Reator, Reagindo

RPG: Remanescentes

Reator, Reagindo...

Autor: Wagner Ribeiro

31/08/2006


[Este texto envolve o Universo de role-playing game Remanescentes, e diversos personagens que são criação intelectual de Claudio Augusto dos Anjos, Mestre de Jogo e Grande Amigo, alguns em parceria com seus exímios jogadores, dos quais também tenho a honra de ser amigo e companheiro de jornadas! Importante: Este conto ocorre DEPOIS do texto chamado "Miss Jones".]


_ É verdade que o senhor pretende doar seu corpo para a ciência quando morrer? _ Perguntou o repórter num francês muito fluído, apesar de ter se identificado como de origem alemã.

_ Á pá porra! _ Responde, em inglês "de rua", o ex-Remanescente Reator.

_ O quê? _ Perguntam meia dúzia de repórteres presentes à palestra ministrada por Marty no Louvre para a mídia européia.

_ Eu quis dizer... _ corrige-se Marty em um francês bastante razoável _ Nem pensar, não quero que os metahumanos sejam tratados como doentes ou cobaias. Somos gente igualzinho vocês.

Os flashes não param de espocar, tanto de repórteres quanto de dezenas de adolescentes presentes, outras centenas delas esperando do lado de fora do museu. Uma repórter bastante jovem, cuja pele cor de chocolate recobre um corpo escultural, e os olhos parecem feitos de âmbar, se adianta e, seguindo a ordem, faz sua pergunta:

_ Você não disse se seu envolvimento com a atriz Marie Lesjour terminou? Bem, mas se terminou, está procurando uma nova namora...? _ Antes que ela pudesse, com um olhar bastante sedutor, terminar a pergunta, as meninas presentes na sala começaram a gritar "lindo!", "me escolhe!", e muito mais. Marty sorria, gentilmente, enquanto fingia beber água (era um copo de vodka) e fazia sinais para as mocinhas se acalmarem, dizendo:

_ Marie se tornou uma grande amiga _ "eu dormi com ela, mas ela queria casar, e então não rola", pensava Marty, achando graça de ter que mentir _ E hoje nos falamos sempre que possível por telefone, pois ela está gravando a nova novela, e nos vemos pouco. _ "ela me liga todo santo dia, quando será que vai largar do meu pé?" _ e quanto a arrumar namorada...

Ele fez uma parada dramática, e viu as menininhas, lindas, prenderem a respiração, esperando o fim da frase, que logo veio, dita com máximo charme:

_ É uma possibilidade muito interessan... _ Novamente as palavras são engolidas pelos gritinhos excitados e histéricos da platéia feminina. E novamente Marty pede calma, e quando consegue diz _ Agora, meus amigos e amigas, preciso ir, tenho um compromisso.

_ Jantar na casa do diplomata americano Alonzo Jones, para recepcionar a princesa Shiasta em visita à França! _ Berrou uma repórter, no meio da agitação que se instalava. _ É verdade que a própria princesa, dezenove anos de idade, pediu sua presença?

_ Eu... _ os gritinhos decepcionados das fãs aumentando. Marty deu seu melhor sorriso, e disse: _ Eu realmente preciso ir, minhas queridas.

...

Marty dispensa o carro com motorista que a administração do canal de TV que organizou sua palestra havia lhe oferecido, e pega seu Audi R-Zero azul-cobalto (curiosamente a cor de seu antigo uniforme), presente de uma famosa modelo austríaca que conheceu em uma festa há um ano. Em dois minutos está a quase seis quilômetros do Louvre, e, quando está chegando ao barzinho onde tinha encontro marcado com Diana e Paul, Marty fica impressionado vendo a "maluca" da Diana encostada no peito do amigo Paul, abraçada por ele. Reator começa a estacionar seu esportivo na esquina, a uns seis metros da mesa onde estão os amigos, quando percebe Power Punch levantando o rosto de Diana, pegando-a pelo queixo, dizendo alguma coisa a ela com um olhar estranho, enquanto Diana assume uma expressão engraçada, de franca curiosidade, sobrancelhas levantadas num certo espanto com as possibilidades do que estava acontecendo, mas não recua do abraço do amigo...

_ Ô porra! Ele vai beijar a Diana?!?!

Subitamente Marty percebe que vai bater no carro da frente e pisa forte no freio. O ruído da freada brusca chama a atenção de todos, e Diana empurra subitamente (mas não agressivamente) o peito de Paul, enquanto os dois olham sobressaltados na direção do carro de Marty. Este desce do carro, manda (em francês) o resmungão dono do carro da frente (que nada sofreu) para a puta que o pariu, e vem andando em direção a mesa, dizendo (em inglês):

_ Ei, tudo bem com vocês dois?

_ Hã? Tudo bem... Diana não está bem. Estava chorando quando cheguei... Então eu... _ Começa Paul.

_ Não é nada, estou ótima. Coisas de mulher! Apenas me deu vontade de chorar, e eu chorei, porra, não posso? _ E deu uma fungada ruidosa.

_ Humm, o cacete, Di! _ Diz Marty, sempre delicado, gentil e discreto como um rinoceronte em uma loja de bibelôs de cristal _ Tinha um clima estranho rolando aqui, Paul ia te lascar um beijo, que eu vi!

_ Que que é isso, Marty, não fala uma coisa dessas! Eu? Com Diana? Nem pensar! Quer dizer... _ Diana olha intensamente para Power Punch enquanto ele gagueja _ Nada... Nada haver. Pô, Diana?!? Nem pensar! Fala sério!

_ Vai para a puta que o pariu, Paul! _ Dispara Diana, levantando _ Ta querendo dizer o quê, que não sou atraente, é?

_ O quê? Não! Você é até atraente demais, Dupret! Não xingue minha mãe não, ó! _ Responde Paul, já um tanto furioso também.

_ Arrá, eu não falei! _ Diz Marty, dando um tapa na mesa. _ Vocês iam se pegar sim, que eu vi. Cara, porra, vocês iam trair o Walter?

_ Nããããããããããããooooooooooooo! _ Faz Diana, olhos arregalados de indignação e fazendo um gracioso bico com os lábios carnudos. Paul agitava as mãos, negando, e dizendo:

_ Marty, para com esta palhaçada, ela estava frágil...

_ Frágil o cacete! Você cala a boca! _ Fala Diana, afrontando Paul.

_ ELA ESTAVA BASTANTE FRÁGIL quando cheguei aqui, e eu apenas tava consolando ela! Olha, nunca mais faço isso! Nunca mais, quer saber, quando precisar de um amigo, se vire sozinha! Você é assim mesmo, como todos nós, você precisa de um ombro de vez em quando, mas quando alguém tenta ser carinhoso e gentil com teu lado mais frágil e doce, lá vem a Impacto explodindo todo mundo para mostrar que é forte e indestrutível! Vai acabar sozinha!

Diana ficou cerca de uns quinze segundos olhando para Paul, depois para Marty, depois para Paul de novo, então faz menção de ir embora, para, fecha os olhos, volta, senta, e quando volta a abrir os olhos, a mulher que já foi capaz de explodir uma cidade inteira tem a exata expressão de uma menininha desamparada. E diz, baixinho:

_ Eu... Não quero ficar só... Estou tentando ser melhor... Mas é tão... Difícil... Ser uma pessoa comum...

Os dois homens não conseguem resistir a toda a sinceridade dos olhos escuros e úmidos da amiga de tantos anos, e se levantam, abraçando-a por um momento, enquanto ela soluça agarrada a ambos.

_ Desculpem-me! _ Diz ela, em lágrimas.

_ Eu... Eu fui grosseiro contigo, Di, perdão. _ Diz Paul.

_ Nossa _ diz a garçonete que passa _ umas com tanto e outras com tão pouco.

_ Ah, e eu vim pedir desculpas, _ Fala Marty, torcendo para não ser reconhecido, mas mesmo assim lançando seu sorriso “exoset” para a atendente _ Mas hoje não posso ficar. Tenho um compromisso profissional. Ainda tenho que ir pegar a roupa.

_ Oh, que droga! _ Diz Dupret, enxugando uma lágrima e sorrindo _ Mas vai lá Corisco, espero que sua debutante não seja igual àquela que parecia uma porca com torcicolo.

_ Corisco é a p... _ Começa Marty, ao que Diana, com um belo beicinho (estilo "quem não a conhece que a compre") corta dizendo:

_ Estou sensível... Deve ser TPM... Seja paciente comigo...

_ Hum! Bem, Não! _ Diz Marty, já caminhando em direção ao seu Audi e destravando o carro _ É uma princesa, a tal Shiasta, vou recepcionar ela na casa de um embaixador.

_ Ih, eu sei! Vi na TV! _ Diz Paul. _ Sinistra!

_ Bom trabalho, maninho! _ Acena Diana, enquanto Marty Manobra o carro e manda um beijo pela janela aberta, dizendo para os dois:

_ E comportem-se enquanto eu estiver fora, crianças! Nada de climas e beijos, heim, porra.

_ Ah, vai se f... !!! _ Devolve Diana.

Marty fecha o vidro e avança o mais rápido possível rua abaixo.

...

_ Hã, bem, não aconteceu nada, não foi, Diana? Desculpe se eu...

_ Deixa pra lá, Paul. Eu também tive culpa, eu tava mesmo frágil demais, imagino o que uma mulher frágil faz na cabeça de homem, e, é claro, tem a Marie, tua garota, que por acaso é idêntica a mim. _ e ela sorri e dá uma simpática piscadinha.

_ Ah, sim, claro, muito parecida, mas eu realmente não tive intenção de te desrespeitar, ta legal?

_ Tudo bem. Vamos, venha, vamos dançar! Em nome da nossa eterna amizade, cavalheiro, me leve para dançar!

“Estranho...” _ Pensa Paul _ “Como ela está cada vez mais parecida com aquela mulher madura e honrada que encontrei no futuro.”

...

Marty chega atrasado a festa do embaixador. Encosta o Audi onde os manobristas indicaram (ninguém estranho põe as mãos em seus dois bens mais preciosos, no seu carro e no seu skate) e desliga a máquina. Pega no porta-luva uma garrafa de alumínio contendo uísque fortíssimo, “importado”dos EUA, mas quando vai tomar um trago uma voz feminina bonita mas um tanto monótona diz:

_ Uísque, hã. Aposto que, com um carrão desses, seu goró deve ser no mínimo tão bom quanto o que o meu pai esconde na estante do escritório da ala leste. Posso tomar um trago?... _ É uma mocinha muito jovem, muito bonita, de olhos grandes e extraordinariamente expressivos, cabelo multicor, e cheia de atitude, num vestidinho negro e prata que lhe cai muito bem. Ela toma a garrafinha das mãos de Marty e bebe do gargalo, faz uma careta, sacode o outro braço como que para apagar algum incêndio interior, e diz, tossindo e devolvendo a garrafa: _ Póóóta que pariu, isso é querosene, um lixo, o meu velho ia odiar, maneiro!

_ Acho que você é a filha do embaixador, não é?

_ Bingo, boy! Você é o Reator, ou devo chamar de _ e ela se esforça para não rir _ monsieur Eveready?

_ Marty! _ Ele aperta a mão dela. _ Só... Marty. Nada de autógrafos e nem gritinhos, que ótimo.

_ Prazer, pode me chamar como meus amigos me chamam, Miss Jones. Você é cem por cento gatinho, mas não é bem o meu tipo. Muito novinho.

_ Ahhhh, entendo. _ Agora foi ele que tentou não rir. _ E você ia passando e resolveu roubar meu querosene?

_ Meu pai me mandou recepcioná-lo. Venha, a Shiasta está quase mijando petróleo de tanto tesão de te ver. Não chegue com esta garrafa perto dela, pode entrar em combustão, a princesa está preparando uma noite “Maximum Flame” para você. _ E dá uma piscadela.

_ Sou profissional, Miss Jones, não misturo negócios com prazer.

_ Hu-hum, e eu sou a Lady Profanadora, Marty. Sem frases feitas prá cima de mim, amigo, nasci não faz tanto tempo, mas também não foi ontem.Venha logo, senão Mister Jones vai me encher o saco!

Marty acompanhou a moça escadaria da mansão acima. Havia gostado dela, porra-louca, mas era legal. “Diana deve ter sido assim mesmo nesta idade”, ele pensa. Quando entrou no salão principal, foi recebido com aplausos (a maioria femininos) e percebeu que outro Remanescente estava presente: Walter Alessandro Veiga, que acenou para ele, Marty devolveu o aceno, respeitava e gostava muito de Walter, mas ficou com a sensação de que Diana não sabia que ele estava ali naquela festa, aquela noite. E percebeu outra coisa também, enquanto Shiasta vinha em sua direção dardejando-lhe um olhar oriental faminto, Marty percebeu que sua nova amiguinha Miss Jones não descolava os olhos de Neutron. Mas ficou preocupado mesmo quando percebeu que Neutron, em algumas discretas vezes, devolvia os olhares.

_ Ser gente comum ta acabando com a gente... _ Murmurou Reator, dos Remanescentes, consigo mesmo, enquanto fazia salamaleques para Shiasta.

...

Marty finalmente conseguiu algo que queria muito: um copo de Bourbon (o serviço estava péssimo, nem pareciam profissionais os garçons). Bebia, e enquanto fingia dar atenção a saborosa princesa oriental, ele observava Walter, que passou as últimas duas horas claramente fugindo de Miss Jones. Pelo menos. Mas trocava olhares que eram incandescentes flertes com a garotinha. Walter conversou com os pais dela por algum tempo, e esta foi a deixa para a senhorita Jones se aproximar, começar a tecer os maiores elogios a inteligência e ao caráter do professor (Marty “sacou”, a garota estuda na escola em que Neutron leciona) para os próprios pais. Marty conduziu Shiasta para próximo deles e pode ouvir claramente um trecho da conversa:

_ ... Fantásticas as aulas de monsieur Alessandro, papá. _ Dizia Jones, que, fingindo inocência, havia tomado o braço do professor e, “distraída”, apertava o bíceps do homem. A certa altura Walter pousou a mão sobre a de Miss Jones, que continuava falando, mas agora sorria: _ ...Tivemos uma aula sobre princípios atuais de física gravitacional na última quarta-feira que foi o máximo. Sabia que monsieur Alessandro publicou a coisa de dois anos na Nature, mamãe? Foi sim, um interessantíssimo artigo chamado “A Gravidade Quântica em N”.

_ Oh, minha querida, sempre me impressiono e me espanto que goste de ler isso, parece tão... Antinatural... Para uma jovem desta idade... Acha que ela pode ser uma destas cientistas, mister Walter? _ Pergunta a mãe da menina, loura, platinada, bastante bonita para a provável idade (que não aparenta).

_ Hã, sim, madame. Certamente. Miss Jones é extremamente inteligente. Precisa se aplicar mais e ser um pouco mais disciplinada, mas sem dúvida é capaz de extrapolações e raciocínios muito interessantes.

_ O senhor sabe dançar, professor? _ Pergunta uma estranhamente comportada (diante dos pais) Miss Jones. Ao que Walter, um tanto sem jeito, diz:

_ Eu? Não, não.

_ Ah, então me deixe ensiná-lo, professor, venha, vamos dançar, eu gosto bastante desta música, e é bom ter um amigo para dançar, os meninos são abusados. Venha, por favor. _ Disse ela puxando o homem pelo braço, que a acompanhou, um pouco sem jeito, lançando um olhar suplicante para os pais de Miss Jones, que sorriam, em aprovação. E lá se foram, professor e aluna, dançar. E assim que eles saíram, Marty, ouvido aguçado, pôde ouvir Mistress Jones, que mudou o tom de loura platinada para o de mãe atenta, murmurar para o marido:

_ Alonzo, querido, nossa bruxinha não está interessada demais no professor?

_ Isso é bastante comum, na idade dela. Fique de olho nos dois que tenho que cumprimentar uns senadores, amor.

E no meio da pista Miss Jones era conduzida a dançar por Walter (que não é tão desconhecedor de dança quanto se diz) uma versão doce e orquestrada de “How Can You Mend a Broken Heart”1, cuja letra era entoada por um cantor da moda, lá no palco, numa voz bonita e doce. A princípio, observou o atento Marty, Walter e Miss Jones apenas dançaram, mansamente, delicadamente, com uma aura de cumplicidade em torno deles. Então começaram a conversar. Marty ardia de curiosidade, mas não conseguia ouvir de tão longe. Apenas viu que a menina, de fato muito bonita em seu jeito moleque, abriu os imensos e belos olhos escuros, e fitou os de Walter enquanto dizia algo, ao que Walter olhou de volta, intensamente.

_ Ô porra! Ele vai beijar ela?!?!

_ O quê? _ Perguntou Shiasta, fascinada _ Meu inglês não é tão bom assim, mas você falou um palavrão, não foi? E falou em... BEIJAR?!?

_ Hã? _ ele se aproximou dela, um pouco distraído, e a beijou na boca, brevemente. Os seguranças dela pularam, mas um gesto da princesa (suspirante), e tudo se acalmou, então, Marty diz: _ Desculpe. Mas você estava falando sobre algo muito interessante sobre as mulheres de seu país, o que foi mesmo?

Shiasta continuou a falar e Marty pôde voltar a observar Walter, que abraçou brevemente Miss Jones, agradeceu, e deu por finda a dança. Então Marty pediu licença a Shiasta e foi falar com o amigo. A princesa ficou um tanto decepcionada, mas ele prometeu voltar em pouco tempo.

_ Olá, Walter. _ Disse Marty assim que se aproximou de Neutron, que bebia uma bela quantidade de uísque num canto, enquanto Miss Jones parecia amuada noutro canto do salão, mas ainda o observava. Marty olhou em volta, vendo se estavam sós, então completou, esbarrando no ombro do outro, que era um pouco mais alto que ele: _ O que que tá rolando?

_ Rolando? Como assim Marty?

_ Entre você e Miss Jones? O que ta rolando?

_ Como?!? Nada.

_ Picas! Ta rolando alguma coisa sim. Desembucha, Walter. Ta sacaneando a minha irmã?

Walter olhou um longo momento para Reator, e este último ficou com receio de tomar um baita fora do homem mais velho, mas encarou de volta. Walter então conta a Reator a aventura que teve com a menina, para salvá-la de traficantes, e depois diz:

_ Eu não estou “sacaneando” Diana, Marty. Apenas aconteceu, e te confesso, embora tenha medo de sua falta de amadurecimento para lidar com isso, que o que aconteceu mexeu comigo sim. Miss Jones acabou de me confessar, enquanto dançávamos, que não recebeu os cem francos por ter me beijado, que tentou me deixar magoado com ela para tentar me esquecer, mas que não consegue... Acabo de dizer a ela que não temos futuro. Mas...

_ Mas ela te dá tesão.

_ Isso também. Ela parece tanto com a Diana quando ela ainda era jovem e tinha sonhos imensos.

_ Cara, você ta sendo piegas.

_ Pior que eu sei, mas olhe aqueles olhos imensos, cheios de inocência, ternura e inteligência, eles me atraem, Marty. E se estou falando isso assim, na cara de pau, é porque estou tentando trazer isso para o consciente, para lidar com isso usando a razão. Mas não é a razão que está me impelindo a atravessar este salão e tomar ela nos braços e beijar aquela boca!

_ Pior que os pais dela estão sacando.

_ Puta que pariu... _ murmura Walter _ O que poderia ser pior que isso?

Então todos os garçons sacam pistolas e pequenas sub-metralhadoras, e um deles, um sujeito enorme, anuncia:

_ A mansão está cercada, e temos vários dispositivos explosivos instalados nas saídas. Todos quietos. Temos algumas exigências a fazer ao governos francês.

Mas um conhecido ator belga de filmes de ação, presente a festa, percebendo que estava bem próximo de uma das saídas, e não vendo nenhum “dispositivo” nela, e sabendo que seu carro estava bem próximo, resolveu mostras àqueles terroristas quem mandava e saiu correndo pela porta, que imediatamente explodiu lançando os restos do belga para todos os lados, derrubando quase todos no salão, e fazendo Marty, que havia caído ao lado de Walter no chão, crepitar ligeiramente sua eletricidade, e dizer, em sonante francês:

_ CARALHO!

...

_ Acha que alguém sai vivo daqui? _ Pergunta num murmúrio Marty a Neutron. Estão sentados num canto os dois Remanescentes, mister Alonzo, sua esposa e a jovem Miss Jones (que segura, muito tensa, a mão de Walter), mais um punhado de gente. Os terroristas amontoaram as pessoas nas portas e próximo às janelas do salão.

_ Aparentemente as bombas que foram plantadas nas janelas e portas só podem ser tocadas por fora, quem está dentro é “pela causa”, ou seja, não sai.

_ Isso quer dizer que você tem que acabar com eles meu... Professor. _ Diz Miss Jones.

_ Nós não somos mais super-heróis, Madeleine. _ Responde Walter, muito sério, mas tocando gentilmente a pequena e clara mão de Miss Jones. Então Neutron olha para Marty, que reconhece no olhar do amigo um reflexo do seu, e de todos os outros Remanescentes com quem Reator tem travado contato: uma furiosa frustração. Marty abaixa a cabeça, olha para seu próprio traje “profissional” e pensa, por um momento, no que ele mesmo se transformou, num beberrão gorducho, um fanfarrão que vive de vender a si mesmo, que passa de mão em mão de mulheres sem firmar qualquer tipo de relação com nenhuma, comprando um monte de coisas caras, e na verdade trocaria tudo isso pelo poder de eletrocutar todos... Então Marty sentiu um leve toque em seu ombro, e quando olhou, tomou um susto.

_ Mirelle! O que está fazendo aqui?! _ Era assombroso, a Mirelle, a pequena velocista Pulsar, só que quem estava na sua frente agora era a versão adulta, fantasticamente bela, que Marty encontrou casada com Summer Boy em uma aventura no futuro.

_ Non, monsieur Eveready. _ Disse a Lindíssima mulher de longos cabelos negros como a noite, pele alva e olhos desesperantemente verdes, que até falava como Mirelle, e continuou em um perfeito inglês: _ Eu sou a mãe de Mirelle, Janine Savoy Ballestre. _ Apertou a mão de Marty, que piscou, um tanto aturdido, e devolveu o aperto, recuperando-se do susto e da beleza dela. Ela deve ter ficado fora do seu campo de visão o tempo todo, pois se a tivesse visto antes, certamente a teria notado, pela semelhança com a futura Mirelle, e por ser tão gata. Janine prosseguiu, numa voz doce, mas triste: _ Minha família era amiga dos Jones, meu falecido marido trabalhou em Nova York como chofer de monsieur Jones há vários anos. Eu... Eu vim a esta festa a convite dos Jones, mas... Eu queria vê-lo, monsieur Eveready.

_ Por favor... Senhora Janine, me chama de Marty, apenas Marty... Queria me ver? M-Mirrele está bem?

_ Non, monsieur... Ela não está bem. Eu não a vejo há vários anos. Desde que a base dos Remanescentes foi fechada, e nós a convencemos a voltar para casa...

_ Eu... Nós não sabíamos. Por favor! _ Disse Marty, um tom um tanto ríspido na voz _ A senhora não está insinuando que eu tenho alguma coisa haver com o sumiço da Pulsar?!

_ Ela... _ Disse a mãe, abaixando os olhos _ Ela estava muito sentida com vocês, quando nos telefonou do aeroporto Charles de Gaulle... Ninguém, nem sua amiga, mademoiselle Impacto, nem seu maior ídolo, o senhor, foram se despedir dela... Ela era muito jovem, então, e corações jovens assim se magoam facilmente.

_ Ela nunca deveria ter saído de casa, era uma droga de uma criança, onde você estava com a cabeça? _ Disse o rinoceronte avançando de novo sobre os delicados cristais.

Imediatamente duas coisas aconteceram uma depois da outra, a primeira foi mademoiselle Janine começar a soluçar e chorar, a segunda foi Walter pousar a mão no ombro de Marty e apertar de um modo ligeiramente dolorido. Quando Marty olhou, zangado, para Neutron, este apenas fez uma cara de repreensão e apontou com a cabeça para Janine (ela havia coberto seu rosto com as mãos). Marty então “se tocou”, e engoliu em seco, dizendo:

_ Desculpe, dona Janine... Desculpe mesmo.

_ Pardon... Pardon, é muito difícil para mim. Tente entender, eu queria que ela tivesse a chance que sempre sonhou, de ser uma heroína tão grande quanto... O Reator... _ isso doeu em Marty de um jeito agudo, mas ele não entendeu bem o por quê. Então ele abraçou a mulher que estava tão profundamente triste, e perguntou a ela, o mais mansamente que pôde:

_ Madame Janine, fique calma, por favor, a situação agora está complicada... Por favor, a senhora disse que queria falar comigo. O que precisava falar comigo?

_ Não sei, monsieur, não sei ao certo. Eu acho que queria apenas... Não perder as esperanças... A polícia francesa já apelou até para Interpol, mas as pistas se esgotaram... Eles tomaram mon petit cousin de nós, creio que Antoine morreu de desgosto por isso, eu apenas quero ter alguma esperança de que vou voltar a vê-la... Então eu queria falar contigo, com uma das últimas pessoas com quem Mirelle falou, e com o rapaz que ela tanto... Amou...

Marty então sentiu que algo ferveu em seu peito. Janine e Walter perceberam desta vez que os olhos de Marty desprenderam pequenas e incandescentes fagulhas elétricas. O que não perceberam é que desta vez foi por quê ele quis energizar-se. Reator não sabia se deveria dizer a Janine que encontraria Mirelle, mas tinha certeza de outra coisa, e, voltando-se para Walter, disse a ele o que pensava, com uma convicção férrea:

_ Neutron, vamos sair daqui.

Walter apenas acenou que sim.

...

_ Hum, são muitos, não é tão fácil, mas é possível. _ murmura Walter. _ Precisamos desarmá-los, posso tentar fazer isso, arrancar-lhes as armas, mas fraco do jeito que estamos, só se usarmos nossos poderes em conjunto... E quanto às bombas, toda bomba tem que ter uma fonte de energia. Pode descarregá-las todas?

_ Até agora estou absorvendo eletricidade desta tomada aqui do meu lado. Mas posso tentar puxar a força das pilhas das bombas, Wal. E vou começar agora...

_ Não, eles podem perceber. Talvez alguém esteja de olhos nelas, ou elas tenham sistemas que avisem enquanto estão ativas. Ocorre que precisamos fazer tudo de uma vez só. Desarmamos os caras, desligamos as bombas, e chamamos a atenção dos policiais que estão cercando a mansão.

_ Estão mesmo. _ Murmura uma atenta Miss Jones. Janine que estava discretamente olhando pela janela (ela era a mais próxima da janela) fez que sim.

_ Sim, Madeleine. Só você e mademoiselle Janine sabem exatamente quem somos, e o que podemos fazer, se eu for explicar a todos os outros, vou perder muito tempo. Quando Marty sinalizar, junto com mademoiselle Ballestre, ajude seu pai a retirar todo mundo o mais rápido possível daqui. Eu e Marty passaremos pelas portas para mostrar que é seguro sair. Bem, Reator, como eu disse, vamos precisar trabalhar em conjunto para desarmar os caras...

Mas Walter foi interrompido. Um dos garçons-terroristas agarra o ombro de Neutron, e o afasta, enquanto vem em direção de Marty e diz:

_ Você é o Reator, dos Remanescentes, não é? _ e como Marty não respondesse, o sujeito o agarrou e disse _ É sim. Venha comigo, os caras não vão acreditar. Tenho todos os seus quadrinhos, Reator.

Marty, lançou um olhar desesperado e furioso em direção a Walter, Jones e Janine. Neutron só pôde dizer pouca coisa antes de Reator ser levado para o outro lado da sala, perto de onde estão sentados os terroristas:

_ Eletroímã, Marty, eu aviso! _ e imediatamente toma um violento soco de um segundo terrorista próximo. A pancada não chega a desacorda-lo, mas faz seu sangue espirrar sobre o ventre de Miss Jones, que faz menção de se levantar, furiosa, mas é agarrada e detida por Walter e mister Jones. Marty trinca os dentes, cheio de ódio, mas quando seus dedos se crispam, ele vê Neutron, rosto inchando, fazer um “não” com a cabeça, e se controla. “Eletroímã”, ele pensa, “acho que saquei, Wal. Faz tua parte, e deixa a minha comigo. Esses filhos das putas vão acender feito neon!”

...

_ Você é o Reator mesmo? _ Perguntou o líder dos terroristas, mas em árabe. Ao que Marty incidentalmente responde, no bom inglês de rua de sua infância:

_ Carái, cherassaco, saquei merda nenhuma, ta ligado?

_ Opa, não nos entendemos, certo? _ Diz o terrorista, em inglês, olhando com uma assustadora frieza e tranqüilidade nos olhos de Marty _ Desculpe. Meu amigo aqui (não citaremos nomes por enquanto) é seu fã. Ele quer seu autógrafo, mesmo sabendo que pode não usufruir o autógrafo. Eu, no entanto, não sou seu fã. Sou apenas um professor de meia idade, treinado para enfiar o mesmo número de gente inocente morta pela goela abaixo das nações dominantes que estas nações matam em nossas terras. E tenho uma missão, mostrar ao governo francês que deve transigir em certas negociações incorretas que estão em andamento com a Inglaterra. E para isso preciso ter total controle do que ocorre aqui, evitando que certas pessoas possam ter a chance de desorganizar essa missão. Isto inclui você, Reator. Há mais algum de sua espécie aqui?

_ Não. _ Foi a resposta de Marty, que devolvia o olhar tranqüilo do outro com uma expressão de fúria cega, mas se mantinha quieto.

_ Ok, acho que vamos ter que te levar para baixo, e fazer um interrogatório. Como pode ver, arrumamos algumas luvas isolantes na muito bem equipada oficina desta mansão, e temos, lá na “sala de interrogatório” algumas lonas emborrachadas que, se usadas sem cuidado, podem inclusive sufocar de forma angustiante uma pessoa.

_ Eu não tenho mais poderes, mas ainda tenho meus punhos.

_ E nós submetralhadoras, meu caro senhor. Acho que você vai descer agora. E nos contar mais sobre onde andam os tais Remanescentes, eles seriam alvos interessantes em suas vidas civis.

E dois homens enluvados agarram os braços de Marty, e começam a arrastar ele para uma porta lateral, que possivelmente já foi vistoriada por eles, e que deve dar para a adega subterrânea da mansão, algum porão, a mencionada oficina, ou algo parecido. Reator quer disparar, quer reagir, mas apenas range os dentes e se contorce, olhando para Walter, que, sentado no chão como se estivesse descansando, usando óculos escuros que pegou emprestado com alguém, olha lentamente em volta. Marty, em franco desespero, pois não sabe se poderá enfrentar muitos deles ao mesmo tempo, nem se seus poderes podem ser isolados mesmo, estava quase reagindo quando... Walter levanta calmamente e cambaleia, mãos na cabeça, para o centro da sala, o homem que bateu nele havia se afastado um pouco, e quando tentou bater de novo nele, Walter pousou a mão em seu ombro e o terrorista fez uma cara de dor desabando no chão. Todos os outros apontam suas armas para ele, alguns gritando em árabe, inglês, francês, um deles dispara e atinge Neutron de raspão, e ele tira as mãos da cabeça e, mostrando sentir muita dor, urrando mesmo de dor e medo, trás as mãos de volta, crispadas, em direção a cabeça, como se estivesse arrastando algo pesadíssimo com ambos os braços. Ele puxa os atiradores para si, no mesmo momento em que os olhos de Reator ficam faiscantes de tanta eletricidade, e Marty imagina ondas elétricas cruzando o ar em torno das primeiras submetralhadoras metálicas que Walter conseguia unir na frente de si mesmo (os homens agarrados a elas que se danassem), transformando-as em um poderoso eletroímã, que atraía tudo que fosse metálico e que não estivesse firmemente pregado no lugar, e todas as armas que estavam apontadas para Walter vêm em sua direção, muitas arrastando consigo os homens que as empunhavam, aos berros. Alguns disparam mas todas as pessoas inocentes tinham (graças a Deus) se atirado ao chão. Então Marty morde o rosto de um dos homens que o seguram e descarrega eletricidade, o homem berra e estrebucha, o outro recebe o punho eletrificado de Reator na garganta, e cai no chão, revirando os olhos e vomitando. Marty (e um monte de outras pessoas entrando em pânico) então percebe que o líder dos terroristas pega algo que pode ser um celular ou um detonador, e suga toda a energia que pode, das pilhas das bombas e de tudo o mais, e, sem tempo para outra reação, dispara tudo contra o seu inimigo, berrando de medo de que seja tarde, e por uma fração de segundo perde o controle de seu poder.

Uma nuvem de gases jaz no lugar onde estava o líder dos terroristas, e Marty deixa cair os braços e a cabeça, não queria matá-lo. Ato contínuo, Reator percebeu que Miss Jones e Janine entenderam que tudo estava bem, e começaram a carregar as pessoas porta afora. Mas não estava tudo bem! Aquela porta, justo aquela porta tinha um explosivo que ele não conseguiu desarmar!

_ JONES!!! _ Tarde demais.

...

Assim que as duas, Jones e Ballestre, saíram, orientando junto com mister Alonzo as outras pessoas a deixarem a casa, a polícia avançou, e dominou o restante da situação. E assim que pôde, Reator verificou a tal bomba que deveria ter explodido. Ele não conseguiu puxar sua energia porque ela foi montada dentro de uma Gaiola de Faraday 2, uma vez Neutron mostrou a ele como aquilo não deixava energia elétrica fluir. Um momento antes de Miss Jones atravessar a porta, Reator pelo menos pôde sentir que a bomba estava armada, mas agora estava desarmada. Alguém abriu a manta metálica da Gaiola e desativou a bomba. Intrigado, Marty foi ver como Walter estava.

...

Walter Alessandro recebeu ao todo seis tiros. Nem ele mesmo sabia se seu corpo estaria em condições de enfrentar aquilo, mas ao que parecia, deu sorte, já que despertou ainda enquanto a ambulância o levava para o hospital. Marty estava com ele, semblante exausto mas sorridente, sentado ao seu lado, teve que usar todo o seu charme para conseguir acompanhar o amigo, mas deu sorte, tanto a motorista quanto a para-médica eram mulheres.

_ Heiii, Wal. Bem vindo ao mundo dos vivos, cara... Quer dizer, se este teu corpo esquisito pode ser chamado de vivo, né?

_ Todos estão bem? _ Pergunta o homem mais velho, numa voz cansada. _ Miss Jones? Janine?...

_ Afora o líder dos caras, que desapareceu no ar, todos estão... Hã... Às mil maravilhas, figura. Miss Jones armou um escarcéu danado com os pais que queria vir contigo para o hospital! Eu e Janine a convencemos que não seria legal, afinal tua família vai te ver logo. Mandei Janine para meu apartamento, ela deve passar uns dois dias lá, quero estudar este lance da Pulsar.

_ Sim, vamos certamente ajudar Janine. Avisou a Di? Conseguiu falar com ela? Disse que está tudo bem? Ligue para minha casa, por favor, peça para a babá esperar mais um pouco.

_ Tudo sob controle. Liguei pro celular da Diana, mas tava fora de área. Eu estava ligando para o celular do Paul agorinha quando você acordou..._ E Marty afastou de sua mente imagens súbitas de Diana e Paul deixando seus telefones desligados porquê... Estariam ocupados. Parou um momento, rezando para Paul atender, e digitou o número do amigo. Alguns toques depois Marty suspirou, aliviado, pois Power Punch atendeu, e o som característico de uma danceteria denunciava que ele e Diana ainda estavam dançando. _ Paul, me ouve? Porra, fala alto!! Sou eu, prego, o Marty. Esse lixo de telefone não tem identificador não?... Ah, tava distraído vendo Diana beber vodka a dinheiro? Deixa eu falar com ela... Dã-ãã, ela não fica bêbada, bobão, por isso que sempre ganha essas apostas de quem bebe mais... Você o quê?! Apostou contra ela para dar uma lição nela, sei... Passa o celular para ela, porra de cara mais esperto!... Alô, Di, tudo bem? Olha, quero que fique calma pra cacete, confia em mim, e ouve!... Seus filhos estão bem sim! Ouve! Walter, ele sofreu um acidente, envolvendo uns terroristas!... Se ele estivesse ferrado eu tava calmo assim, santa ignorância?! Não!... Não ta rolando nada na TV por quê o caso foi abafado, mas tá tudo muito bem! Vocês continuam sobrevivendo a tiros! ... Eu disse tiros?! Ahhh, pára de gritar, porra! Foram seis tiros, mas ele está inteirinho, está até rindo aqui! Anota aí o endereço do hospital onde ele deve passar uns dois dias sendo a alegria enfermeiras... Depois deixa eu falar com o Paul sobre uma amiga mais velha que veio do futuro nos visitar... Anota aê, caramba! O endereço é...

...

_ Muito obrigada por me hospedar, Marty. _ Diz Janine, à porta do quarto de hóspedes do espaçoso apartamento de Reator. _ Quero que fique com isso e dê uma olhada assim que puder. _ Ela entrega uma pasta a ele. _ São informações sobre Mirelle. Se puder mesmo me ajudar de alguma forma, acho que vai precisar ver isso.

_ Ótimo. Eu não posso prometer nada, Janine. Mas vou fazer o que puder, valeu?

Com um sorriso tímido, a senhora Ballestre acena que sim. Seu sorriso faz surgirem algumas finas linhas de expressão em torno nos olhos esmeraldinos dela, denotando sutilmente que ela é mais madura do que se pode supor a primeira vista. O interessante é que justamente esta maturidade atrai muito. Marty, admirando-a, leva uns dois segundos para responder, então diz:

_ Ok. Bem… Boa noite.

_ Os superpoderes realmente são coisas fascinantes. _ diz Janine, olhando para ele com seu olhar verde e angelical _ Mas não é isso que faz de alguém um herói, monsieur Marty. Hoje eu entendi isso, e entendi o por quê de minha Mirelle gostar tanto de você, meu rapaz. Boa noite, filho, e bons sonhos.

Ela fecha gentilmente a porta de seu quarto, e ele dá um pequeno suspiro, indo para seu próprio quarto, maldizendo a sorte de Summer Boy. Marty então toma uma ducha rápida, põe roupas leves, e espalha as fotos e textos sobre Mirelle em sua vasta cama.

_ Mirelle... _ Havia textos manuscritos por ela, em diários e folhas soltas. Alguns recortes de jornal em que ele, Marty, era o centro, poesias que ela escrevia, uma muito comovente, sobre solidão. Mirelle desistiu de um namorado de infância e de uma bolsa de estudos num colégio em Genebra para ir aos EUA viver com os Remanescentes. Ela parecia saber tudo que saia nas revistas sobre Reator, e parecia saber bastante sobre como Marty se sentia. Apesar de não saber exatamente dos fatos, ela parecia saber que Marty carregava um coração melancólico por baixo da cara de moleque, que lhe doía tanto ter sido dispensado por seu pai, acusado de destruir sua mãe, ela parecia saber exatamente o por quê de Marty amar tanto seus amigos, a pequenina Mirelle parecia até saber que, se Marty um dia encontrasse alguém especial (e Marty sorriu, mas foi condescendente) e formasse uma família, ele daria tudo de si para ser o melhor pai do mundo... Mas que tinha muito medo disso, de ser como Pluguer... Mirelle era sensível, inteligente, delicada, coerente, humana, muito legal... Onde ela estaria agora? O que teria acontecido com ela? Os relatórios que Janine conseguiu da polícia pareciam indicar rapto para tráfico de escravas brancas... Marty ligou seu computador e foi a Internet pesquisar. Não gostou nada do que viu. Enquanto ele estava entre as estrelas salvando o mundo e todas as vidas que tem aqui, muitas, milhares, milhões destas vidas sofriam horrores, eram tratadas como lixo, violadas, martirizadas, usadas, escarnadas, destruídas, vendidas a prostíbulos ou para trabalharem como escravas e viverem vidas absolutamente miseráveis na imundície, ou coisas piores e impensáveis! E... Mirelle... Poderia… Ter sofrido isso ou muito pior. E Marty nem tinha certeza de que, se ela tivesse sido tão destruída, valeria a pena encontra-la viva. Marty esfregou os olhos úmidos, não sabia nem sequer se conseguiria encontrar qualquer pista dela. Precisava de seus poderes todos de volta. Estava exausto. Mas quando dormiu teve pesadelos horríveis com a menina velocista, presa em um cubículo sujo, coberta de sangue, gritando, gritando, gritando, e caindo em um abismo escuro, enquanto uma música que não tinha nada haver tocava. Acordou. Era seu telefone. Atendeu. Era Paul. Esperava que tudo estivesse bem. Esfregou os olhos e percebeu que chorava enquanto dormia, fungou e disse:

_ Alô, Paul, diga lá, tudo certo?... Você fez o quê? Ligou pro Nash? Claro que eu sei que a Janine não é a Pulsar do futuro, mas acho que ela NÃO deveria conhecer o Nash!!... Coisa pior, que coisa pior? Quem fotografou vocês dois? Byzantine!??... Você bebeu? Quanto?... Meu Deus... Cara, você não pode se estragar assim... Claro que eu converso com ela, mas você precisa ficar inteiro para explicar pra tua mulher que o que rolou com a Diana não foi nada. E não foi mesmo, que eu vi... Acredito sim que não rolou nada depois, só uns climas, sim! Você é humano, cara, e sentiu atração por uma mulher super gata, mas não traiu tua mulher... Sim, Paul, você é um puta Remanescente... Sempre vai ser... Agora eu entendi. Precisamos mesmo de nossos poderes todos de volta, mas não para a gente deixar de ser gente comum, nem para voltar a ser Remanescentes... Escuta, Paul, sei que de todos você vai me entender, apesar de sonso, você é o cara, e eu sei o que você quer ser... Precisamos de nossos poderes não para voltar a ser nada, mas para ser algo que a gente quase nunca foi... Isso mesmo, cara, heróis.

FIM

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(1) HOW CAN YOU MEND A BROKEN HEART

( Como você pode refazer um coração partido )

BEE GEES - 1975

(+ Andy Gibb + , Barry Gibb & Maurice Gibb)

I CAN THINK OF YOUNGER DAYS

Eu relembro os dias de jovem

WHEN LIVING FOR MY LIFE

Quando viver a minha vida

WAS EVERYTHING A MAN COULD WANT TO DO

Era tudo o que um homem podia querer fazer

I COULD NEVER SEE TOMORROW

Eu nunca pude ver o amanhã

FOR I WAS NEVER TOLD ABOUT THE SORROW

Pois eu nunca fui avisado sobre o sofrimento

HOW CAN YOU MEND A BROKEN HEART ?

Como você pode refazer um coração partido ?

HOW CAN YOU STOP THE RAIN FROM FALLING DOWN ?

Como você pode fazer a chuva parar de cair ?

HOW CAN YOU STOP THE SUN FROM SHINING ?

Como você pode fazer o sol parar de brilhar ?

WHAT MAKE THE WORLD GO ROUND

Ou, o que faz o mundo girar

HOW CAN YOU MEND THIS BROKEN MAN ?

Como você pode refazer esse homem ferido ?

HOW CAN A LOSER EVER WIN ?

Como pode um derrotado um dia vencer ?

PLEASE HELP MEND, MY BROKEN HEART

Por favor, ajude-me a refazer meu coração partido

AND LET ME LIVE AGAIN

E deixe-me viver novamente

I CAN STILL FEEL THE BREASE

Eu ainda posso sentir a brisa

THAT BRUSHES THROUGH THE TREES

Que sopra entre as árvores

AND MISS THE MEMORIES OF THE DAYS GONE BY

E sentir falta das lembranças de dias passados

WE COULD NEVER SEE TOMORROW

Nós nunca pudemos ver o amanhã

NO ONE SAID A WORD ABOUT THE SORROW

Ninguém disse uma palavra, sobre o sofrimento

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(2) Gaiola de Faraday - Princípio de Física em que, no interior de uma superfície fechada, o campo elétrico é nulo. Com o objetivo de blindar, proteger um corpo qualquer contra o efeito de um campo elétrico, constroem-se dispositivos chamados Gaiolas de Faraday, constituídos de malhas metálicas que envolvem esse corpo, baseadas nesse princípio, desenvolvido pelo cientista inglês Michael Faraday (1791-1867).


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