Marjorie, Apócrifos

RPG:C7

Marjorie, Apócrifos

Autor: Wagner Ribeiro

Data: 28-set-2004

 

Este pequeníssimo conto faz parte do conto Marjorie, e descreve o que não foi dito: o encontro de Meg com Orwel e Walkíria:

 

_ Por que?! _ gritava Meg naquele dia infernal _ Puta que pariu! Deus, por que me fez isso, seu... Seu... Ahhh, como eu queria conseguir xingar você, Deus! Ahhh!! Que droga! Milhões de porras!!! Maldito destino desgraçado da vagabunda da Marjorie!!! Eu xingo a mim mesma, está satisfeito, seu, seu... Ahhhhh!!!

Ela era muito branca, e estava naquele sol abrasador do deserto, de bermuda e soutien há horas. Ela havia tropeçado e caído sobre um monte de coco de algum "elefante aéreo" (a julgar pelo imenso monte de merda) e preferiu tirar a blusa, limpar-se o melhor possível, e jogar fora a camisa fedorenta. Depois disso ficou quarando no sol. Ela sabia que parecia a "porra de um pimentão", mas para falar a verdade, estava mais preocupada com desmaiar e virar titica de abutre do que com seu bronzeado.

Marjorie fora arrancada _ era esta a exata palavra, arrancada _ de seu tempo. Um grupo de sujeitos viajou no tempo e a trouxe para o século XXII. Subitamente ela se apercebeu de como aquilo parecia um ridículo conto de ficção científica, e praguejou, chutando uma pedra! Tudo na merda de sua vida havia sido totalmente previsível, e para pior, tudo de ruim que poderia acontecer com uma garota pobre e sem grandes chances na vida aconteceu com ela! Um monte de clichês deprimentes, e quando algo absolutamente fantástico ocorre com ela _ viajantes do tempo a levam para um futuro maravilhoso e ultra-tecnológico _ eles a abandonam no meio de um deserto imprestável para morrer!

_ Puta que me pariu!! _ Gritou Meg sob o sol escaldante _ A puta fui eu, mamãe, desculpe! Sabe bem que também não consigo xingar você! _ completou ainda gritando para o céu. Foi quando baixou os olhos ofuscados que ela viu o "disco voador". _ Puta que me pariu... _ Murmurou, ponto a mão sobre os olhos e tentando aguçar a vista. Era um veículo flutuando sobre o chão do deserto, parecia um cinzeiro enorme, e tinha um cara no "volante". Meg então começou a berrar _ Eiiiii! Eiiiêêê!!! Aqui seu viado! Quero dizer, amor, amigo, olha prá cá, porra! Tem uma garota seminua virando um torresmo no sol, vem me salvar, caramba, seja homem, eu prefiro sair no braço com um tarado a morrer assim, sozinha!!!

O tal “disco voador” se virou, preguiçosamente, e veio em sua direção. Ela engoliu em seco, mesmo, pois sua língua parecia uma lixa de tão ressequida, e ajeitou os cabelos. Percebeu o que estava fazendo: como qualquer garota, estava apenas tentando se tornar mais apresentável quando pessoas estavam chegando. Meg sorriu, um belo, seco e vermelho sorriso, achando graça de si mesma. O veículo parou a cerca de quatro metros dela, e o sujeito lá dentro acenou, dando uma boa olhada nela, cuspiu no chão e foi dizendo:

_ Olá benzinho. _ Havia um sotaque suave no inglês dele, que ela reconhecia como o sotaque dos habitantes do futuro, pois as pessoas que a haviam trago do passado falavam assim.

_ P... Pode me dar uma carona? E... B... Bem, e um, dois, não, uns vinte e nove goles d´água, por favor, cara?

_ Seu inglês é de Dakota, não?

_ Nova Iorque... _ Resmungou ela, passando as costas da mão esquerda nos lábios ressequidos. _ Pode me arrumar água? Agora.

_ Nova Iorque, heim? Certo.

Ficaram se olhando por uma pequena e causticante eternidade, quando Meg frisou os olhos e disse:

_ Se pretende alguma gracinha, parceiro, vá em frente, mas me dê a merda da água antes, ok?

_ Ok, benzinho... _ Disse ele arremessando sobre ela uma esfera quase invisível no sol do deserto, era uma bolha de uns vinte centímetros de diâmetro, totalmente transparente, que o sujeito apanhou do banco do carona e atirou sobre ela, e quando a bolha tocou suas mãos instintivamente postas à frente, houve um barulho molhado e Marjorie sentiu um jorro de água cobrir-lhe os braços, o rosto, o peito, e o restante do corpo. A água estava fresca, a sensação foi maravilhosa! Enquanto ela tentava lamber as mãos e sorver o máximo da água que lhe escorria na pele, o sujeito no veículo estendeu outra desses bolhas, menor, e foi dizendo: _ Você está muito sexy lambendo as mãozinhas deste jeito, benzinho, mas tome, encoste os lábios na superfície e sugue, pode beber tudo, se quiser, mas não aconselho, você pode passar mal.

Ela bebeu tudo, e passou mal. Resmungava no banco de trás do “cinzeiro” quando chegaram a uma rodovia que, apesar de rebrilhar de tão nova, parecia estar imersa num ar de decrepitude que Meg não soube explicar para si mesma de onde vinha. O cara a fez tomar uns comprimidos, e como ele ainda não havia tentado encostar um dedo nela, e como ela estivesse sentindo que poderia desfalecer, tomou os remédios, e uns minutos depois estava animada e sua cor voltava à clareza normal. Os efeitos da insolação sumiam. Eles rodavam há uma hora pelo menos, quando ela disse:

_ Me chamo Marjorie, mas pode me chamar de Meg. E você?

_ Eu te chamo de benzinho... _ Disse ele com um riso bobo, e, quando ela não riu, completou _ Sou um robô modelo humanóide de entretenimento SMN-12, mas pode me chamar de Sam.

Ela ficou olhando para ele por um longo minuto, e então lhe deu um beliscão bem forte, e ele limitou-se a olhar para o braço, no lugar onde Meg beliscava até ficar vermelho, e, sorrindo, Sam disse:

_ Eu posso sentir dor, se eu quiser.

_ Caramba! Você parece humano mesmo! Tem certeza que não está me sacaneando, Sam?

_ Absoluta, quer ver minhas entranhas?

_ Não, Sam!

_ É um espetáculo deprimente mesmo. E eu não sou tão “humano” assim, os modelos mais recentes ainda não conseguem imitar perfeitamente a pele humana, e eu nem sou um dos mais recentes. Você está exausta, e por isso não está em condições de me avaliar direito, mas as cápsulas que te dei vão te deixar inteira em poucas horas... Hum, estou pensando em dar um “upgrade” nos olhos. Estou pensando em olhos castanhos, olhos castanhos estão em moda. O que acha?

Ela sorriu. Meg realmente não tinha noção de quão lindamente sorria, pois ela sorria também com os olhos. Então ela disse:

_ Adoro seus olhos. São verdes não são? Pois bem, adoro seus olhos, meu camarada Sam, pois foram os olhos que me enxergaram e me salvaram naquele deserto.

Sam acenou, com um sorriso pequeno, mas não disse mais nada. Seguiram viagem em silêncio, pois ele não quis mais conversar e ela estava mesmo exausta. Quando Marjorie lembrou de perguntar para onde estavam indo, eles encostaram em um pequeno e aparentemente comum hotel de beira de estrada.

...

Sam deixou Meg dentro do carro, na porta da administração do hotel (que parecia ter um pequeno mercadinho em anexo), e disse que iria comprar refrigerantes e mantimentos, e voltou na companhia de duas pessoas, um homem moreno, bonito, mas com um olhar triste, e uma mulher voluptuosa, com grandes olhos um tanto loucos.

_ Ela estava exatamente no ponto GPS indicado, e na hora exata. Como não sou dado a fazer perguntas sobre o que não me diz respeito, quero saber apenas se está tudo bem? _ Disse Sam para os dois que vieram com ele.

Meg, ouvindo aquilo, deu um pulo, e ficou de pé, fora do carro. Vivia nos guetos de Nova Iorque, então sabia muito bem reconhecer uma armadilha quando estava em uma. Preparou-se para correr o máximo que podia, quando Sam disse:

_ Ela está com hiperdidextrinina no sangue. Se tentar qualquer esforço físico vai desabar. Foi o modo mais suave que pude pensar...

Assim que Meg tentou correr suas pernas fraquejaram, e ela caiu de cara no chão. Resmungando de dor, tentou se levantar, mas foi agarrada e virada de barriga para cima, e a mulher a estava segurando firmemente pelos pulsos. A mulher então disse:

_ Oi, ruivinha. Lembra da tia walkíria? Como você não vai lembrar de nada mesmo depois... _ E beijou Meg, que trincou os dentes para evitar que a outra enfiasse a língua em sua boca, mas não pode fazer muito mais, pois seu corpo quase não respondia a ela.

_ Largue-a, Walkíria. _ Disse o homem de olhar triste. _ Ou melhor, leve-a para aquele quarto, e não toque nela.

_ Acha que pode me dar ordens, Orwel? A mim? _ Desafiou Walkíria.

_ Eu não, por enquanto... Mas Greenbury pode, se souber que fez isso a ela.

_ Pode me dar o pacote agora? _ Perguntou Sam, lançando um olhar enigmático para Meg, que lhe devolvia uma expressão furiosa, enquanto era erguida facilmente nos braços por Walkíria.

_ Tome, sabe o que fazer? _ Disse Orwel entregando um pequeno pacote retangular a Sam, que respondeu, balançando a cabeça, talvez satisfeito, talvez não:

_ Sim, eu sei. Agora que tenho minha parte, eu vou indo.

_ Sim. _ Disse Orwel, secamente.

...

_ Acorde, Meg.

_ Estou acordada, Orwel. Estava olhando para as malditas estrelas pela janela.

_ Já lembra de mim?

_ Lembro que acabo de ouvir seu nome lá fora, cara.

_ Ainda não lembra. Eu e Walkíria...

_ Mantenha aquela filha da puta daquela mulher longe de mim!

_ Não se preocupe. Ela não vai mais encostar um dedo em você. Ela é uma das suas melhores assassinas, mas como qualquer ser humano (ou quase) tem medo de você.

_ Minha assas...? Vai pro inferno, maluco! Agora que estou amarrada nesta cama de hotel barato, o que acontece? É hora do estupro?

_ Não, é hora de lembrar.

Sem ser chamado, um homem negro e calvo, bonito, entrou no quarto. Seus olhos pareciam dois abismos negros, e Meg sentiu um gelo percorrer sua coluna e seu crânio, ela sentiu medo e um certo torpor.

_ É ela? _ Perguntou o estranho para Orwel.

_ Sim. Então vai cumprir sua parte, Stone?

_ Estou aqui, não estou?

_ Pois bem, então desfaça agora o entrelaçamento mental.

_ Vai demorar, Orwel. Fora! Ei, espere. Ela sabe que vai comigo?

_ Eu não vou a lugar nenhum, a não ser pra casa, porra! _ Berrou Meg, em meio a sonolência que tomava conta dela.

_ Acalme-se, Greenbury, não estou falando de você. Diga, Orwel, ela sabe que vai comigo.

_ ... Não. Eu a trouxe junto, o resto será com você.

Stone baixou a cabeça, e pensou por um momento. Olhou para a porta por onde havia entrado como se pudesse ver através dela, e voltou a olhar para Orwel, dizendo:

_ Fora. Até amanhã de manhã.

Orwel saiu sem mais uma palavra, e Stone se debruçou sobre Meg, que apertou os olhos e tentou evitar chorar. Mas Stone tocou nela apenas o suficiente para soltar as amarras que a mantinham presa na cama. Ela se sentou, e esfregou os pulsos, ainda estava tonta e não poderia correr, portanto apenas perguntou:

_ Porque disso tudo, cara? Stone, não é?

_ Quer mesmo saber? Sente-se e fique de frente para o espelho na parede aos pés da cama.

_ Porquê?

_ Fique e responderei a todas as suas perguntas. Vou me sentar nesta cadeira, no canto do quarto, a três metros de você, e só vou me levantar amanhã quando iremos embora eu e Walkíria, e até lá, se fizer o que acabo de dizer, respondo a todas as perguntas que tem na cabeça agora.

Meg, mesmo desconfiada, sentou-se com dificuldade de frente para o espelho. Ela percebia que o torpor a deixava meio inclinada para um lado, e tentou corrigir sua postura sem sucesso, ficando inclinada para o outro lado. Desistiu, e olhou para Stone, que estava imerso em sombras no canto do quarto, sentado na cadeira da qual falou. As luzes estavam apagadas e então Meg perguntou:

_ O que querem de mim?

Houve um silêncio, então ela ouviu a resposta:

_ Que você se lembre.

_ De quê?

_ De si mesma.

_ Eu lembro..

_ Não lembra não. Ao menos não de toda você.

_ Que tal ir direto ao assunto?

_ Lembra das pessoas que te trouxeram aqui?

_ Johnson, e os amigos dele, lembro.

_ Se afeiçoou ao agente Johnson, heim?

_ Você tem que me dar respostas, não perguntas, porra!

_ Eles são membros de uma agência secreta. Uma agência que tem um objetivo, que faz seus agentes pensarem que lutam por uma causa, mas que não tem nada haver com o objetivo da agência. Essa agência é secreta, e seus agentes devem ser secretos para o restante do mundo, e essa agência tem diretores, e esses diretores precisam ficar ainda mais incógnitos que seus agentes. Esses diretores precisam controlar a tudo e a todos sem serem jamais vistos e portanto sem serem passíveis de serem controlados por ninguém. Ocorre que estes diretores têm um líder, alguém que não tem nenhum superpoder físico, mas uma mente privilegiada, uma mente capaz de intuir e organizar os caminhos da agência para que ela atinja seu fim, alguém que é frágil por fora, mas de quem depende tudo, o futuro de tudo que foi construído até aqui, alguém que precisa estar incógnito até mesmo para tudo que é secreto. E que deve voltar à ativa, sair da escuridão, quando se precisar dela para dirigir a organização em algum momento de crise, e então este líder deve emergir do meio do oceano de gente comum...

_ O que diabos o Senex fez desta vez?! _ Quis saber, autoritária, Meg _ E porque eu estou fora de meu marco temporal. Ainda sou a Primum Senex no século XXII? Se sou, porque não me procuraram aqui? Será que não entendem, que se me arrancaram do passado eu não poderia estar aqui hoje em dia... _ E então se deu conta de que a voz que respondia a ela era a dela mesma, e que as perguntas bem feitas se auto-respondem, e que não era mais a arredia Meg que a olhava de volta do espelho, mas alguém muito mais velho e cansado espiritualmente.

...

_ E então? _ Perguntou Orwel. No quarto ao lado podia se ouvir os gritos de Walkíria discutindo com Stone.

_ Eu não sei ao certo _ murmurou Greenbury. Ela sabia que o corpo sintético de Orwel poderia ouvi-la mesmo com a barulheira de Walkíria _ Esses documentos mostram que houve um momento em que tivemos uma infiltração. E sugere que foi em 1934, e que de lá para cá estivemos correndo atrás do rabo...

_ Em palavras mais técnicas eu diria a mesma coisa, Greenbury. Meus cálculos N-sócio-dimensionais levam a esta mesma conclusão. Queria que sua intuição a confirmasse, e confirmou.

_ A questão é: isso ocorreu fortuitamente ou fomos enganados?

_ Houve uma nova onda a pouco, em uma nave de passageiros chamada Cherish.

_ E quem resolveu isto?

_ Borges.

_ Aquele maníaco?

_ Não, o outro.

_ O pai da Clarinha?

_ Mais ou menos.

_ A coisa está emergindo?

_ Sim.

_ E as duas?

_ Deportadas, como ele mesmo definiu.

_ Maldito imbecil, uma pena haver regras no Senex, e ele ser tão bom no que faz, senão eu punha Walkíria atrás dele.

_ Ela vai embora com Stone.

_ Duvido muito, Orwel. Mas, bem, bem, as coisas estão acontecendo, até que enfim. Fez bem em me chamar. E fez muito bem em me tirar do século XX antes que os cinzas me alcançassem. Foi uma jogada arriscada mas muito inteligente fazer isso bem debaixo dos narizes deles.

_ Eu sei, senhora. Tive que manipular sutilmente inclusive o próprio Ramon.

_ Hum. Sabe, não é? Às vezes acho que você é um arrogante presunçoso.

_ Não tenho sentimentos, Senhora.

_ Mas os imita que é um primor. Principalmente os piores, meu caro irmão. Vamos fazer o seguinte, Orwel: eu vou ficar aqui, e vou induzir John a pôr em andamento seu condicionamento genético-nanotecnológico para se tornar vetor transcritor de unodinâmica. A gem-alpha está amadurecida? Não, suponho que não. Mas espero que Ramirez esteja pronto.

_ Ele se casou.

_ Isso é um problema menor. Induza o encontro dos dois, e separe-o de sua atual família, não quero que nenhum gembloux o faça se interessar pela gem-alpha, isso deve acontecer naturalmente, mas quero que a atual relação dele seja sutilmente minada. Um horror fazer isto com as pessoas, mas é preciso para um bem maior...

_ Se é assim que justifica suas ambições. Tem certeza que o desentralaçamento de Stone deu certo? Eu a estou achando demasiado... Emotiva.

_ É por isso que preciso de meu braço direito presunçoso, querido Orwel. Não se preocupe, estou um tanto emotiva, mas ainda no controle, o Senex jamais cairá. Bem, onde estávamos? Ah, sim, vamos atrair Shiva, e para isso teremos que fazer barulho, e pôr os agentes para ir além das fronteiras e chamar atenção dos outros. Se um chegou na tal nave de passageiros, significa que a trégua acabou e temos que correr. Ah, não podemos esquecer de preparar o perigoso do Asura para ajudar o Vincentti com o Daimon, emprestando-lhe forças. _ Ela tinha um sorrisinho maldoso quando disse isso, mas o sorriso desapareceu assim que Orwel disse:

_ Alguns podem morrer.

_ Infelizmente. Isso vai fazer os infiltrados pularem também, claro.

_ Claro.

_ Sabe me dizer se tudo que estou dizendo está nas Diretrizes?

_ Sabe que não posso tocar no assunto, só Hampshire, e ela está cada vez mais fundo.

_ Não custa jogar um verde de vez em quando...

_ Jogar... Oh, sim. Claro.

_ Bem, já tem suas ordens, o resto deixe a cargo de Christina.

_ Certo. Estamos a três dias nisto, não está cansada, senhora?

_ Estou, meu bem. Pode me trazer um chá?

_ Claro. Quer que peça para Stone vir prepará-la para Johnson depois do chá?

_ ... Não... Quero passar esta noite com meus tormentos. Amanhã, amanhã eu quero sim a bênção da ignorância novamente.

Depois que Orwel a deixou com o chá, Greenbury ficou novamente mergulhada na penumbra, entre a luz das estrelas que entrava pela janela, e a escuridão que olhava para ela do espelho na parede. Era apenas uma mocinha que estava ali na sua frente, uma menina jovem e ruiva, com uns olhos arteiros mas muito meigos, mas com todo o mundo pesando sobre sua alma cada vez mais envelhecida e cansada. Tudo, todas as dores, todas as angústias, todas as esperanças e os horrores, e cada decisão importante que poderia salvar o mundo ou destruí-lo, tudo pesava sobre os ombros dela. A garota no espelho chorava convulsivamente, e desejava morrer, desejava muito morrer, ou nunca mais despertar e ser apenas Meg em algum lugar, amando e sendo amada por algum homem simples e encantador...

_ Oh, John, John, me perdoe, meu bom rapaz, me perdoe...

Ela só dormiu por exaustão, na alta madrugada, e teve pesadelos horrendos, com a agência, Orwel, Johnson, e com uma verdade tão apavorante, que ela parecia corroer-se em ácido por dentro do corpo, só de pensar nela: o porquê de tudo ser como era. Sua intuição, sua famosa intuição, já sabia que tudo era falso, e que tudo deveria morrer.

...

Na manhã seguinte Walkíria havia fugido para não ser levada por Stone, mas este cumpriu sua parte, a pedido da própria Greenbury, cuja aparência estava péssima. O mais poderoso dos psiônicos “trouxe Meg de volta”, antes de ir embora ileso. E os planos seguiram em frente, como tinha de ser.

Primum viveri deinde philosophari

(Primeiro viva, depois filosofe).

 

FIM ...


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