referentes aos personagens da mitologia nórdica.

(13)_ Numinosum, numinoso: Termo usado primeiro por Rudolf Otto para descrever a experiência do divino como temerosa, assustadora e "totalmente alheia". Termo que descreve pessoas, coisas ou situações que possuem uma profunda ressonância emocional, psicologicamente associada com a experiência do self. Na psicologia analítica, ele é usado para descrever a experiência do ego em relação a um arquétipo, o Self em especial. Para Jung o numinosum é tanto uma qualidade que pertence a um objeto visível quanto a influência de uma presença invisível que causa uma alteração peculiar da consciência.

(14)_ Delos: A pequena ilha de Delos (grego: Δήλος, Dilos), situa-se aproximadamente no centro do grupo de ilhas do Mar Egeu conhecido como Cíclades, tendo servido como santuário de Apolo na Antiguidade Clássica, e sendo considerada mesmo o berço desse deus, bem como de Artemis. Foi também a sede da Liga de Delos, que congregava os aliados de Atenas contra Esparta, e onde primeiramente esteve guardado o tesouro da Liga. Foi declarada património mundial da Humanidade pela Unesco em 1990. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Delos).


Comentários

  1. SHOW DE BOLA, CHOREI E RI, VOCÊ É BOM MESMO.
    NÃO LEMBRAVA DESSE TEXTO

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  2. My Master, este conto foi inspirado em uma (muito boa) idéia sua, lembra-se? O "Show" é nosso então! :-)

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